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Por que seu tratamento para a dor crônica está falhando? O (sub)sistema de saúde.

Por que seu tratamento para a dor crônica está falhando? O sistema de saúde.

Na semana passada iniciei uma série de três posts sobre a baixa taxa de adesão ao tratamento, dos pacientes com dor crônica. Este é o segundo post da série,  sobre as deficiências do Sistema de Saúde relacionadas com esse grave problema.

Destaques

  • A medicina da dor ainda é uma commodity escassa
  • Despreparo do Sistema Médico
  • Comunicação oficial sobre saúde ineficiente
  • Diagnóstico errado

A medicina da dor ainda é uma commodity escassa

O paciente com dor crônica é especial. Mais do que outros, ele ou ela precisa ser ouvido e acreditado, na sua dor, e no impacto da dor na sua vida. Dificilmente, porém, irá encontrar ouvidos atentos em qualquer médico. Poucos são os médicos que estudaram manejo da dor crônica na faculdade ou depois se especializaram em medicina da dor. E menos ainda os que se mantém a par da sua evolução. Por fim, a medicina clínica está estruturada para lidar com doenças concretas, através de um raciocínio mecanicista, e não para tratar de manifestações inespecíficas e ainda por cima lastradas no que os pacientes guardam nas suas mentes. Idealmente, a dor crônica deve ser diagnosticada por um profissional de saúde qualificado na área e experiente no trato humano. Uma espécie, aliás, nada comum.

Um profissional especializado em medicina da dor supostamente tem mais disposição técnica e anímica para ouvir, educar, diagnosticar e tratar um paciente portador de dor crônica primária ou secundária. Para a maioria dos médicos prestadores de cuidados primários, os pacientes com dor crônica consomem muito tempo, são ansiosos, problemáticos, sua função é ruim e apresentam quadros clínicos por demais complexos, que podem se estender sem solução por tempo indefinido.

Um exemplo, talvez extremo, é o da fibromialgia. Como na prática diagnosticá-la requer um diagnóstico diferencial e/ou o uso de critérios clínicos que os médicos não usam ou desconhecem, muitos deles preferem questionar a legitimidade da fibromialgia enquanto doença e evitam se aprofundar no atendimento de seus portadores.1

Pelo menos 40% dos pacientes tratados na atenção básica falham em obter alívio adequado da dor crônica primária.2 Duas razões: muitos pacientes procuram um especialista em manejo da dor tarde demais após o desenvolvimento dos sintomas, e os médicos na atenção primária não estão treinados para tratar dessa dor, especificamente.

Despreparo do Sistema Médico

Os profissionais da saúde em geral, os planos de saúde, e os serviços públicos prestados à saúde (ex.: Ministério da Saúde, SUS) não estão preparados, técnica e animicamente, para acolher com eficácia os pacientes com dor crônica. Esses agentes existem para atender “clientes” e ocorre que os pacientes com dor crônica não fazem o gênero do “bom cliente” – eles são “problemáticos” e custam caro durante muito tempo. Bad business, diria Al Capone. Fora isso, a velocidade com que o conhecimento científico sobre a dor crônica tem evoluído nos últimos 50 anos simplesmente “deixou para trás” a maioria dos profissionais da saúde. Poucos, alguns médicos reumatologistas, estão familiarizados com o diagnóstico e tratamento de dores crônicas, no geral e no específico.

A denúncia é delicada, certamente. Mas aqui vão algumas provas. Primeira: os profissionais da saúde em geral ainda abordam clinicamente a dor crônica como se dor aguda ela fosse. Segunda: o sistema médico ainda não reconhece a dor crônica primária como sendo uma doença crônica em si mesma, conforme oficializado pela Organização Mundial da Saúde; ela é vista apenas como um sintoma de outras doenças crônicas. Terceira: as características distintivamente nociplásticas da maioria das dores crônicas, primárias e secundárias, em geral são ignoradas nas consultas de atenção médica básica, pública e privada. Quarta: à diferença de países mais ricos, como os EUA e o Reino Unido, as autoridades responsáveis pela saúde pública no Brasil não possuem ou não divulgam eficientemente políticas de ação mirando especificamente a dor crônica.345 Quinta: a sociedade brasileira não abriga grupos de apoio atuantes, onde os pacientes com dor crônica possam encontrar conforto psicossocial.

Em suma, no Brasil o portador de dor crônica, primária ou secundária, carece de uma rede de segurança.

O descaso do sistema médico com os pacientes com dor crônica não é privilégio do Brasil. Na Austrália, não é incomum que as pessoas tenham que dirigir por cinco ou seis horas para chegar a uma clínica de dor. No Reino Unido, onde 85% dos cuidados de saúde são fornecidos gratuitamente no ponto de entrega, as pessoas que usam o Serviço Nacional de Saúde geralmente enfrentam uma lista de espera de um ano antes de iniciar um programa de controle da dor e as com fibromialgia relatam dificuldade de acesso aos serviços, apoio limitado dos profissionais de saúde para gerenciar sua condição e difíceis relações paciente-profissional.6

O Canadian STOP-PAIN Research Group relatou em 2010 que os pacientes que esperavam para acessar as clínicas de dor gastavam uma média de mais de $17.500 por ano, a grande maioria dos quais foi para despesas indiretas, como perda de tempo de trabalho e pagamento do próprio bolso por tratamentos de saúde privados, como fisioterapia ou massagem.7

Muitas das questões que envolvem o acesso a tratamentos podem ser atribuídas a atitudes individuais e sociais que não priorizam a dor crônica e as condições crônicas. Apesar de uma grande quantidade de evidências para os fundamentos neurológicos da fibromialgia, por exemplo, um estudo no ano passado revelou que alguns médicos do Reino Unido afirmaram em uma pesquisa que não acham que seja uma condição distinta ou real. Algumas das respostas dos médicos foram tão ofensivas para os pacientes que não foram publicadas, dizem os autores do estudo.8

Comunicação oficial ineficiente

O desastre ocorrido no Brasil por conta da Covid-19 (2020-2021) se deve em grande parte à absoluta ausência de campanhas de comunicação coletiva ensejadas pelo Governo Federal incentivando a população a se proteger da ameaça.

Com a dor crônica acontece exatamente o mesmo.

A única informação que um portador de dor crônica típico consegue extrair da internet é que existe um relatório intitulado “Adesão ao tratamento medicamentoso por pacientes portadores de doenças crônicas’, de autoria da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, do Departamento de Ciência e Tecnologia, do Ministério da Saúde (ufa!) …que não é destinado a ele. E se quiser ler, o paciente ficará sabendo que a tal adesão é “baixa” e que, Deus nos livre!, o relatório ”não faz recomendações…”.9 De fato, o texto é focado exclusivamente em farmacologia e serve, se é que serve, apenas para orientar médicos e técnicos. Nada que interesse diretamente ao paciente.

Outras informações sobre a dor crônica possíveis de serem descobertas por um pesquisador perseverante, além de raras, são igualmente inúteis. Apenas propostas e projetos, nada concreto.

Uma proposta de atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), incluindo a Dor Crônica, feita pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde – CONITEC, em 2022, permanece em fase de aprovação.10 (O que será que estão esperando?)  Fora isso, um Projeto de Lei (598/23) considera a fibromialgia como deficiência para todos os efeitos legais, e obriga o Sistema Único de Saúde (SUS) a fornecer gratuitamente medicamentos para tratar a doença. Mas é apenas um projeto. O texto tramita há anos na Câmara dos Deputados.11

Excesso de diagnósticos errados

Muitos relatórios de pesquisa documentam que 40% a 80% (ou mais, para certos distúrbios) dos pacientes com dor crônica são diagnosticados erroneamente. O autor do livro que leva esse título tirou a conclusão de pesquisas realizadas na Johns Hopkins University School of Medicine.12

A principal causa dessa falha é a anamnese inadequada e o uso de exames médicos errados. Exames comuns incluem raios-x, imagens como ressonância magnética ou tomografia computadorizada e trabalho de laboratório. Um dos erros mais típicos é usar um raio-x padrão. Por exemplo, a maioria dos pacientes que sofrem de dor no pescoço ou nas costas reclamam de dor quando se inclinam para trás ou para a frente. Uma radiografia vertical é inútil nesta circunstância porque ela mostra apenas estruturas ósseas e não lesões relacionadas a nervos, lesões musculares ou lesões de tecidos moles.13

Outra parte do problema tem a ver com má interpretação dos resultados dos testes. Especialmente, a falha em reconhecer a especificidade e a sensibilidade, bem como as taxas de falsos negativos e falsos positivo. Um estudo mostrou que a ressonância magnética, um teste anatômico, falhou na detecção de um disco vertebral danificado em até 78% das vezes.14

Atualmente, a concentração de diagnósticos errados afeta singularmente a fibromialgia.

Num estudo recente, das 497 pessoas que completaram os questionários, 121 (24,3%) tinham fibromialgia, com base nos critérios do ACR. Mas apenas 104 (20,9%) foram realmente diagnosticados com a doença por um médico. Ao todo, os médicos falharam em diagnosticar corretamente 60 (49,6%) daqueles que preencheram os critérios do ACR para fibromialgia.15

Foram pesquisados 3.276 pacientes de cuidados primários para determinar o estado atual da fibromialgia por critérios. Apenas um terço dos diagnosticados com fibromialgia pelos médicos, satisfaziam os critérios de fibromialgia. Inversamente, apenas um terço dos pacientes que de fato atendiam esses critérios tinham diagnóstico clínico de fibromialgia.16

Na próxima semana, o terceiro post da série será sobre a escassa compreensão, por parte dos pacientes, do que é a Dor Crônica, e como isso os faz abandonar o tratamento médico prescrito.

Veja também o primeiro post publicado recentemente.

Por que seu tratamento para a dor crônica está falhando?
(Des)conhecimento da dor crônica
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