Uma ampla gama de influências genéticas, hormonais e metabólicas desempenham um papel na formação de padrões masculinos e femininos distintos de morbidade e mortalidade. No entanto, essas diferenças não são reconhecidas pela medicina, na prática – com consequências nada boas para a saúde da mulher. Um viés de gênero tem a ver com essa omissão e isso vem sendo apontado até por publicações científicas… em vários países que não o Brasil. Curioso, não é mesmo?
Nota do blog:
A relação de homens e mulheres com a dor é diferente – física e mentalmente. A medicina –a pesquisa, a farmacologia, o atendimento… – precisa reconhecer isso, e se adaptar, mais velozmente do que até agora. Para isso acontecer, todavia, a medicina deveria antes reconhecer que a saúde de ambos os sexos é afetada por fatores às vezes desiguais, e que a causa dessa desigualdade não é apenas biológica, mas também cultural. A maneira em que a mulher é vista e valorizada na sociedade certamente se reflete na (relativamente pouca) importância dada a ela por pesquisadores, médicos, faculdades de medicina, hospitais e fabricantes de remédios… limitando em certa medida a qualidade dos serviços de saúde que recebe.
O texto a seguir resume um artigo da Dra. Leslie Doyal que aborda a questão acima. Leslie Doyal é Professora Emérita da Bristol University, e Professora de Health and Social Care, School for Policy Studies, no Reino Unido. É também coautora dos livros Health and Work: Critical Perspectives e What Makes Woman Sick, ambos dos mais vendidos no seu gênero.
A Dra. Doyal baseia-se em uma ampla gama de disciplinas para destacar as limitações dos modelos médicos na compreensão dos padrões globais de saúde e doença nas mulheres. Examinando em detalhes o impacto da sexualidade, controle da fertilidade, reprodução, trabalho doméstico e trabalho assalariado no bem-estar das mulheres, ela mostra como as divisões de gênero na vida econômica e social afetam suas experiências de doença, deficiência e mortalidade.
Sexo e saúde: a biologia do risco
As duas últimas décadas testemunharam um ativismo considerável por parte das mulheres para melhorar a qualidade de sua saúde e dos cuidados de saúde. Tem havido um reconhecimento crescente de que as diferenças biológicas entre os sexos vão além do reprodutivo. Uma ampla gama de influências genéticas, hormonais e metabólicas desempenham um papel na formação de padrões masculinos e femininos distintos de morbidade e mortalidade. Doenças específicas do sexo, como câncer do colo do útero e da próstata, são os exemplos mais óbvios. No entanto, há também evidências crescentes de diferenças de sexo na incidência, sintomas e prognóstico de muitos outros problemas de saúde, incluindo HIV/AIDS, doenças infecciosas tropicais, tuberculose, problemas autoimunes e doenças coronárias.2Garenne M, Lafon M. Sexist diseases. Perspect Biol Med. 1998;42:773–777.3Kraemer S. The fragile male. BMJ. 2000;321:1609–1612.
Mas as influências biológicas são apenas uma parte do complexo de fatores que moldam a saúde de mulheres e homens. Diferenças de gênero socialmente construídas também são importantes para determinar se os indivíduos podem realizar seu potencial para uma vida longa e saudável.4Annandale E, Hunt K. Gender inequalities in health. Buckingham: Open University Press; 2000.
Riscos do gênero feminino
Uma extensa literatura documenta a relação entre as divisões de gênero e a saúde da mulher.5Doyal L. What makes women sick, gender and the political economy of health. London: Macmillan; 1995. Os pesquisadores exploraram uma ampla gama de fatores sociais, econômicos e culturais, mostrando suas ligações com o bem-estar físico e mental. Não há sociedades nas quais as mulheres sejam tratadas como iguais aos homens, e isso inevitavelmente afeta a saúde das mulheres.6United Nations Development Programme. Human development report 1995. New York: UNDP; 1995.
Há evidências de que as mulheres são tratadas por alguns médicos como menos valiosas do que os homens. Isso pode levar a atitudes humilhantes, bem como à alocação desigual de recursos clínicos.7Doyal L. Women and health services. Buckingham: Open University Press; 1998.8Raine R. Does gender bias exist in the use of specialist health care? J Health Serv Res Policy. 2000;5:237–249. Esse viés de gênero é especialmente evidente no contexto da pesquisa médica, onde estudos têm mostrado que as mulheres têm sido frequentemente excluídas dos estudos por motivos inadequados.9Mastroianni A, Faden R, Federman D, editors. Women and health: ethical and legal issues of including women in clinical studies. 1 and 2. Washington, DC: National Academic Press; 1994.
Colocando sexo e gênero na agenda da saúde
Para eliminar o preconceito de gênero na pesquisa médica, deve-se garantir que os desenhos das pesquisas incluam sexo e gênero como variáveis-chave. No curto prazo, isso melhoraria o nosso conhecimento sobre a saúde da mulher. A longo prazo, melhoraria a qualidade geral da ciência médica.
Muitas mulheres continuarão a ser prejudicadas pelas ações de homens que, dentro ou fora da medicina, seguem os roteiros da masculinidade. Mudanças nessa ordem de coisas não serão fáceis de alcançar, pois envolvem uma redefinição de áreas íntimas da vida humana. Mas, a menos que sejam combatidas, as desigualdades de gênero continuarão a limitar em alguma medida o acesso a bons serviços de saúde pelas mulheres.
Pontos-Chave:
- A saúde de ambos os sexos é influenciada por fatores biológicos, incluindo, mas não se limitando a, suas características reprodutivas.
- As características de gênero socialmente construídas influenciam o acesso diferenciado de mulheres e homens aos serviços de saúde.
- Desigualdades de gênero no acesso a recursos de promoção da saúde têm efeitos prejudiciais no bem-estar das mulheres.