Afinal, quanta gente precisa ser vacinada no Brasil para se alcançar a imunidade de rebanho, considerando que as vacinas anti-Covid-19 a serem aplicadas têm taxas de eficácia diferentes? Esse post não apresenta apenas um ou outro número final. Ele mostra como se chega neles – e prova que esse cálculo não é coisa do outro mundo.
“Covid-19 pode ser seu melhor amigo, dando imunidade, ou seu pior inimigo, destruindo sua saúde e possivelmente matando você.”
Se a CoronaVac for a única vacina disponível, seria necessário vacinar 99% da população para se atingir a imunidade de rebanho. A afirmação, divulgada pelo G1, da Rede Globo, é baseada no cálculo do microbiologista Luiz Gustavo de Almeida, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo e do Instituto Questão de Ciência. O pedigree convida a relaxar: não é fake news.
Nesse fim de semana, eu – que estou longe de ser um micro ou macrogista de qualquer especialidade – fiz esse cálculo. E o resultado bateu razoavelmente na mosca. Então, se eu posso, você também pode. Calcular aquilo, quero dizer.
Se você for curioso, ou curiosa, e tiver um leve domínio das 4 operações, talvez ao menos queira conhecer, nem tanto o resultado (que já apontei no começo do post), mas principalmente os pressupostos e as operações que há por trás dele.
De onde partimos?
Da população brasileira: 212.529.955 ou coisa parecida, segundo dados do IBGE às 17hs15 do 05/01/21.
Mas não é essa a população que irá ser vacinada; 51.432.249 bípedes com idade até 17 anos – que somam 24,2% do total – precisam ser subtraídos. (Em tese, as grávidas também deveriam sê-lo, uma vez que os testes das vacinas não as levaram em conta, nem o Ministério da Saúde planeja vaciná-las. Porém, não achei dados sobre elas.)
Ficamos assim: 212.529.955 – 51.432.249 = 161.097.706
É para vacinar toda essa turma? Não. As vacinas andam mais escassas que picolé no Saara, então imaginemos que 20% desse contingente já teve a Covid-19 e agora desfruta de imunidade. São 32.219.541 os sobreviventes. Eu já sei que isso é imaginar demais porque acaba de sair um estudo britânico relatando que a maioria das pessoas estão protegidas de pegar a Covid-19 por ao menos 5 meses. Mas, enfim, suponhamos que quem se infectou e sobreviveu fica imune por um ano e não se fala mais no assunto.
A população líquida a imunizar seria de 161.097.706 – 32.219.541 = 128.878.165, então?
Não, por causa da imunidade de rebanho, já ouviu falar? Já. Todo mundo fala nela, igual a um rebanho. Em linguagem simples: a proporção de uma população que precisa estar imune para não dar chance ao vírus de circular e continuar infectando gente. O número mágico parece ser 75% – embora o Dr. Anthony Fauci, a figura mais respeitada no mundo em matéria de doenças infecciosas, tenha recentemente aventado uma faixa entre 75% e 85%, mas deixa para lá, 75% será.
128,878.165 x 75% = 96.658.624
Agora respondamos o seguinte: quanta gente teria de ser imunizada com a CoronaVac, na hipótese de ser esta a única vacina disponível?
A população alvo é 96.658.624, porém, a eficácia da CoronaVac é de 50,38% – ou a metade do ideal. Então, o que cabe é vacinar o dobro. Ou seja, para imunizar essa população é preciso vacinar o dobro disso: 191.859.118. (Ufa! Vai faltar brasileiro. Liga para o Maduro.)
O que, por outro lado, significam 383.718.236 doses vacinais. (Teoricamente, se os dois produtores de vacinas no Brasil – Fiocruz e Butantan – entregassem diariamente 1 milhão de vacinas cada, a partir de março, e a estrutura do SUS for mesmo “a melhor do mundo” em matéria de campanhas vacinais, seria possível liquidar a parada até outubro. E também se eu fosse Napoleão. Sonhar não custa nada.)
A seguir, uma comparação da performance das 3 vacinas mais conhecidas, a qual varia conforme as distintas taxas de eficácia:
Eficácia da vacina | A imunizar | Duas doses | |
Coronavac | 50,38% | 191.859.118 | 383.718.236 |
Oxford AstraZeneca | 62% | 155.901.006 | 311.802.011 |
Pfizer | 95% | 101.745.920 | 203.491.839 |
Note que, na realidade, diante da mistura de vacinas o modelo de cálculo aqui mostrado dificilmente irá funcionar. Mas também não há de ser muito diferente do visto. De qualquer maneira, um fator determinante irá permanecer: a duração da campanha de vacinação até ser completada. Gostemos ou não, as taxas de eficácia das duas vacinas anti-Covid-19 made in Brasil são baixas e dessa forma atingir a imunidade de rebanho até o fim de 2021 vai depender fundamentalmente da velocidade com que a vacinação ocorra. Isso, supondo que a qualidade da estrutura de vacinação “melhor do mundo” esteja à altura do que falam.
Obs. O cientista antes citado calculou os tempos requeridos para vacinas com distintas taxas de eficácia atingirem a imunidade de rebanho. Vale a pena conferir.