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A neurociência do mindfulness

A neurociência do mindfulness

A prática do mindfulness faz perceber mais informações em tempo real, o que, por sua vez, gera mais tolerância e flexibilidade ao responder ao ambiente. Você também se torna menos aprisionado pelo passado, seus hábitos, expectativas ou suposições, e mais capaz de responder aos eventos à medida que eles se desdobram. E do que você precisa para essa prática conseguir resultados à altura do que promete?

Autor: Dr. David Rock

Geralmente pensamos em mindfulness como uma ideia que existe há milhares de anos, originalmente emergindo das tradições budistas. Muitos pesquisadores budistas estão fazendo excelentes estudos mostrando que o mindfulness tem um impacto em muitos aspectos da experiência humana.

Eu tenho um pequeno problema com isso. Quando você entende a fisiologia subjacente ao mindfulness, começa a perceber que qualquer discussão sobre mudança humana, aprendizado, educação, e até mesmo questões políticas e sociais, acaba sendo sobre mindfulness. Isso porque o mindfulness, em alguns aspectos, é simplesmente o oposto da falta de atenção. E a negligência é a causa de uma tremenda quantidade de sofrimento humano.

Eu tenho um problema com que algo tão importante quanto um pensamento tão profundo seja ligado a qualquer religião. Não porque eu tenha algo contra o budismo ou contra qualquer religião. É porque assim fica difícil transmitir a ideia de que o mindfulness é útil, sem ativar uma resposta ameaçadora de bilhões de não-budistas que poderiam se beneficiar disso.

O valor de uma abordagem secular

Uma das razões pelas quais pode ser difícil falar sobre mindfulness, em particular quando discutimos mindfulness com as pessoas que dirigem nossas empresas e instituições, é que essas pessoas tendem a gastar pouco tempo pensando sobre si mesmas e outras pessoas, mas muito tempo pensando em estratégia, dados e sistemas. Como resultado, os circuitos envolvidos em pensar em si mesmo e em outras pessoas, o córtex pré-frontal medial, tendem a não ser muito desenvolvidos. Eu escrevo mais sobre isso em um artigo chamado “Gerenciando com o cérebro em mente” recentemente.

Falar com um executivo sobre mindfulness, portanto, pode ser um pouco como falar com um músico clássico sobre jazz. Pode parecer que eles poderiam tocar um pouco de Coltrane (um jazzista famoso), porque eles lidam com sons, mas eles realmente não têm os circuitos para isso. Não nos damos bem em aprender novas habilidades, especialmente na vida adulta, e qualquer motivo para não nos concentrarmos em uma nova habilidade, particularmente se ligada a uma outra religião que não a sua, não ajuda.

Ensinei mindfulness a reitores de faculdades de medicina, a executivos senior de grandes empresas de tecnologia e a estudantes de MBA de dezenas de países. Quando você explica passo a passo, como funciona e como afeta seu cérebro, e dá às pessoas uma chance de experimentá-lo, até mesmo o mais cínico agitador não pode deixar de ver que seria melhor praticar essa habilidade. A chave é ser capaz de explicar a neurociência envolvida. Aqui estão alguns dos destaques de como o mindfulness afeta o cérebro:

Mindfulness e o Cérebro

Um estudo de 2007 chamado “O método Mindfulness de meditação revela modos neurais distintos de autorreferência” por Norman Farb, da Universidade de Toronto, juntamente com seis outros cientistas, abriu novos caminhos em nossa compreensão do mindfulness a partir de uma perspectiva neurocientífica.

Farb e seus colegas elaboraram uma maneira de estudar como os seres humanos experimentam sua própria experiência momento a momento. Eles descobriram que as pessoas têm duas maneiras distintas de interagir com o mundo, usando dois conjuntos diferentes de redes. Uma rede para experimentar sua experiência envolve o que é chamada de “rede padrão” (“default network”) que inclui regiões do córtex pré-frontal medial, juntamente com regiões de memória, como o hipocampo. Essa rede é chamada de padrão (default) porque se torna ativa quando não há muita coisa acontecendo e você pensa em si mesmo. Se você está sentado na beira de um píer no verão, uma brisa agradável soprando em seu cabelo e uma cerveja gelada em sua mão, em vez de aproveitar o belo dia, você pode se achar pensando sobre o que cozinhar para o jantar hoje à noite, e se você vai fazer bagunça na refeição assim divertindo sua(seu) parceira(o). Esta é sua rede padrão (default) em ação. É a rede envolvida em planejar, sonhar acordado e ruminar.

Esta rede padrão também se torna ativa quando você pensa em si mesmo ou em outras pessoas, ela engloba uma “narrativa”. Uma narrativa é um enredo com personagens interagindo uns com os outros ao longo do tempo. O cérebro possui vastas reservas de informações sobre a sua história e a de outras pessoas. Quando a rede padrão está ativa, você está pensando sobre sua história e futuro e sobre todas as pessoas que você conhece, incluindo você mesmo, e como essa gigantesca tapeçaria de informações se entrelaça. Dessa forma, no estudo da Farb, eles gostam de chamar a rede padrão de circuito “narrativo”. (Eu gosto do termo ‘circuito narrativo’ para uso diário, pois é mais fácil de lembrar e um pouco mais elegante do que ‘padrão’ quando se fala em mindfulness.)

Quando você experimenta o mundo usando essa rede narrativa, você obtém informações do mundo exterior, processa-as através de um filtro do que tudo significa e acrescenta suas interpretações. Sentado no cais com seu circuito narrativo ativo, uma brisa fresca não é uma brisa fresca, é um sinal de que o verão acabará em breve, o que o leva a pensar em onde ir esquiar e se seu traje de esqui precisa de uma lavagem a seco.

A rede padrão está ativa durante a maior parte de seus momentos de vigília e não exige muito esforço para operar. Não há nada de errado com esta rede, o ponto aqui é que você não quer se limitar a apenas experimentar o mundo através dela.

O estudo da Farb mostra que há uma outra maneira de “experienciar”. Os cientistas chamam esse tipo de experiência de experiência direta. Quando a rede de experiência direta está ativa, várias regiões diferentes do cérebro se tornam mais ativas. Isso inclui a ínsula, uma região que se relaciona com a percepção das sensações corporais. O córtex cingulado anterior também é ativado, que é uma região central para mudar sua atenção. Quando esta rede de experiência direta é ativada, você não está pensando intensamente sobre o passado ou o futuro, sobre outras pessoas ou sobre si mesmo, ou considerando muito. Em vez disso, você está experimentando informações entrando em seus sentidos em tempo real. Sentado no píer, sua atenção está no calor do sol em sua pele, a brisa fresca em seu cabelo e a cerveja gelada em sua mão.

Uma série de outros estudos descobriu que esses dois circuitos, o da narrativa e o da experiência direta, são inversamente correlacionados. Em outras palavras, se você pensar em uma próxima reunião enquanto lava pratos, é mais provável que você ignore um copo quebrado e corte a mão, porque o mapa do cérebro envolvido na percepção visual é menos ativo quando o mapa narrativo é ativado. Você não vê tanto (ou ouve tanto, ou sente tanto) quando está perdido em pensamentos. Infelizmente, mesmo uma cerveja não é tão boa nesse estado.

Felizmente, esse cenário funciona nos dois sentidos. Quando você focaliza sua atenção nos dados recebidos, como a sensação da água em suas mãos enquanto lava, reduz a ativação do circuito narrativo. Isso explica porque, por exemplo, se o seu circuito narrativo está enlouquecendo, preocupando-se com um evento estressante, ajuda respirar fundo e se concentrar no momento presente. Todos os seus sentidos “ganham vida” naquele momento.

Vamos recapitular essas ideias. Você pode experimentar o mundo através do seu circuito narrativo, que será útil para o planejamento, a definição de metas e estratégias. Você também pode experimentar o mundo mais diretamente, o que permite que mais informações sensoriais sejam percebidas. Experimentar o mundo através da rede de experiência direta permite que você se aproxime da realidade de qualquer evento. Você percebe mais informações sobre eventos que ocorrem ao seu redor, bem como informações mais precisas sobre esses eventos. Perceber mais informações em tempo real faz com que você seja mais flexível ao responder ao mundo. Você também se torna menos aprisionado pelo passado, seus hábitos, expectativas ou suposições, e mais capaz de responder aos eventos à medida que eles se desdobram.

No experimento de Farb, pessoas que praticavam regularmente a observação dos caminhos da narrativa e da experiência direta, como meditadores regulares, diferenciavam mais fortemente os dois caminhos. Elas sabiam em qual caminho estavam, a qualquer momento, e podiam alternar entre eles mais facilmente. Em contraste, as pessoas que não tinham praticado perceber esses caminhos eram mais propensas a tomar automaticamente o caminho da narrativa.

Isto não é apenas uma teoria. Um estudo de Kirk Brown descobriu que as pessoas no alto de uma escala de mindfulness estavam mais conscientes de seus processos inconscientes. Além disso, essas pessoas tinham mais controle cognitivo, e uma maior capacidade de moldar o que fazem e o que dizem, do que as pessoas mais baixas na escala de mindfulness. Se você está no cais com a brisa e é alguém com um bom nível em mindfulness, é mais provável que você perceba que está perdendo um belo dia se preocupando com o jantar de hoje à noite, e concentre sua atenção no sol quente. Quando você faz essa mudança em sua atenção, você muda o funcionamento do seu cérebro, e isso pode ter um impacto de longo prazo em como o seu cérebro também funciona.

Por que precisamos continuar sendo lembrados sobre mindfulness?

John Teasdale, recentemente aposentado, foi um dos principais pesquisadores do mindfulness. Teasdale explica: “Mindfulness é um hábito, é algo que quanto mais se faz, mais provável é estar nesse modo com menos e menos esforço… é uma habilidade que pode ser aprendida. É acessar algo que já temos. Mindfulness não é difícil. O difícil é lembrar de estar atento”. Eu amo esta última declaração. O mindfulness não é difícil: a parte difícil é lembrar-se de fazê-lo.

Pratique, mas você não precisa se sentar e respirar

Portanto, praticar a mindfulness é importante, porque assim é mais provável que você se lembre de fazê-lo.

A chave para praticar o mindfulness é apenas praticá-lo focalizando sua atenção em um dos sentidos do corpo diretamente e fazê-lo com frequência. Isso ajuda a usar um rico fluxo de dados. Você pode prender a atenção para a sensação do seu pé no chão mais facilmente do que a sensação do dedinho do pé no chão: há mais dados para acessar. Você pode praticar mindfulness enquanto está comendo, andando, conversando, fazendo praticamente qualquer coisa, com a exceção de beber uma cerveja ao sol, que funciona apenas por um tempo limitado antes de sua atenção ir festejar (a neurociência de tudo isso terá que esperar por outro livro.)

Construir o mindfulness não significa que você precisa ficar parado e observar sua respiração. Você pode encontrar uma maneira de ele se adaptar ao seu estilo de vida. Minha esposa e eu construímos um ritual de 10 segundos para a refeição da noite com meus filhos, o que envolve apenas parar e fazer três pequenas respirações juntas antes de comermos. O bônus adicional disso é que faz um ótimo jantar ser ainda melhor.

Qualquer que seja a prática que você desenvolva, pratique. Quanto mais plenamente atento (mindful) você se tornar, melhores decisões você tomará, e mais você alcançará seus próprios objetivos, em vez dos objetivos de outros.

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