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Sexo e dor crônica nas costas: as evidências

Sexo e dor crônica nas costas: as evidências

A sexualidade desempenha um papel significativo na vida humana. A dor lombar pode influenciar negativamente a atividade sexual, uma vez que pode provocar desconforto físico e/ou exacerbação da dor durante a relação sexual e redução acentuada na frequência da atividade sexual. O artigo apresenta evidências de que esse problema existe, coletadas em pesquisas ao redor do mundo, e aponta seus efeitos (físicos e psicológicos), a sua relevância epidemiológica e as barreiras culturais que bloqueiam uma solução, a principal sendo a (falta de boa) comunicação entre o profissional da saúde e o(a) paciente.

“Acho que estamos fazendo uma educação sexual ruim se não observarmos como o comportamento erótico realmente ocorre e oferecermos às pessoas intervenções razoáveis.”

– Tristan Taormino

Autor: Julio Troncoso

A classificação internacional de funcionalidade, deficiência e saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) considera as relações sexuais como um fator integrante do padrão internacional que descreve e mede saúde e deficiência.

Dor lombar é um “sintoma extremamente comum, vivenciado por pessoas de todas as idades”, embora tenha o seu pico na meia-idade e seja mais comum em mulheres do que em homens. Em 2018 existiam 540 milhões de pessoas afetadas pela dor lombar, sendo ela a principal causa de deficiência em todo o mundo. Na Europa e nos EUA, a lombalgia era também a razão mais comum para licenças médicas certificadas e para aposentadoria precoce. Globalmente, a quantidade de anos que as pessoas vivem com incapacidade de dor lombar aumentou 54% em 25 anos.

Não é de estranhar, então, que nesse mesmo ano a prestigiada revista médico-científica The Lancet publicasse uma série de três artigos escritos por um grande grupo internacional de especialistas. Estes investigaram a extensão do problema da dor lombar e as evidências dos tratamentos recomendados. Eles foram mordazes sobre o uso generalizado de “testes inadequados” e “tratamentos desnecessários, ineficazes e prejudiciais”. Mas nada disseram sobre a contribuição à dor lombar de um dos exercícios físicos mais frequentes e comuns praticados pelos bípedes: o ato sexual.

Nesse artigo sem qualquer pretensão acadêmica eu exponho os indícios de que:

  • a dor crônica lombar afeta significativamente a qualidade da vida sexual,
  • com sequelas psicológicas importantes,
  • em milhões de homens e mulheres, e
  • e o problema permanece latente, pouco pesquisado e nada resolvido na linha de frente da medicina.

A dor crônica nas costas afeta a vida sexual de homens e mulheres?

Pesquisa realizada na Turquia com pacientes submetidos à cirurgia de coluna lombar revelou que 55% dos homens e 84% das mulheres com hérnia de disco lombar relataram ter problemas sexuais.

Na população sueca, 34% reclamaram de lombalgia adicional relacionada à atividade sexual e 30% relataram que sua vida sexual estava severamente limitada devido à lombalgia.

Em 50% da população japonesa, a hérnia de disco lombar diminuiu significativamente a excitação sexual e a frequência da atividade sexual.

Pesquisas mostraram que quatro em cada cinco canadenses terão pelo menos um episódio de dor nas costas incapacitante, e que a dor pode ter um efeito muito sério na vida sexual de uma pessoa: até 84% dos homens com dor nas costas e 73% das mulheres, disseram que faziam sexo com muito menos frequência se as costas estivessem doendo.

Em Marrocos, Bahouq et al. verificaram interferência na sexualidade de 100 pacientes de ambos os sexos com lombalgia crônica. Oitenta e um por cento dos pacientes reclamaram de dificuldades sexuais relacionadas à dor lombar crônica. Diminuição da líbido e posição sexual dolorosa foram relatadas respectivamente em 14,8 e 97,5% dos casos. A posição que mais gerou dor foi a supina.

No Irã, Nikoobakht et al., pesquisaram 702 pacientes com lombalgia e 888 controles saudáveis. A prevalência de problemas sexuais em pacientes do sexo feminino com lombalgia foi de 71,1% (n = 177), enquanto o valor correspondente para mulheres saudáveis foi de 36,8% (n = 161). A disfunção erétil estava presente em 59,5% dos pacientes com lombalgia do sexo masculino e em 24,5% dos homens saudáveis.

Em outra pesquisa iraniana, alterações na atividade sexual foram relatadas em 20 atletas iranianos com lombalgia, incluindo 15 homens e 5 mulheres, sendo 14 deles competitivos em diversos esportes.

Os efeitos da dor crônica lombar sobre a qualidade da vida sexual são apenas físicos?

O que veio à tona no estudo dos atletas não foi apenas dor na atividade sexual”, mas “dor persistente após a atividade sexual”, ou seja, uma dor crônica vitaminada, estabelecida e, portanto, angustiante. Os atletas também mencionaram “medo do impacto prejudicial nas costas” (expectativa) e “redução na frequência e abstinência completa” (abstinência).

“Este item da pesquisa (a questão sexual) é muito importante. Eu não podia fazer sexo quando minha dor nas costas era forte. Agora, embora a dor não seja muito incômoda, ela (atividade sexual) tem sido muito limitada porque tenho medo da dor.”

Atleta de atletismo 30 anos

“Um dos maiores problemas de nossos atletas com a lombalgia são os distúrbios sexuais. Você pode evitar sexo porque dói muito, mas então, você tem que lutar com uma angústia e ansiedade crescentes porque o relacionamento com seu parceiro e o senso de confiança podem estar tensos.”

Ciclista de 30 anos

Efeitos não físicos de uma atividade sexual prejudicada – angústia, expectativa e abstinência – aumentaram a tensão e a ansiedade dos atletas.

Pesquisadores italianos, por sua vez, investigaram 622 homens e mulheres com dor lombar inespecífica, sendo um terço da amostra composta por homens.

Em cada 10 respondentes, quase 4 declararam algum tipo de transtorno/dificuldade relativo à lombalgia. A deficiência sexual foi significativamente relacionada não apenas à dor, mas também à depressão, evitação de atividades e ruminação. Esses achados são coerentes com estudos anteriores, nos quais níveis mais elevados de depressão e ansiedade e baixa qualidade de vida foram significativamente associados ao funcionamento sexual em homens e mulheres com lombalgia crônica.

Por fim, um estudo transversal em 742 pacientes (351 homens, 391 mulheres), também realizado no Irã, confirmou que a deficiência sexual é relevante em gente com dor lombar crônica e pode mediar significativamente a relação entre intensidade da dor e sintomas depressivos. Em bom português: quanto mais severa a dor crônica lombar, pior fica a atividade sexual, e isso pode causar distúrbios mentais.

Pelo visto, boa parte do que faz a dor lombar crônica desembocar em depressão é a interrupção da função social e relacional causada pela deficiência sexual. Fatores psicológicos (medo de tentar, de se movimentar) e mecânicos (posições desejadas impedidas) podem causar uma resposta antecipatória à dor ou uma resposta real à dor, respectivamente.

Afinal, a vida sexual ser afetada pela dor lombar é um problema socialmente relevante?

Noutras palavras, esse problema afeta muita gente?

Um matemático (norueguês) calculou que cada semana 3,5 bilhões de humanos fazem sexo. Outro (britânico) aponta que se 240 milhões de pessoas fazem sexo diariamente – uma aproximação, ele admite – então seriam 10 milhões por hora ou 166,666 a cada minuto.

Por outro lado, a prevalência da dor crônica nas costas varia entre 4,2% e 19,6% da população mundial dependendo da faixa etária. Faça as contas.1

Convém agregar também que entre todos os participantes severamente limitados, as mulheres eram o triplo dos homens. E que estudos anteriores também relataram maior prevalência de deficiência sexual em pacientes do sexo feminino.

O que se depreende de todas essas cifras é que há muita gente sofrendo de dor crônica lombar a cada hora, minuto ou segundo… ao praticar sexo. Ou ao se ver impedida de praticá-lo, digamos, prazerosamente. 

Afinal, o que fazer?

Não muito, ao que parece.

Melhorar a vida sexual dos pacientes com dor crônica lombar depende de duas coisas atualmente indisponíveis: médico(a)s em condições de educá-los na matéria, e acima de tudo, orientações práticas.

Educadores ausentes

De acordo com Barton-Burke e Gustason (2007), as crenças e preconceitos sobre sexualidade vigentes em médicos e pacientes torna embaraçoso qualquer diálogo aberto a respeito, particularmente no atendimento primário ou numa primeira consulta. A prática profissional e a literatura científica indicam que, em geral, os profissionais de saúde se sentem inseguros e desconfortáveis ao abordar questões de sexualidade no ambiente das unidades de saúde.2

Em uma pesquisa de campo holandesa, dos 821 médicos cirurgiões entrevistados, 233 relataram raramente tocar no assunto sexo, e destes, 96% reconheceu que não gastavam mais de 5 minutos nisso – embora eles fossem especializados em reposição total do quadril e sabiam que nos 6 meses seguintes da cirurgia algumas posições sexuais eram potencialmente muito arriscadas.

Os mesmos achados do estudo holandês foram notados noutra pesquisa com membros da Associação Americana de Cirurgiões de Quadril e Joelho. Trinta e três (33) estudos abrangendo milhares de profissionais da saúde foram incluídos numa extensa revisão abrangendo os últimos 20 anos. Os resultados indicaram que 1) a discussão atual sobre saúde sexual não atende às necessidades dos pacientes; 2) pacientes e profissionais de saúde têm perspectivas exclusivamente diferentes sobre a importância da discussão, a responsabilidade do início da conversa e o nível de conforto da discussão; e 3) a formação profissional dos médicos para lidar com as questões de sexualidade dos pacientes, é nenhuma (ou quase).

Recursos didáticos em falta

Em todos os estudos antes mencionados, todas as medidas (intensidade da dor, sintomas depressivos) foram obtidas por um questionário de autorrelato, preenchido pelos pacientes. Compreensível, uma vez que achar uma solução implicaria em os médicos conversarem sobre sexo com seus pacientes. Sobre sexo e, mais especificamente, sobre as posturas coitais mais seguras em cada caso. Infelizmente, essas posturas são pouco conhecidas e mesmo que fossem, causariam constrangimento.

A observação in loco, todavia, é imprescindível para propor aos homens e mulheres que sofrem de dor crônica lombar como se posicionar – sim, o verbo é esse mesmo, posicionar – para não agravar sua condição durante a única atividade humana em que as endorfinas tomam conta da razão, da prudência e da procura por segurança, obliterando temporariamente as sensações de dor.

Até onde eu sei, apenas um único pesquisador com pedigree acadêmico e científico fez por preencher esse vazio. Eu pretendo mostrar os resultados do seu trabalho em próximos posts.

Resumo da Ópera: a associação entre dor crônica lombar, qualidade da vida sexual e distúrbios psicológicos constitui uma evidência científica que aponta para um problema endêmico, capaz de reduzir a qualidade de vida de muitos e muitas. E o(a)s médico(a)s, de quem os pacientes esperam iniciativa, não parecem disposto(a)s e/ou capacitado(a)s para tomá-la.

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4 respostas

  1. Gostei da pesquisa! Meu ex marido que me traiu e se casou com uma menina 20 anos mais nova está sofrendo severamente de lombalgia. Agora o corno será ele!

    1. Grato pelo seu comentário. A minha mãe dizia: “No hay mal que por bien no venga”. Pelo visto, até dores crônicas têm efeitos colaterais saudáveis. Parabéns!

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