A relação entre excesso de peso e dor crônica é de duas mãos: a obesidade comórbida é comum em condições de dor crônica e as queixas de dor são comuns em indivíduos obesos. Disso se depreende que a perda de peso para pacientes obesos com dor é um fator-chave no controle e alívio da dor crônica, especialmente se musculoesquelética.
“Nem tudo o que é enfrentado pode ser mudado, mas nada pode ser mudado até que seja enfrentado.”
As causas dos problemas de saúde nem sempre são claras. As da dor crônica, muito menos. Porém, se há um fator ao qual algum peso da culpa é atribuído unanimemente, esse é a obesidade.
A obesidade está associada com doenças crônicas evitáveis, como diabetes, doenças cardíacas e hipertensão. Também há conexões entre obesidade e dor crônica. Muitos desses efeitos interagem negativamente entre si, criando uma espiral descendente de aumento do ganho de peso e intensificação da dor.
Há um consenso quase universal na comunidade médica de que atingir e manter um peso saudável melhorará os sintomas da dor crônica.
Como o peso e a dor crônica estão relacionados?
O National Institutes of Health define a obesidade como tendo um índice de massa corporal acima de 30. E de acordo com a Mayo Clinic, a obesidade é uma causa da síndrome metabólica, um grupo de condições associadas que incluem diabetes, doenças cardíacas, derrame e outras condições crônicas.
Estudos também mostraram que a obesidade e a dor estão interligadas e influenciam uma à outra.
O que acontece quando uma afeta a outra?
Faz sentido que, se você estiver carregando mais peso, suas costas e joelhos sofrerão mais tensão. Com o tempo, é provável que as batidas na parte inferior do corpo causem mais deterioração de estruturas-chave, como o revestimento das articulações dos joelhos ou a fáscia plantar dos pés. Além disso, como grande parte do excesso de peso é armazenado na barriga, há uma tensão desproporcional na parte inferior das costas.
Outro fator é que o tecido adiposo produz inflamação. O acúmulo de ácidos graxos nas células causa danos às mitocôndrias celulares. Isso, por sua vez, pode contribuir para uma inflamação crônica de baixo grau. Eventualmente, essa inflamação persistente danifica o tecido nervoso que pode exacerbar os sintomas de dor.
Também foi descoberto que o tecido adiposo produz citocinas, uma pequena proteína crítica em vários processos fisiológicos importantes. A pesquisa sugere que as citocinas podem interagir com os receptores nervosos e torná-los mais sensíveis às sensações de dor. Isso significa que a obesidade pode não apenas torná-lo mais sensível à dor, mas também diminuir sua capacidade de tolerar a dor.
Quais os tipos comuns de dor crônica associada à obesidade?
As dores crônicas mais comuns são:
- Enxaqueca
- Dor lombar
- Artrite
- Neuropatia diabética
- Fibromialgia
- Depressão
Enxaqueca
Os cientistas não entendem a relação exata entre peso e enxaqueca, mas estudos mostram que existem conexões ambientais, genéticas e de estilo de vida. De acordo com a American Migraine Foundation, a obesidade aumenta o risco de enxaqueca em 50%, e o risco é muito maior com um IMC acima de 40.
Uma revisão de meta-análise por Gelaye da Escola de Saúde Pública Harvard TH Chan, descobriu que a obesidade aumenta o risco de enxaqueca em 27%. Os cientistas acreditam que hormônios, certas proteínas conhecidas como citocinas e inflamação podem desempenhar um papel.
Como a perda de peso pode reduzir a enxaqueca
Uma revisão de 10 estudos anteriores, liderados por Di Vincenzo e colegas da Universidade de Pádua, na Itália, examinou o efeito da perda de peso em quatro elementos da dor de cabeça: duração, frequência, gravidade e deficiência. A pesquisa mostrou que a perda de peso melhorou todos os quatro desfechos, com a maior melhora na severidade da dor de cabeça.
A melhora não refletiu, entretanto, diretamente a quantidade de perda de peso ou o peso inicial. Em outras palavras, a perda de peso melhorou os sintomas de dor, independentemente da quantidade de perda ou de como a perda aconteceu.
Fibromialgia (FM)
Pessoas com IMC maior que 35 têm maior risco de desenvolver ou piorar condições existentes, como fibromialgia, que está ligada à artrite reumatoide, e outras síndromes de dor crônica.
As evidências disponíveis sugerem que a obesidade é comum na fibromialgia. Estudos relatam que 32% a 50% dos pacientes são obesos e outros 21 a 28% estão acima do peso. Pacientes com FM apresentam maior índice de massa corporal (IMC) em relação a indivíduos sem dor. Os resultados da recente pesquisa na Internet com 2.569 pacientes com FM também mostram que o IMC médio está na faixa dos obesos. Maior IMC parece estar relacionado a maior sensibilidade à dor, bem como pior qualidade de vida e capacidade física reduzida na FM.
Depressão
A dor crônica muda o cérebro, tornando-o mais sujeito à ansiedade e à depressão. Combinados com sintomas de dor, esses problemas de saúde mental podem esgotar a energia e a vontade de praticar exercícios, o que, por sua vez, pode levar ao ganho de peso e a sintomas de dor mais graves.
Artrite reumatoide (AR)
A AR é uma doença autoimune que causa inchaço e dor nas articulações. Genética, gênero (mulheres têm maior risco), estresse, meio ambiente e obesidade, todos desempenham um papel. A obesidade aumenta os riscos de desenvolver AR, altera o funcionamento de alguns medicamentos e afeta negativamente o curso da doença.
A dieta e a qualidade nutricional desempenham um papel fundamental na AR e na obesidade. Alimentos com baixo valor nutricional, como fast food, alimentos ricos em gorduras saturadas e trans, dietas ricas em carboidratos, podem aumentar o peso e causar respostas inflamatórias nas articulações. A dieta inadequada também causa cansaço, levando à inatividade e ao ganho de peso.
O excesso de peso pode ter um impacto significativo em como sentimos dor. O peso corporal extra aumenta as forças mecânicas na estrutura do corpo, incluindo as articulações dos joelhos e quadris, a coluna e os grupos musculares de suporte, o que pode causar desgaste adicional. Estudos sugerem que perder apenas meio quilo pode reduzir dois quilos de pressão sobre os joelhos e que, para pacientes com artrite , quanto mais peso perdem, melhor o alívio da dor e a função nas atividades diárias. Um estudo com 800 mulheres descobriu que perder em média cinco quilos pode reduzir pela metade as chances de desenvolver artrite nos joelhos. O peso extra, especialmente na área abdominal, parece aumentar os níveis de inflamação em partes suscetíveis do corpo, como articulações doloridas.1[Internet] ncbi.nlm.nih.gov. Acesse o link
E não se trata apenas de artrite – condições como fibromialgia, alguns distúrbios ósseos e musculares e até mesmo enxaquecas mostram reduções na dor e melhorias na qualidade de vida após a perda de peso.2[Internet] ncbi.nlm.nih.gov. Acesse o link
Remédios
Uma pesquisa publicada em 2019 Joint Bone Spine mostra que alguns medicamentos para Artrite Reumatoide, como os biológicos, não funcionam bem em pacientes com IMC mais alto. O fator de necrose tumoral (TNF), atua diminuindo o efeito de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-alfa, interleucina e interferons; ou seja, a obesidade pode mudar a forma como esses medicamentos funcionam.3Shan J, et al. Impact of Obesity on the Efficacy of Different Biologic Agents in Inflammatory Diseases: A Systematic Review and Meta-Analysis. Joint Bone Spine. 2019;86(2):173-183.
Nutrição
A dieta desempenha um papel importante em como você se sente e como controla seu peso. Estudos mostram que uma dieta anti-inflamatória rica em ácidos graxos ômega-3, como o óleo de peixe, é benéfica. Por exemplo, seguir a dieta mediterrânea, que inclui vegetais verdes, azeite, carnes magras e peixes, ajuda a reduzir a inflamação e até mesmo reverte os danos causados por dores crônicas como a artrite reumatoide.
Exercício
O exercício é essencial para o controle da obesidade. No entanto, o exercício por si só não é suficiente para perda de peso no longo prazo e melhora dos fatores de risco de doenças cardiovasculares (DCV). A dieta parece ser mais eficaz no tratamento da obesidade do que os exercícios. Por outro lado, o exercício melhora a aptidão cardiorrespiratória e a musculatura esquelética, o que leva à prevenção da obesidade sarcopênica em idosos. A terapia com exercícios deve ser realizada em conjunto com a terapia com dieta para melhorar a obesidade.
Existem vários benefícios comprovados para movimento, recreação ao ar livre e atividade física para aqueles que vivem com síndromes de dor crônica. Junto com uma alimentação saudável, os exercícios podem ajudar a reduzir a dor, aumentar a flexibilidade, o equilíbrio e a força. Estudos mostram que as atividades ao ar livre também aumentam o nível de Orexin A – esse neuropeptídeo ajuda a regular muitas funções cerebrais e corporais, como sono e apetite.4Perez-Leighton CE, et al. Role of orexin receptors in obesity: from cellular to behavioral evidence. Int J Obes (London). 2013;37(2):167-174.
A atividade física regular, como caminhada, atividades aquáticas, força e exercícios aeróbicos, como levantamento de peso leve, ioga ou Pilates, por pelo menos 30 minutos, 5 dias por semana, pode reduzir a inflamação e o estresse e melhorar a imunidade e a dor associada.
E tem mais essa: uma nova revisão das pesquisas sobre o tema mostrou que o aumento da atividade física e a melhora do condicionamento físico podem reduzir o risco de doenças e mortalidade relacionadas à obesidade, mesmo sem causar perda de peso.
Ou seja, se você não conseguir perder peso, o exercício pode protegê-lo em alguma medida dos malefícios à saúde que acompanham a obesidade.
Sono
De acordo com um estudo de Taheri, do Howard Hughes Medical Institute, da Universidade de Stanford, o sono ruim aumenta o IMC e altera os níveis dos hormônios grelina e leptina, que controlam o apetite.5Taheri S, et al. Short sleep duration is associated with reduced leptin, elevated ghrelin, and increased body mass index—a population-based study. PLoS Med. 2004;1(3):e62. A falta de sono de boa qualidade também pode levar à resistência à insulina, causando ganho de peso.
Inversamente, então, o sono adequado pode ajudar na perda de peso. Os passos a seguir para melhorar o sono são arquiconhecidos:
- manter um horário de sono regular
- manter o quarto fresco
- fazer exercícios e luz natural durante o dia
- evitar comer ou beber perto da hora de dormir
- evitar a luz azul de dispositivos inteligentes antes de dormir. O uso crescente de dispositivos inteligentes (telefones, tablets, etc.) pode afetar a qualidade e a quantidade do sono, as escolhas alimentares e a atividade física.
Melhorando a dor crônica por meio de escolhas de estilo de vida
Concentrar-se em melhorar sua qualidade de vida – como participar de atividades que você gosta todos os dias – pode levar à perda de peso como um benefício colateral.
Um estudo de revisão realizado por Robinson e colegas, da Universidade de Birmingham, Edgbaston, Reino Unido, descobriu que comer distraído pode levar a comer mais e ganhar peso.6Robinson, E., et al. Eating attentively: a systematic review and meta-analysis of the effect of food intake memory and awareness on eating. The American journal of clinical nutrition. 2013;97(4), 728-742. Uma alimentação consciente pode melhorar as metas de perda de peso, além de ajudar a manter um peso saudável por longo prazo.
A Conclusão
A obesidade e a dor são ligadas; uma afeta a outra de maneiras complexas. Melhorar os hábitos alimentares, aumentar a atividade física e controlar a saúde mental pode resultar na perda de peso, o que ajudará a melhorar a dor. Todas essas atividades também podem ajudar a reduzir o estresse, que, quando intensificado, pode afetar os níveis de dor.
Com a redução da pressão nas articulações e níveis mais baixos de inflamação no corpo, você também será capaz de retardar a progressão de outros distúrbios metabólicos em potencial, como diabetes, pressão alta e doenças cardíacas.
Estabeleça metas e adote uma abordagem planejada para perder peso. Seja criativo: ingresse em um grupo de apoio à dor, faça exercícios de relaxamento, aprenda respiração diafragmática e mantenha o controle de sua saúde emocional e mental eliminando estressores.