A conexão social é tão essencial para a humanidade quanto comida, água ou abrigo. Os humanos historicamente precisam confiar uns nos outros para sobreviver, e as pessoas modernas têm a chance de se conectar entre si sem sequer sair do lugar. Isso está gerando um tecido social mais denso? O número de solitários diminuiu? Certamente, não. O volume de contatos sociais que uma pessoa pode fazer neste século é infinitamente maior ao do seu avô, mas a qualidade desses contatos parece não ser melhor. Há menos interessados em tê-los e mantê-los. E esse desinteresse tem dado origem a um novo grupo de risco, formado pelos que eu chamo de super-solitários. A presente postagem comenta, entre outras coisas, os resultados de uma meta-análise de quase uma centena de estudos, publicada recentemente na prestigiosa revista científica NATURE.
OS SUPER-SOLITÁRIOS E O RISCO DE MORTE
“A solidão age como fome ou sede, um sinal que nosso corpo nos envia quando precisamos de algo para sobreviver. É quando persiste que se torna prejudicial.”
A Dra. Julianne Holt-Lunstad, especializou-se em pesquisar a solidão, especialmente em idosos. Graças a seu trabalho, hoje é possível distinguir entre sentir-se sozinho versus estar sozinho. Uma distinção óbvia, porém, decisiva em termos de tratamento. Uma coisa é ficar isolado num apartamento de 50 m2, e outra, viver com filhos e netos numa mansão e nas refeições ser excluído das conversas familiares.
O isolamento social ocorre quando alguém tem uma falta objetiva de contato com outras pessoas (ex.: morar sozinho e, hoje em dia, pertencer a uma rede social de meia dúzia de pessoas sem nenhuma delas ser influencer sequer de meia tigela). A solidão, por outro lado, refere-se ao sofrimento subjetivo que as pessoas sentem se houver uma discrepância entre a qualidade das relações sociais que realmente têm e o que desejam. (Diferente da dor do luto, quando a relação social não mais existe.) Alguém nessa situação pode sentir que seus relacionamentos são insatisfatórios se não satisfizem suas necessidades de conexão ou intimidade, disse Anthony Ong, professor de psicologia e diretor do Centro de Laboratórios de Ciência do Desenvolvimento Integrativo e Saúde Humana da Cornell University, no estado de Nova York. (A minha Alma Mater, por sinal.)
Obviamente, quando as duas situações – sentir-se e estar – são concomitantes, as consequências são perigosas. Os que combinam ambas – os super-solitários – têm significativas maiores chances de morte prematura, de acordo com uma meta-análise de 90 estudos sobre as ligações entre solidão, isolamento social e morte precoce entre mais de 2 milhões de adultos. Os participantes do estudo foram acompanhados por seis meses a 25 anos. As pessoas que experimentaram isolamento social tiveram um risco 32% maior de morrer precocemente por qualquer causa em comparação com aquelas que não foram socialmente isoladas. Os participantes que relataram apenas sentir-se solitários tiveram 14% mais chances de morrer cedo do que aqueles que não o fizeram.
Os autores do estudo também analisaram as ligações entre solidão, isolamento social e morte entre pessoas com doenças cardiovasculares ou câncer de mama ou colorretal. Em todos estes casos, os solitários tiveram um risco maior de morrer da doença do que aquelas que não estavam socialmente isolados. A causa pode estar relacionada ao estilo de vida das pessoas, com hábitos pouco saudáveis, como fumar, usar álcool, dieta pobre (ou) pouco exercício. Fora isso, ou também por causa disso, pessoas solitárias, mas não socialmente isoladas, têm estresse mental, um conhecido precursor ou acompanhante de doenças e dores crônicas.
“Precisamos levar os dois – solidão e isolamento social – a sério. Os dados auguram maior longevidade se você estiver bem conectado, mas também devemos nos preocupar com os que estão cercados por outros e ainda se sentem sozinhos.”
Participar em redes sociais pode ajudar os super-solitários? Pode ser, mesmo que essas redes não sejam exatamente o que alguém deseja que sejam, disse o primeiro autor do estudo, Fan Wang, um professor de epidemiologia na Harbin Medical University, na China. Eu discordo. A probabilidade de você atualmente ingressar numa rede social que não cause apreensão, esteja livre de chats odiosos, ou não exclua você de uma forma ou outra é maior a cada dia que passa.
De todo modo, é inegável que ter amigos e fortes conexões sociais o ajudará a viver mais e melhor, mesmo portando doenças sérias. Em um estudo de 2013 com mais de 3.000 pacientes com câncer de mama, os pesquisadores descobriram que as mulheres socialmente isoladas apresentavam sintomas de câncer de mama mais altos e relataram uma menor sensação de bem-estar.
Contudo, não está fácil. Fazer amigos e etc., quero dizer. (Basta com saber do que ocorre todo dia no Oriente Médio, no Sudão ou Ucrânia ou, pior ainda, assistir uma sessão de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, qualquer uma, para você preferir sair a passear com seu cachorro.) Tanto assim que esforços por evitar o isolamento social pipocam em todo mundo, cada um mais patético que o outro. “Em Hong Kong, Tóquio e Finlândia, você pode evitar jantar sozinho em cafés, tendo como companhia animais de pelúcia. Um empresário de Wisconsin tentou abrir uma “casa aconchegante”, onde os clientes pudessem se aconchegar com um parceiro (mediante o pagamento de uma taxa). Houve até uma “convenção de carinho” em Portland, Oregon (USA), este ano.”2[Internet] Edition.cnn.com. Acesse o link. (Quando jovem, eu trabalhei numa fundição justamente em Portland, Oregon. Chove todo dia por lá. Explica-se isso da convenção.)
Isolamento social: uma epidemia
Em países com dados estatísticos confiáveis, o isolamento social já está sendo considerado um problema de saúde pública dos mais sérios. Antes da pandemia, uma em cada quatro pessoas com mais de 65 anos experimentava isolamento social, colocando-as em maior risco de solidão, de acordo com os Centros de Controle de Doenças dos EUA. Esses sentimentos de solidão foram exacerbados pela pandemia do COVID-19.
“Os americanos estão passando cada vez mais tempo isolados e, no entanto, não vemos isso como um perigo – principalmente se for por escolha. As pessoas assumem que está tudo bem e pode até ser bom para nós ficarmos isolados se não nos sentirmos sozinhos”, disse Holt-Lunstad, que foi convidada a colaborar com a máxima autoridade médica do país na confecção de um relatório com diretrizes corretivas.
“Dadas as profundas consequências da solidão e do isolamento, temos uma oportunidade e uma obrigação de fazer os mesmos investimentos para lidar com a conexão social que fizemos ao lidar com o uso do tabaco, a obesidade e a crise do vício”, disse o Dr. Vivek Murthy, o atual General Surgeon do país, no relatório.3[Internet] Edition.cnn.com. Acesse o link. Nele, detalharam-se sete “pilares” de uma mudança pro-relacionamento social em nível nacional. O sétimo e último preconizava “uma cultura de conexão na qual os americanos cultivem valores de bondade, respeito, serviço e compromisso uns com os outros”.
Tomara. Houve mais de 200 tiroteios em massa nos EUA até agora este ano, de acordo com o Gun Violence Archive, que define um tiroteio em massa como um incidente no qual quatro ou mais pessoas são feridas ou mortas. Seus números incluem tiroteios que acontecem em residências e em locais públicos.4[Internet] Bbc.com. Acesse o link.
Quantos desses tiroteios contaram com a participação de super-solitários? Daqui há pouco haverá estatísticas sobre isso.