Suponha que você consulta seu médico de estimação e aí pelas tantas descobre que ele quer colocar você para fazer exercício e você só quer é se livrar da dor. Como você se sente diante desse “impasse clínico”? E como o seu médico ou médica se sente? Será que a dissonância entre vocês prejudica o seu tratamento da dor? Ou conviria a você encarar a situação de frente, mesmo isso parecendo ser “politicamente incorreto”? Ou seria esperado que o médico o fizesse, mesmo arriscando perder você como paciente/cliente? Essas questões são trazidas à tona pelo artigo a seguir, relatando uma pesquisa envolvendo 84 consultas médicas.
Como a maioria dos visitantes do blog não tem tempo a perder, eu me permiti resumi-lo. Quem quiser acessar o artigo completo, “Objetivos do tratamento da dor crônica: os pacientes e os médicos da atenção primária concordam e isso importa?”, clique aqui.
Se você for portador(a) de uma dor crônica, provavelmente já tem um médico ou médica “de estimação”. Ou um outro profissional da saúde (fisioterapeuta, fisiatra, psicólogo, massoterapeuta etc.) a quem você pede ajuda quando a dor aperta, ou quando ela reaparece após ter sumido por um tempo. E se a sua dor for mesmo crônica, ao longo dos meses ou anos da doença, esse contato deve ter passado de estritamente clínico para algo parecido com “humano”. Afinal, é algo incomum marcar consulta com alguém, e ainda mais pagar por ela, sem se sentir minimamente confortável, certo?
Mas há problemas com isso, dizem alguns. No caso, os pesquisadores investigaram a relação médico-paciente, dos pontos de vista de ambos, com relação a 1) os objetivos do manejo da dor de cada qual (até que ponto eles coincidiam ou não), e 2) a sensação que o anterior – a coincidência ou a falta dela – causava a um e outro (conforto ou desconforto). Alguns dos resultados foram surpreendentes.
O objetivo da pesquisa foi avaliar a concordância entre o paciente e o médico a respeito das metas de tratamento da dor musculoesquelética crônica e sua associação com a qualidade das experiências de ambos durante o contato clínico.
Foram enviados questionários pré e pós-visita para 87 consultas de atenção primária envolvendo pacientes que tomavam opioides para dor musculoesquelética crônica e para médicos residentes de atenção primária.
- A metade dos pacientes (48%) classificou a redução da intensidade da dor como sua principal prioridade, enquanto 22% classificaram encontrar um diagnóstico como o mais importante.
- Os médicos classificaram a melhoria da função como a principal prioridade para 41% dos pacientes e classificaram a redução dos efeitos colaterais dos medicamentos como os mais importantes para 26%.
A maior diferença entre as classificações do paciente e do médico foi em relação a redução da intensidade da dor. Ela interessava aos pacientes, não assim aos médicos.
Todas as discordâncias, contudo, em geral eram veladas e não incomodavam as partes.
DISCUSSÃO
Foram encontradas diferenças substanciais nas prioridades relativas dos pacientes e médicos quanto ao que esperar do gerenciamento da dor. A prioridade dos pacientes era reduzir a intensidade da dor, seguida pelo diagnóstico da causa da dor. Em contraste, a dos médicos era melhorar a função, seguida pela redução dos efeitos colaterais dos medicamentos. (Lembremos que no caso os pacientes eram tratados com opioides.)
Possíveis razões para a falta de acordo médico-paciente
- O foco dos médicos nas metas funcionais e nos efeitos colaterais da medicação (por exemplo, reduzir o uso de opioides) provavelmente reflete recomendações recentes (ex.: do conhecimento científico, dos planos médicos…) para priorizar as metas funcionais e minimizar os danos relacionados aos opioides.
- Alguns médicos evitam discutir o diagnóstico ou sintomas físicos quando percebem que eles têm capacidade limitada de reduzir a gravidade dos sintomas.
- Diferenças em como os pacientes e os médicos entendem a dor. Os pacientes, por exemplo, podem ver a redução da intensidade da dor como um antecedente necessário para melhorar a função.
Os pesquisadores se surpreenderam ao não constatar evidências de que as diferenças anteriores estivessem associadas à alguma dificuldade experimentada na consulta, seja pelo médico ou pelo paciente. Como o ideal seria uma relação colaborativa e orientada por objetivos comuns entre médico e paciente, esperava-se que a falta dela causasse algum incômodo, principalmente a este último.
Possíveis razões para a falta de acordo médico-paciente ser bem tolerada
- O alto grau de familiaridade entre médico e “paciente crônico”, decorrente de várias consultas ao longo de uma doença demorada e persistente. Oitenta e seis por cento dos pacientes consultavam seu médico regularmente. Assim sendo, a discordância sobre os objetivos teria menor importância no contexto de uma relação terapêutica estabelecida.
- Pacientes “crônicos” que têm uma boa relação com seus médicos podem aceitar recomendações ou planos de tratamento mesmo quando não concordam totalmente com eles.
- Outra possibilidade é um autoengano de mão dupla. Ou seja, que pacientes e médicos não tenham percebido que priorizavam objetivos diferentes, simplesmente porque estes nunca foram ventilados durante a consulta. Alguns pacientes podem presumir (equivocadamente) que as prioridades de tratamento convergem.