A sensibilização central é responsável pela dor crônica “inexplicável” em uma ampla variedade de distúrbios (ex.: dor lombar crônica, osteoartrite, fibromialgia, síndrome da fadiga crônica e cefaleia do tipo tensional crônica, entre outros). A Parte 1 deste artigo explicou a relação entre sensibilização central e a dor “inexplicável”. Esta Parte 2 abrange as opções farmacológicas como paracetamol, inibidores de recaptação de serotonina e norepinefrina.
Farmacoterapia potencialmente visando a sensibilização central
Agentes farmacológicos, como anti-inflamatórios não esteroidais e Coxibes, têm efeitos periféricos e, portanto, são inapropriados para o tratamento da sensibilização central em pacientes com dor crônica1Kosek E. Medical management of pain. Chapter 12. In: Sluka K. Mechanisms and management of pain for the physical therapist. IASP press, Seattle; 2009. p. 231-55 [Google Scholar]. No entanto, em casos de hipersensibilidade das vias centrais da dor, lesões/traumas relativamente menores em qualquer local podem sustentar o processo de sensibilização central2Vierck CJ. Mechanisms underlying development of spatial distributed chronic pain (fibromyalgia). Pain 2006;124:242-63 [Crossref], [PubMed], [Web of Science ®], [Google Scholar]. O efeito analgésico dos AINEs (anti-inflamatórios não esteroidais) tem sido tradicionalmente relacionado à inibição da síntese periférica de prostaglandinas. Além disso, uma ação central foi sugerida. É proposto que os AINEs reduzem a hiperalgesia por mecanismos de ação periféricos e centrais3Petersen KL, Brennum J, Dahl JB. Experimental evaluation of the analgesic effect of ibuprofen on primary and secondary hyperalgesia. Pain 1997;70:167-74 [Google Scholar]. O mecanismo periférico seria de natureza anti-inflamatória, que por sua vez atenua a sensibilização dos nociceptores periféricos, atenua a atividade nociceptiva aferente e, assim, atenua a sensibilização central mediada pela fibra C. Espera-se que os efeitos centrais reduzam a hipersensibilidade tátil progressiva (ou seja, hiper-responsividade a estímulos táteis), enquanto os aspectos periféricos dos AINEs devem reduzir a hiperexcitabilidade central4Petersen KL, Brennum J, Dahl JB. Experimental evaluation of the analgesic effect of ibuprofen on primary and secondary hyperalgesia. Pain 1997;70:167-74 [Google Scholar]. Por exemplo, uma única dose oral de ibuprofeno inibe a hipersensibilidade tátil progressiva sem reduzir a sensibilização central induzida pela fibra C por um mecanismo central predominante5Petersen KL, Brennum J, Dahl JB. Experimental evaluation of the analgesic effect of ibuprofen on primary and secondary hyperalgesia. Pain 1997;70:167-74 [Google Scholar]. Portanto, os anti-inflamatórios de ação periférica podem ser úteis para desligar as fontes periféricas de estímulos nociceptivos para o SNC (Sistema Nervoso Central). No entanto, eles são incapazes de “tratar” o mecanismo de sensibilização central diretamente.
Vários medicamentos de ação central visam especificamente processos conhecidos por estarem envolvidos na sensibilização central. Nosso objetivo é explicar como os medicamentos atuais empregados no tratamento de estados de dor crônica interagem com esses processos, incluindo a interação de bloqueadores do receptor N-metil-D-aspartato (NMDA), como a cetamina; opioides; antidepressivos tricíclicos (TCAs), tais como amitriptilina; inibidores seletivos da recaptação da serotonina (SSRIs) e inibidores seletivos da recaptação da noradrenalina (SNRIs) com vias descendentes que ligam o cérebro à modulação e aumento da dor. A capacidade de drogas como gabapentina/pregabalina para alterar a excitabilidade também é discutida. Também deve ser lembrado que essas drogas, em particular os antidepressivos, podem ter um mecanismo de ação supraespinhal significativo que pode atuar no componente psicológico significativo da percepção da dor e, assim, permitir que os pacientes lidem melhor com sua dor6D’Mello R, Dickenson AH. Spinal cord mechanisms of pain. Br J Anaesth 2008;101:8-16 [Crossref], [PubMed], [Web of Science ®], [Google Scholar]. Esses agentes farmacológicos são discutidos abaixo com o objetivo de tratar a sensibilização central em pessoas com dor crônica inexplicável. É importante que o leitor perceba que não temos a intenção de fornecer diretrizes clínicas para o tratamento da sensibilização central. Isso seria impossível, dados os limitados dados científicos disponíveis. Em vez disso, é apresentada uma visão geral das estratégias de tratamento conhecidas por interferir nos mecanismos envolvidos na sensibilização central. Portanto, questões importantes como efeitos colaterais, números necessários para tratar e números necessários para causar danos não são abordados aqui.
Paracetamol (Acetaminofeno)
A ativação da substância cinzenta periaquedutal ativa os neurônios descendentes seretonérgicos e noradrenérgicos que ativam a medula ventromedial rostral e a ponte dorsolateral, respectivamente7Skyba DA, Radhakrishnan R, Rohlwing JJ, Joint manipulation reduces hyperalgesia by activation of monoamine receptors but not opioid or GABA receptors in the spinal cord. Pain 2003;106(1-2):159-68 [Google Scholar]. Esses centros do tronco cerebral fornecem uma poderosa ação inibitória sobre a entrada nociceptiva no nível segmentar espinhal. A ativação da inibição nociceptiva descendente reduz a entrada nociceptiva para o SNC. O acetaminofeno (paracetamol) melhora o desempenho de pico do exercício em atletas saudáveis8Mauger AR, Jones AM, Williams CA. Influence of acetaminophen on performance during time trial cycling. J Appl Physiol 2010;108:98-104 [Google Scholar]. O paracetamol atua principalmente de forma central: ele reforça as vias inibitórias descendentes9Pickering G, Esteve V, Loriot MA, Acetaminophen reinforces descending inhibitory pathways. Clin Pharmacol Ther 2008;84:47-51 [Crossref], [PubMed], [Web of Science ®], [Google Scholar], as vias descendentes da dor serotonérgica. Além disso, o acetaminofeno pode exercer uma ação inibitória sobre a enzima ciclooxigenase no SNC10Brune K, Zeilhofer HU. Antipyretic analgesics: basic aspects. In: McMahon SB, Koltzenburg M, editors. Textbook of pain. Elsevier, Amsterdam; 2006. p. 459-69 [Google Scholar], envolvida na transformação do ácido aracnidônico em prostaglandinas. A expressão da ciclooxigenase-2 e da prostaglandina E2 no SNC participa do mecanismo de sensibilização central em pessoas com dor crônica11Samad TA, Moore KA, Sapirstein A, Interleukin-1 beta-mediated induction of COX-2 in the CNS contributes to inflammatory pain hypersensitivity. Nature 2001;410:471-5 [Crossref], [PubMed], [Web of Science ®], [Google Scholar]12Bazan NG. COX-2 as a multifunctional neuronal modulator. Nat Med 2001;7:414-15 [Crossref], [PubMed], [Web of Science ®], [Google Scholar]. Portanto, além de seus efeitos nas vias antinociceptivas descendentes, sua ação inibitória da ciclooxigenase também pode contribuir para diminuir a hipersensibilidade do SNC.
Inibidores de recaptação de serotonina e norepinefrina
Em consonância com o raciocínio explicado para o paracetamol está o uso de drogas inibidoras da recaptação da serotonina, que ativam as vias descendentes serotoninérgicas que recrutam, em parte, interneurônios contendo peptídeo opioide no corno dorsal13Basbaum AI, Fields HL. Endogenous pain control systems: brainstem spinal pathways and endorphin circuitry. Annu Rev Neurosci 1984;7:309-38 [Crossref], [PubMed], [Web of Science ®], [Google Scholar]. Inibidores da recaptação de serotonina relativamente seletivos, como fluoxetina e clomipramina, e o precursor da serotonina, o triptofano, previnem a hiperalgesia induzida por estresse em animais14Quintero L, Montero M, Avila C, Long-lasting delayed hyperalgesia after subchronic swimm stress. Pharmacol Biochem Behav 2000;67:449-58 [Google Scholar]. Os medicamentos SNRI ativam as vias descendentes noradrenérgicas juntamente com as vias serotonérgicas15Millan MJ. Descending control of pain. Prog Neurobiol 2002;66:355-474 [Crossref], [PubMed], [Web of Science ®], [Google Scholar]. Este controle duplo da medula espinhal por sistemas de monoamina no cérebro, em que a serotonina parece aumentar o processamento espinhal e a norepinefrina atua para inibir a atividade, pode ser uma maneira pela qual o cérebro pode alterar o processamento da dor e pode ser a via pela qual o sono, a ansiedade, enfrentamento e catastrofização podem afetar o nível de dor percebido. Nesse contexto, o uso de antidepressivos para o controle da dor relaciona-se à atividade desses sistemas. Os agentes que bloqueiam a recaptação de um ou de ambos esses neurotransmissores, como os antidepressivos tricíclicos (TCAs), SSRIs e SNRIs, fornecem benefícios no tratamento da dor. Os antidepressivos são usados para aumentar a neurotransmissão mediada pela serotonina ou norepinefrina, ou ambas. Estudos em humanos também mostraram que a inibição de ambas as monoaminas é mais eficaz do que inibir apenas a serotonina sozinha16Dworkin RH, O’Connor AB, Backonja M, Pharmacologic management of neuropathic pain: evidence-based recommendations. Pain 2007;132:237-51 [Crossref], [PubMed], [Web of Science ®], [Google Scholar] e, a este respeito, a capacidade da norepinefrina de inibir a dor por meio da ativação do adrenoceptor alfa-2, enquanto a serotonina pode aumentar a dor, é um base para a necessidade de níveis aumentados de norepinefrina como um determinante da eficácia dos medicamentos antidepressivos na dor17Dworkin RH, O’Connor AB, Backonja M, Pharmacologic management of neuropathic pain: evidence-based recommendations. Pain 2007;132:237-51 [Crossref], [PubMed], [Web of Science ®], [Google Scholar]. Analgésicos de ação central, como a duloxetina (um SNRI), provaram sua eficácia em uma variedade de condições de dor crônica humana caracterizadas por sensibilização central (por exemplo, fibromialgia18Arnold LM, Lu Y, Crofford LJ, A double-blind, multicenter trial comparing duloxetine with placebo in the treatment of fibromyalgia patients with or without major depressive disorder. Athritis Rheum 2004;50:2974-84 [Crossref], [PubMed], [Web of Science ®], [Google Scholar] e osteoartrite19Chappell AS, Ossanna MJ, Liu-Seifert H, Duloxetine, a centrally acting analgesic, in the treatment of patients with osteoarthritis knee pain: a 13-week, randomized, placebo-controlled trial. Pain 2009;146:253-60 [Crossref], [PubMed], [Web of Science ®], [Google Scholar]). Ainda não está claro se esses efeitos clínicos podem ser reforçados pelo uso de algumas das outras estratégias de tratamento discutidas aqui, que têm o potencial de ‘tratar’ a sensibilização central em pessoas com dor crônica. O mecanismo de ação analgésica dos ADTs provavelmente está relacionado à inibição da dupla recaptação neuro-hormonal, com maior impacto da norepinefrina. Existem também algumas evidências de que os TCAs potencializam o sistema opioide endógeno20Goldenberg DL. Pharmacological treatment of fibromyalgia and other chronic musculoskeletal pain. Best Pract Res Clin Rheumatol 2007;21:499-511 [Google Scholar].
Próximas partes publicadas:
- Parte 3 continua abrangendo as opções farmacológicas (ex.: opioides, ligantes, tramadol).
- A Parte 4 e a Parte 5 concentra opções de reabilitação não-farmacológicas potencialmente visando a sensibilização central (ex.: estimulação magnética transcraniana).
- A Parte 6 descreve combinações terapêuticas envolvendo medicação.
- A Conclusão encerra a série.
Tradução livre de trechos do artigo “Treatment of central sensitization in patients with ‘unexplained’ chronic pain: what options do we have?”, de autoria de Jo Nijs e outros.