A postagem a seguir inclui trechos de uma entrevista realizada com Sharon Begley, colunista de ciência do The Wall Street Journal e autora do livro “Train Your Mind, Change Your Brain: How a New Science Reveals Our Extraordinary Potential to Transform Ourselves”, há mais de 15 anos. Ou seja, quando a neurociência da dor parecia coisa de alquimistas doidos. O foco da entrevista foi a neuroplasticidade do cérebro e a terapia cognitivo-comportamental, ambos temas atualmente da maior importância para os pacientes com dor crônica e seus médicos.
Entendendo de neuroplasticidade é possível admitir que o alívio da dor crônica pode ser alcançado com ajuda da própria mente. Entender de terapia cognitivo-comportamental ajuda a imaginar como realizar isso.
A entrevista original pode ser vista aqui.
“As revoluções científicas acontecem quando o velho cientista morre.”
Ira Flatow, jornalista especializado em ciência, entrevista Sharon Begley, colunista de ciência do The Wall Street Journal e autora do livro “Train Your Mind, Change Your Brain : How a New Science Reveals Our Extraordinary Potential to Transform Ourselves“.
IRA FLATOW:
Durante anos a sabedoria convencional em neurociência era que o cérebro com o qual você nasceu era o cérebro que você carregaria com você pelo resto de sua vida. Essencialmente está escrito lá quando você nasceu. E uma vez que você matasse as células cerebrais – talvez por um derrame, por exemplo – era isso, você não voltaria à vida. Caberia a estrutura e a função do seu cérebro afetar como você pensa e sente, e não o contrário.
Bem, tudo isso está começando a mudar. Nas últimas décadas, os cientistas mostraram que você realmente pode regenerar as células cerebrais e pode mudar a estrutura e a função do seu cérebro pela maneira como pensa.
Vamos falar sobre neuroplasticidade. O que isso significa?
SHARON BEGLEY:
Significa apenas o que as duas partes da palavra sugeririam. Neuro é, claro, o cérebro, e plasticidade significa maleabilidade, uma capacidade de mudar. O cérebro muda em resposta às experiências que você tem, a vida que você leva, os pensamentos que você pensa.
IRA FLATOW:
Então, o que há de novo sobre a neuroplasticidade?
SHARON BEGLEY:
Talvez a melhor maneira seja dar um exemplo. Novamente, do mundo musical, quando você toca piano ou quando aprende violino e quando se torna muito hábil nisso, regiões em seu cérebro que controlam os dedos do dedilhado no caso de tocar violino, que controlam sua mão direita se você está tocando, você sabe, um exercício de teclado para destros, aquela região do córtex motor fica maior.
Um experimento em Harvard, alguns anos atrás, trouxe um grupo de voluntários e fez com que aprendessem obedientemente este exercício de teclado, e eles fizeram isso antes e depois da medição da região do córtex motor que controla os dedos. E novamente, como seria de esperar, essa região ficou maior.
Mas, para o outro grupo, eles pediram aos voluntários que apenas olhassem para a música e se imaginassem tocando o mesmo exercício de teclado com cinco dedos. E eles fizeram isso por uma ou duas horas por dia, ao longo de uma semana – cinco dias. Então, eles mediram a região do córtex motor na segunda-feira, e depois imaginaram tocar piano por mais cinco dias, e mediram a região do córtex motor na sexta-feira. E eles constataram a mesma expansão daquela região que aconteceu com as pessoas que realmente tocavam piano.
IRA FLATOW:
E quanto ao estresse e coisas emocionais que podem mudar seu humor e cérebro. Ele realmente conecta essas coisas?
SHARON BEGLEY:
Bem, as conexões entre uma região e outra se tornam mais fortes ou diferentes. E as conexões mais interessantes estão entre a parte pensante do cérebro e a parte sensível do cérebro. Porque se queres controlar as tuas emoções, seja na vida normal e com saúde mental ou certamente em casos de doenças mentais como PTSD, Síndrome de Estresse Pós-Traumático… aí você quer uma conexão mais forte entre os lobos frontais que pensam e as regiões límbicas onde nossas emoções são geradas.
Houve apenas um estudo, em que as pessoas com PTSD receberam essa terapia de exposição, o que basicamente significa o que quer que tenha desencadeado a revivescência daquela experiência traumática – seja um ruído agudo ou uma visão de algo – eles foram mostrados ou expostos para esse gatilho em um ambiente seguro e confortável, para que eles não tenham, você sabe, um verdadeiro reviver da experiência, repetidamente. E o resultado foi a região do cérebro que estava hiperativa… e o PTSD, ou seja, a amígdala que é de onde vem o medo, ela se acalmou.
E a explicação parece ser que as regiões pensantes do cérebro – elas enviam conexões inibitórias para a amígdala, acalmando-as – se tornaram mais fortes.
IRA FLATOW:
Sim. Você menciona no livro casos de pessoas com depressão que se curaram graças à terapia cognitiva.
SHARON BEGLEY:
Isso é porque passaram a pensar sobre a dor de uma maneira diferente. No caso da depressão, a terapia cognitivo-comportamental ensina basicamente a não catastrofizar. Então, as pessoas que sofrem de depressão tendem a catastrofizar diante do que para outras pessoas seriam um pequeno contratempo – um péssimo encontro, o telhado vazando, algo ruim acontece no trabalho – e isso basta para gerar uma avalanche de pensamentos negativos do tipo “Ninguém nunca vai me amar”; “Nada nunca vai dar certo”.
Com a terapia cognitivo-comportamental, elas aprendem a ver esses pensamentos como aberrações do cérebro ou apenas factualmente incorretos.
Obviamente, não é tão simples. É preciso treinamento e esforço e todas essas coisas. De qualquer forma, o efeito foi que as pessoas foram capazes de diminuir a atividade na parte frontal do cérebro, logo atrás da testa, de onde vêm as ruminações. Novamente, é a parte pensante do cérebro. E se você pensar demais, se você está sempre obcecado por ninguém nunca amar você ou o que seja… você quer diminuir essa tendência.
IRA FLATOW:
Realmente os tirou da depressão assim como as drogas o fizeram?
SHARON BEGLEY:
Preveniu a recaída melhor do que as drogas, porque infelizmente com os inibidores de recaptação de serotonina – o Zoloft, Paxils e Prozacs do mundo – você quase sempre tem que ficar com eles, bem, para sempre. E se você parar de tomá-los, há um risco muito alto de recaída. Mas se você aprender a pensar de forma diferente, isso parece ter um efeito duradouro no cérebro porque você realmente retreinou ele, e a taxa de recaída é reduzida em dois terços.
IRA FLATOW:
Essa terapia funciona sempre? Pode substituir medicamentos, drogas e coisas assim?
SHARON BEGLEY:
Se você perguntar se você pode pensar em sair da esquizofrenia ou pensar em sair do autismo, eu diria que não. Existem algumas doenças cerebrais que são muito extremas. Certamente eu colocaria a doença de Alzheimer lá também. Você não vai pensar em algo tão extremo. Para outros, talvez seja necessária medicação para levá-los a um ponto em que você possa se beneficiar da terapia cognitivo-comportamental. Mas, em outros casos, as pessoas podem fazer terapia cognitivo-comportamental sem medicação prévia.
IRA FLATOW:
Você está falando em seu livro que em todas as fases de nossas vidas somos capazes de crescer e florescer, como você diz, novos neurônios.
SHARON BEGLEY:
Mais um dogma que está agora na lata de lixo da história. Foi descoberto, quase 10 anos atrás, que bem na idade adulta – e estamos falando de seus 50, 60 e 70 anos – os neurônios continuam a nascer. É um processo chamado neurogênese.
E eles parecem se insinuar, se entrelaçar em algum circuito existente, provavelmente tendo que ver com a memória. E esse pode ser um mecanismo pelo qual nossas memórias – ou em algumas pessoas, algumas memórias – permanecem pelo menos meio robustas à medida que envelhecemos.
IRA FLATOW:
O que você encontrou – você passou anos olhando para isso. Qual é a parte mais fantástica de tudo isso?
SHARON BEGLEY:
Eu tenho que dizer que todas as mudanças celulares no cérebro jogaram completamente pela janela as imagens que todos nós vimos nas quais o cérebro é retratado como uma espécie de bairro urbano com espaços designados como: é aqui que você vê, é aqui que você toca, é aqui que você ouve, é aqui que você analisa metáforas.
Chegou-se a um nível louco de especificidade.
IRA FLATOW:
Essa nova ciência chamada neuroplasticidade chamou a atenção do Dalai Lama. Usar sua mente para mudar seu cérebro se encaixa perfeitamente com os ensinamentos do budismo, e alguns anos atrás, o Dalai Lama chamou alguns dos melhores neurocientistas do mundo para vir e dar a ele uma espécie de aula particular sobre o cérebro. Eles tiveram que ser convencidos a falar com o Dalai Lama?
SHARON BEGLEY:
Na verdade, não. Este é um convite que aparentemente você não recusa. Essa foi uma reunião realizada em Dharamsala – que é a casa do Dalai Lama no exílio. E ele, como você disse, há muito se interessa pela ciência e particularmente pela neurociência porque ressoa com os ensinamentos budistas.
E ele convidou meia dúzia de cientistas para falar sobre suas pesquisas e também vários estudiosos budistas, monges e acadêmicos que tentaram contribuir com algo do budismo.
Em outras palavras, porque o budismo tem como um de seus componentes o poder do treinamento mental, isso pode ser útil para os cientistas.
IRA FLATOW:
Você mencionou algo sobre a relação entre o budismo e a neuroplasticidade e o fato de dizer que o treinamento da atenção é tão importante no budismo e também é reconhecido como muito importante pelos cientistas. Fale um pouco sobre isso.
SHARON BEGLEY:
Falamos sobre os inputs que mudaram regiões do cérebro, como por exemplo, uma região maior do córtex motor que controla seus dedos quando você toca um instrumento musical. Porém, nenhuma dessas mudanças terá efeito a menos que você preste atenção ao input. Se você não está prestando atenção a esse input, você pode sentir toques em seus dedos ou sons entrando em seus ouvidos, e isso não levará aos efeitos esculturais no córtex motor ou no córtex auditivo. Portanto, a atenção não é algo incorpóreo. Tem uma realidade física. E claramente tem que estar presente para que essas mudanças cerebrais ocorram.
IRA FLATOW:
Você escreve sobre as reuniões entre estes cientistas apresentando ao Dalai Lama, e ele os ouvindo. Houve algum inverso – os cientistas aprenderam alguma coisa que possam usar em seu próprio trabalho, com os ensinamentos budistas?
SHARON BEGLEY:
Os cientistas mais se beneficiaram e estão se beneficiando dos monges e outros budistas que estão emprestando seus cérebros a eles. Em um laboratório da Universidade de Wisconsin, em Madison, há uma espécie de fluxo constante de estudiosos e praticantes budistas visitantes que fazem meditação sentados em um tubo FMRI ou com eletrodos sobre suas cabeças. E sua atividade cerebral está sendo medida.
E o que está sendo descoberto é que essas mudanças duram, quero dizer, eu chamo de mudança em uma característica cerebral em oposição a um estado cerebral. O estado é o que acontece durante a meditação, mas a característica é mais duradoura. Portanto, isso também sugere que, com a prática da meditação – uma forma de treinamento mental – você pode realmente mudar alguma atividade cerebral.
IRA FLATOW:
Qual é a opinião do Dalai Lama sobre a ciência? O budismo e a ciência não estão realmente em desacordo, como a religião e a ciência costumam estar neste país, não é?
SHARON BEGLEY:
Porque o budismo não é uma religião típica. Quero dizer, é mais uma filosofia. Não tem um Deus criador. Não se trata de absolutos. É experimental da mesma forma que a ciência é experimental. Você nunca acredita que alcançou o conhecimento absoluto. E o Dalai Lama diz repetidamente que, se a ciência refuta algo que o budismo sustenta há muito tempo, então tudo bem. O budismo tem que aceitar. Então ele é bastante aberto, o que significa que ele está encantado em emprestar seus monges aos cientistas mesmo, se a ciência refutar algo sobre o poder do treinamento mental ou qualquer outra coisa. Ele quer saber sobre isso.
FLATOW:
Deixe-nos ir até Kaye em Phoenix. Olá, Kaye.
KAYE:
Tenho uma clínica em Phoenix, uma clínica de fisioterapia especializada em reabilitação de AVC. Baseamos toda a nossa filosofia de tratamento nessa filosofia da neuroplasticidade. Eu realmente aprecio o seu comentário. O que eu queria saber é, estamos obtendo sucesso com as pessoas. E não importa quantos anos já passaram do derrame; ainda estamos obtendo um sucesso muito bom. Demora muito, apenas muitas repetições e muito tempo. Você tem algum comentário ou pesquisa sobre quanta repetição e quanto tempo leva?
SHARON BEGLEY:
Edward Taub, que desenvolveu isso, ele chama isso de terapia de movimento induzido por restrição, mas há outras variações, ele faria os pacientes trabalharem um dia inteiro – sete ou oito horas todos os dias, cinco dias por semana para – não me prenda a isso, acredito que foram pelo menos dois meses. Portanto, é um trabalho de tempo integral.
Não é como, você sabe, terapia cognitivo-comportamental onde você aparece uma hora por semana. É extremamente intensivo. É extremamente trabalhoso para a equipe médica treinada em uma clínica ou em um hospital. Então, exatamente pelo motivo que você está dizendo, não se espalhou porque não temos neste país o, você sabe, o sistema de reembolso e de fato a equipe médica que pode se dedicar a esse tipo de terapia intensiva em lugares suficientes.
Dito isto, Taub está tentando desenvolver uma versão doméstica disso, onde você pode, por meio de alguma configuração com o computador e apenas com seus próprios esforços, possivelmente fazer isso remotamente, o que provavelmente – bem, quase certamente – reduziria o custo e o ideal é disponibilizá-lo para mais pessoas, incluindo aquelas que não podem chegar a clínicas como a sua.
IRA FLATOW:
Bem, eu quero agradecer por ter tempo para estar conosco hoje. E tenho certeza que você vai acompanhar isso, certo?
SHARON BEGLEY:
Há muito sobre o que escrever.