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O tratamento atual da Fibromialgia

O tratamento atual da Fibromialgia

De todos os artigos científicos que eu já li sobre fibromialgia, que não foram poucos, este ainda é o melhor. Escrito por dois médicos brasileiros, e publicado há 5 anos no Brazilian Journal of Pain, ele é um excelente resumo sobre o que os pacientes com fibromialgia mais querem ouvir: as opções de tratamento para essa síndrome. Completo e fácil de ler, apresenta uma revisão do que eles podem encontrar nos campos farmacológico e não farmacológico. De quebra, ele é mais ou menos acessível a ambos, profissionais da saúde e pacientes.

Autores: José Oswaldo de Oliveira Júnior e Mauro Brito de Almeida

“O tratamento da fibromialgia é individualizado, e não propõe sua cura. O objetivo é a redução do sofrimento de seus portadores, a melhora da funcionalidade, e na medida do possível, da autonomia pessoal e da qualidade de vida.”

– Os autores

INTRODUÇÃO

A fibromialgia (FM) é uma síndrome idiopática, ou seja, de etiologia desconhecida. Sua principal característica é uma dor crônica generalizada. Sua distribuição populacional é predominantemente feminina.

A dor da fibromialgia não se deve a um aumento na estimulação dolorosa detectada. Também não é secundária a uma lesão ou doença que afete o sistema nervoso somático-sensorial e, portanto, é classificada como um tipo de dor disfuncional. Parece estar associada à disfunção do sistema nervoso central (SNC) que confere uma insuficiência dos mecanismos supressores da dor.

Antes mesmo da consagração da FM pela Sociedade Americana de Reumatologia em 1990, Goldenberg1 já havia estabelecido que o diagnóstico dessa condição, então emergente e até agora controversa, seria feito pela exclusão de outras síndromes que evoluem com dor difusa.

Hoje a FM é considerada uma condição bastante frequente (prevalência média de 2% na população mundial geral), cara e, sobretudo, ainda controversa.2

O melhor tratamento para qualquer dor é aquele que deve à sua causa.3 No caso da FM, sua condição criptogênica ou primária impede o tratamento etiológico desejável.

Os sintomas incluem dor (espontânea, difusa concomitante e/ou itinerante, presença de hiperalgesia e/ou alodinia, modificada por condição emocional), redução da força e/ou desempenho muscular, fadiga, rigidez, estresse elevado, depressão, ansiedade, vigilância excessiva, transtorno deficitário de atenção, sono não reparador, entre outros.

O caráter sindrômico da fibromialgia, cujas manifestações clínicas não têm causa conhecida, mas sim a implicação de diversos fatores em sua fisiopatologia, resulta na ausência de testes diagnósticos objetivos e tratamento específico.

A compreensão incompleta da fisiopatologia da FM urge a adoção de opções focadas no manejo e controle dos sintomas para melhorar a função e a qualidade de vida (QV) de seus pacientes e não nas causas subjacentes.456

O conhecimento acumulado sobre esta doença permitiu o desenvolvimento de estratégias terapêuticas de aplicação multidisciplinar e multiprofissional, embora, ainda, permaneçam insatisfatórias.

INTERVENÇÕES FARMACOLÓGICAS NA FIBROMIALGIA

O tratamento farmacológico da fibromialgia pode ser prescrito em monoterapia ou combinação de medicamentos, que compreende antidepressivos, relaxantes musculares, anticonvulsivantes, canabinoides, opioides, antagonistas do N-metil D-Aspartato, agonistas melatoninérgicos, substâncias peptidérgicas entre outros.

O tratamento farmacológico continua sendo um elemento comum na maioria dos casos de FM.7 Vários medicamentos já foram utilizados para controlar os sintomas da FM. Os antidepressivos são provavelmente os mais utilizados no tratamento de manutenção. Dentre os tricíclicos, a amitriptilina é a droga que reúne mais informações na literatura, inibe a recaptação tanto da norepinefrina quanto da serotonina, que em sistemas moduladores descendentes gera analgesia central. Seu nível de recomendação entre as diretrizes é alto, com tendência a atingir doses abaixo de 50mg/dia com melhora não só da dor, mas também da fadiga e do sono.8 O perfil de reações adversas, incluindo ganho de peso, sonolência exagerada e possíveis alterações do conteúdo de consciência, principalmente em idosos, tendem a ser os maiores obstáculos ao uso regular da amitriptilina, por ser de baixo custo e posologia conveniente.

A ciclobenzaprina tem uma estrutura semelhante à amitriptilina, que também a classifica como tricíclica. No entanto, não é conhecido por ter efeitos antidepressivos.9 Está disponível em países como Estados Unidos, Canadá e Brasil, mas não em outros como o Reino Unido. A ciclobenzaprina foi inicialmente lançada como droga antipsicótica; e, atualmente, sua prescrição mais frequente tem a indicação de um relaxante muscular de ação central. Uma meta-análise do uso dessa droga em pacientes com FM relatou que ela leva à melhora sintomática em um em cada cinco pacientes.10 As reações adversas comumente associadas ao uso de ciclobenzaprina são semelhantes às da amitriptilina. Doses de 1 a 4mg à noite demonstraram melhora no sono.11

Amitriptilina e ciclobenzaprina são recomendados para o tratamento da FM nas diretrizes de 2016 da Liga Europeia Contra o Reumatismo (EULAR)12 e a Sociedade Canadense de Dor (CPS)13, de 2013.

Os inibidores da recaptação de noradrenalina e serotonina, também conhecidos como inibidores duplos, semelhantes aos tricíclicos, produzem analgesia central por ação nas vias nervosas inibitórias descendentes. Em geral, apresentam melhor tolerabilidade e perfil de reações adversas que os tricíclicos.

A duloxetina é o fármaco deste grupo que apresenta melhor evidência de eficácia para o tratamento da FM, geralmente na dose de 60mg/dia, principalmente quando há morbidade depressiva associada, acompanhada ou não de ansiedade.14

Embora existam indícios da participação da serotonina na fisiopatologia da FM, ainda que sua recaptação seja fator comum de pelo menos parte da ação das classes de antidepressivos já descritas, os inibidores seletivos da recaptação da serotonina, amplamente utilizados no tratamento recente da FM, não encontram respaldo para o controle dos sintomas da síndrome nas diretrizes atuais.1516

Apresentam eficácia semelhante ao placebo; no entanto, podem ser usados ​​para tratar a morbidade psiquiátrica associada, no contexto da FM.17

Além da duloxetina, outro antidepressivo duplo, o milnaciprano, um inibidor seletivo da recaptação de serotonina e norepinefrina, também contribui para o tratamento de pacientes fibromiálgicos com fadiga reduzida e sintomas depressivos.181920

Milnaciprano foi considerado útil em pacientes que também se queixavam de dificuldades cognitivas.2122 Os efeitos mistos de duais em pacientes que sofrem de FM são consistentes com suas diferenças farmacológicas que incluem o efeito noradrenérgico superior do milnaciprano sobre a duloxetina. Outra diferença entre esses dois duais reside no metabolismo, que na duloxetina depende da via do citocromo P450 2D6, assim como uma parcela próxima a 25% de outras drogas comumente utilizadas na prática clínica, conferindo uma boa chance de interação. Tal interação farmacológica é agravada por possíveis variações genéticas e seus polimorfismos do citocromo. O milnaciprano não é metabolizado por esta via. Seu metabolismo é mais previsível e com menor possibilidade de interação.23

Embora ambas as drogas tenham um bom perfil em relação às suas reações adversas, diferenças importantes podem ser vivenciadas pelos pacientes com FM.2425

Dentre os anticonvulsivantes, pregabalina e gabapentina são os mais utilizados. Apesar de ambos apresentarem semelhança estrutural com o neurotransmissor ácido gama-aminobutírico (GABA), não possuem ação nesta via, mas sim em canais de cálcio voltagem-dependentes.2627 Esses anticonvulsivantes se ligam às subunidades alfa2-delta dos canais de cálcio. No entanto, permanece desconhecido como eles atuam justamente para beneficiar as manifestações clínicas na FM.28

O postulado atual mais aceito sugere que nesta síndrome haveria hiperatividade glutamatérgica que, por sua vez, seria controlada pelo bloqueio do influxo de cálcio nos terminais pré-sinápticos pela ação da pregabalina.29 No tratamento da FM, há variabilidade na literatura quanto às recomendações desses medicamentos. Cooper et al.30 consideraram escassas as evidências do benefício da gabapentina em doses entre 1.200 e 2.400 mg/dia na terapia antálgica para FM em relação ao placebo, embora a maioria dos pacientes tenha relatado uma sensação de melhora geral. Embora haja evidências de melhora na dor, sono e atividades gerais quando pacientes com FM usam pregabalina em doses diárias de 300-600mg/dia, que foram significativamente maiores do que aqueles que receberam placebo.31323334

Ambos os medicamentos gabapentinoides são geralmente bem tolerados, tontura e sonolência são geralmente as reações adversas mais comumente relatadas.3536 Quando comparada, a pregabalina tem absorção três a quatro vezes mais rápida e maior biodisponibilidade.3738

A gabapentina apresenta uma situação de absorção de saturação, o que não ocorre com a pregabalina que apresenta cinética linear.39 A administração de pregabalina é mais conveniente, exigindo maiores intervalos de tempo entre as doses; suas doses são menores que as da gabapentina e, portanto, estão associadas a menos reações adversas.40414243 Quando analisado o efeito analgésico, o resultado do uso da pregabalina é mais intenso que o da gabapentina.444546 Diferentemente da gabapentina, cuja indicação para alívio dos sintomas fibromiálgicos sempre esteve fora da bula, a partir de meados de 2007, os níveis de evidência científica permitiram que a pregabalina fosse o primeiro medicamento aprovado para o tratamento de pacientes com FM nos Estados Unidos da América.47

Embora a ação nas vias inibitórias descendentes seja decisiva na eficácia do tratamento farmacológico da FM, curiosamente os opioides, em geral, não apresentam boa eficácia no tratamento dessa síndrome. Isso pode ser explicado, pelo menos em parte, pela baixa atividade opioide e pela escassez de receptores mu nas vias nociceptivas moduladoras descendentes em pacientes com a doença.4849

A inibição dos sistemas facilitadores e/ou o aumento dos sistemas facilitadores da dor são frequentemente e repetidamente relatados em pacientes que se queixam de dor persistente na qual ocorre sensibilização central, como aqueles com FM. No entanto, os efeitos exatos dos opioides prescritos com frequência na modulação central da dor ainda são desconhecidos.50

O aumento da atividade opioide endógena foi observado no SNC de pacientes com FM e pode, de alguma forma, estar relacionado a uma forma de hiperalgesia induzida por opioides.51 O uso de um antagonista de receptor opioide como a naltrexona para bloquear a liberação de opioides endógenos tem sido proposto como uma estratégia de tratamento eficaz em pacientes fibromiálgicos.52 Em um estudo duplo-cego, randomizado e controlado por placebo em pacientes com FM, a naltrexona em dose baixa (4,5mg/d) reduziu a dor e melhorou o humor, mas não alterou a fadiga e os distúrbios do sono.53

Os efeitos benéficos observados com baixas doses de naltrexona em pacientes fibromiálgicos têm sido explicados pelo envolvimento do antagonismo à microglia, além de bloquear a liberação de opioides endógenos. Fatores proliferativos liberados no SNC pela microglia, que parecem ser anormalmente sensibilizados na FM, podem levar à facilitação central do processamento da dor.54 Esses resultados são animadores e promissores para o uso de baixas doses de naltrexona como tratamento para FM. No entanto, mais estudos são necessários para identificar o valor desses mecanismos de ação, principalmente em relação às células gliais.

Um opioide fraco, como o tramadol, é mais eficaz do que outros opioides para o controle da dor da FM. Possivelmente porque possui atividade de inibição da recaptação de aminas além de ser agonista mu.5556 As diretrizes para o tratamento dessa condição recomendam o uso desse analgésico. No entanto, é importante considerar a tolerância e taquifilaxia comumente associadas ao seu uso prolongado.5758

Anti-inflamatórios não hormonais têm indicação muito baixa na FM.59 Podem ter alguma utilidade, preferencialmente em baixas doses e por curtos períodos, em condições reumatológicas associadas.60

Analgésicos comuns também não têm uso recomendado para FM.61 No entanto, alguns estudos, como o paracetamol, mostraram sinais de ação central, inclusive no sistema canabinoide endógeno.62 Drogas com essa propriedade ganharam recentemente interesse em seu potencial para melhorar o sono, a dor e o apetite. Algumas diretrizes sugerem a possibilidade de seu uso em caso de dissonia concomitante.63 Outros não recomendam, apontando a necessidade de pesquisas mais aprofundadas sobre o assunto e a preocupação com o risco de abuso.64

Os canabinoides têm sido propostos como drogas úteis no tratamento da síndrome da fibromialgia por seu envolvimento na regulação do processamento da dor e do estresse crônico. Dois canabinoides, nabilona (na dose de 0,5 a 1,0 mg/dia) e dronabinol (uma forma sintética de delta-9-tetrahidrocanabinol ou THC na dose de 7,5 mg/dia) reduziram significativamente os níveis de dor, depressão e ansiedade em pacientes com FM, proporcionando-lhes uma melhora significativa na qualidade de vida656667

A incidência de reações adversas e taxas de abandono de até 25% durante os ensaios clínicos sugerem que o uso clínico de nabilona e dronabinol pode ser limitado.686970

Acredita-se que os metabólitos hepáticos do primeiro metabolismo dos canabinoides sejam responsáveis ​​pelos efeitos psicotrópicos. A entrega transdérmica do éster do ácido D-glicérico do THC, ZYN001, evita o metabolismo hepático de primeira passagem e leva à rápida hidrólise pelas esterases na pele em THC.7172 A avaliação da aplicação transdérmica de ZYN001 em pacientes com FM deve fornecer um melhor perfil de tolerabilidade para um canabinoide.73747576

Na FM, os níveis da substância algogênica, neurocinina, conhecida como substância P, estão elevados no líquido cefalorraquidiano.77 No entanto, quando testados, os antagonistas dos receptores de neuroquinina em ensaios clínicos em FM e outras situações de dor crônica não demonstraram eficácia ou forneceram resultados inconsistentes.78 A ação da capsaicina nas subunidades tipo 1 dos receptores vanilóides (TRPV1), localizadas nos nociceptores periféricos, provoca a liberação da substância P. Essa neurocinina faz parte de um conjunto mais amplo de substâncias algogênicas e pró-inflamatórias secretadas pelo neurônio pseudounipolar em suas duas extremidades (nociceptor central periférico e medular). A liberação inicial corresponde a um aumento do desconforto, com um aumento acentuado da inflamação neuromediada (neurogênica) na periferia e um aumento presumido da sensibilização do SNC. No entanto, com o tempo, os processos nociceptivos são dessensibilizados devido ao esgotamento dessas substâncias, incluindo a chamada substância P.7980

Dependendo da dose e do tempo de exposição, a capsaicina pode causar desde disfunção temporária, degranulação, degeneração hidrópica, degeneração hialina, até necrose neuronal. Atualmente, a capsaicina é considerada um neurotóxico de fibras finas.

Pacientes com FM refratária a outros tratamentos apresentam redução nos valores das escalas de intensidade da dor, aumento significativo dos limiares para estímulos dolorosos, melhora do humor e da sensação de fadiga quando submetidos ao tratamento tópico com capsaicina na concentração de 0,075% aplicada 3 vezes ao dia por 6 semanas).81 Embora a escala visual analógica (EVA) de intensidade da dor não tenha sido significativamente alterada neste estudo, o impacto da síndrome nos pacientes, conforme determinado pelo questionário de impacto FM, foi reduzido, levando a uma melhora em curto prazo. Esses resultados são compatíveis com a modulação induzida pela capsaicina em neurônios pseudounipolares que chegam da periferia como o SNC, modificando a soma final da ativação e inibição de vários dos mecanismos responsáveis ​​pelos sintomas da FM.

Os receptores de glutamato N-metil D-aspartato (NMDA), principalmente aqueles localizados na região posterior da substância cinzenta da medula espinhal, são fundamentais na transmissão nociceptiva e na plasticidade sináptica e, portanto, são considerados um alvo para o tratamento da dor neuropática e disfuncional.82 Em pacientes com FM, níveis elevados de glutamato têm sido detectados nas principais áreas de processamento da dor cerebral, que evoluem com redução significativa concomitantemente ao tratamento que atenua a dor.8384

Antagonistas do receptor NMDA, como cetamina, dextrometorfano e memantina, têm demonstrado eficácia em pacientes com FM, o que corresponde a uma atenuação do aumento da atividade glutaminérgica.85

A memantina, em um estudo randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, resultou em redução significativa da dor e melhora na avaliação da qualidade de vida, mas não proporcionou benefícios contra o estado cognitivo e depressão em pacientes fibromiálgicos.86 Esses pacientes que receberam memantina também apresentaram aumento do metabolismo cerebral com correlação entre os valores de impacto da síndrome em seus pacientes coletados por questionário e os níveis de colina na ínsula posterior.87

Na prática, o uso de antagonistas de NMDA, como a memantina, é limitado devido ao perfil de reações adversas dessas drogas não bem toleradas pelos pacientes fibromiálgicos. Assim, os benefícios anti-NMDA são restritos a apenas um subconjunto de pacientes. Acredita-se que várias reações adversas dos antagonistas do receptor NMDA sejam secundárias à modificação na função fisiológica do receptor NMDA no SNC.88

O desenvolvimento de antagonistas específicos do subtipo de receptor NMDA (por exemplo, NR2A, NR2C, NR2D) que mantém a função fisiológica enquanto suprime o aumento da atividade das vias glutamatérgicas poderia oferecer uma abordagem de tratamento preferencial para FM. Os alvos terapêuticos seriam os pontos responsáveis ​​pelos mecanismos que regulam a atividade do receptor NMDA, como sítios de fosforilação e enzimas relacionadas, como quinases de interação (caseína quinase 2, Src¬NADH desidrogenase, entre outras), ao invés de ionóforos, e poderiam oferecer uma abordagem alternativa para melhorar a janela terapêutica.89

Os níveis de expressão dos mecanismos reguladores do sinal de função do receptor NMDA foram aumentados em neurônios da medula espinhal em um modelo FM em camundongos, onde a hiperalgesia foi induzida por injeção intramuscular de solução salina ácida.90 Os efeitos analgésicos neste modelo animal foram associados à redução da sinalização do receptor NMDA, resultado que pode representar um novo alvo terapêutico para FM.91 A contribuição da atividade do receptor NMDA para os sintomas da FM também tem sido relacionada à eficácia dos medicamentos gabapentinoides. O tratamento com pregabalina diminuiu a atividade glutamatérgica na ínsula de pacientes com FM92, apoiando ainda mais a contribuição da atividade glutamatérgica para a fisiopatologia dos sintomas da síndrome fibromiálgica e destacando a modulação como uma abordagem terapêutica de interesse.

A melatonina (N-acetil-5′-metoxitriptamina) e novos análogos da melatonina exibiram propriedades analgésicas, além de regular o sono consistente com potencial uso como abordagem terapêutica para condições de dor crônica, como FM.93 A intensidade da dor, número de pontos de dor, qualidade do sono, depressão e ansiedade foram significativamente melhorados pela melatonina (3 ou 5mg na hora de dormir) em estudos com FM.9495

Estudos envolvendo a terapia combinada de melatonina e amitriptilina demonstraram melhora superior dos sintomas em relação à amitriptilina isolada, mas não ao tratamento isolado da melatonina.96 Assim, os componentes noradrenérgicos e serotoninérgicos do sistema descendente endógeno de modulação da dor parecem ser melhorados pela estimulação concomitante de receptores melatoninérgicos, sugerindo que a anormalidade do sistema melatoninérgico também pode desempenhar um papel na patogênese da FM. Para corroborar essa teoria, a agomelatina, um análogo da melatonina com um antagonista do receptor melatoninérgico que possui propriedades antagonistas do receptor 5-HT2C da serotonina, mostrou alívio dos sintomas dolorosos e melhorou a depressão e a ansiedade, mas não conseguiu melhorar a qualidade do sono em pacientes fibromiálgicos.9798

INTERVENÇÕES NÃO FARMACOLÓGICAS NA FIBROMIALGIA

As terapias não farmacológicas incluem acupuntura, intervenções comportamentais (ou psicocomportamentais) e psicológicas (ou psicoterapia), programas de atividade física, oxigenoterapia hiperbárica, ozonioterapia, estimulação magnética transcraniana, exercícios de alongamento associados a baixas doses de curare intravenoso, entre outras.

A complexidade da síndrome da fibromialgia inclui fatores psicológicos, sociais e biológicos que requerem uma abordagem biopsicossocial, preferencialmente concomitante, não consecutiva.99 Como consequência, são frequentemente associados a tratamentos não farmacológicos como acupuntura, biofeedback, terapias cognitivo-comportamentais, terapia corpo-mente, terapia de mindfulness, massagem, exercícios, hidroterapia, oxigenoterapia hiperbárica, ozonoterapia, estimulação magnética transcraniana, entre outros. A técnica milenar da acupuntura parece ser mais eficaz para o benefício de uma dor aguda do que para a dor crônica, e pode reduzir a intensidade da dor em diversas condições crônicas, incluindo a FM.100 A acupuntura reduz a inflamação, libera opioides endógenos e reduz a ansiedade. Os efeitos analgésicos da acupuntura podem estar associados ao aumento do conteúdo de adenosina metabolizado pelo trifosfato de adenosina (ATP) que ativa os receptores de adenosina A1.

O ATP está bem estabelecido como fonte de energia intracelular há muitos anos. O conceito de sinalização purinérgica foi introduzido em 1972, sugerindo que o ATP também poderia atuar como um agente de sinalização extracelular.101 No entanto, este conceito foi rejeitado por aproximadamente duas décadas até que o desenvolvimento tecnológico permitiu a clonagem e caracterização de receptores de ATP e seus produtos de decomposição no início de 1990. Assim, a partir de então, o conceito foi aceito e a sinalização purinérgica passou a ser considerada um campo em rápida expansão.102 Medicamentos relacionados a receptores purinérgicos estão sendo desenvolvidos para tratar uma variedade de doenças e situações de risco (trombofilia, incontinência urinária, xerostomia, fibrose cística, osteoporose, dor e câncer).103 O envolvimento da sinalização purinérgica nos efeitos benéficos da acupuntura fertilizou o campo e levou a uma intensificação das pesquisas sobre as chamadas acupurinas.104105106 Em pacientes com FM, a acupuntura ofereceu pouca melhora na dor e fadiga.107

As intervenções denominadas terapias comportamentais ou psicocomportamentais, psicológicas ou psicoterapêuticas, são métodos não invasivos úteis no tratamento da dor. O biofeedback é um método psicofísico, um dos ramos da investigação científica da conexão corpo-mente, como vetor a partir do corpo. A psicofisiologia é definida como o campo de estudo que examina as relações entre as atividades mentais e as funções físicas. Interessa-se pelas características mentais que afetam o corpo, bem como pelas experiências das informações corporais e pelas mudanças nele induzidas pelas emoções.108 A Psicofisiologia Aplicada é uma disciplina que usa essas informações para fins práticos, especialmente pesquisas sobre o controle das funções corporais e problemas de saúde, incluindo a saúde mental. As psicoterapias e terapias corpo-mente incluem, além das técnicas de biofeedback (já mencionadas), mindfulness (em que mais processos psicológicos são acessados ​​e modulados e depois aproximados com sensibilidade e outras sensações do corpo), relaxamento, incorporar estratégias para melhorar bem-estar psicológico e físico.109

Intervenções psicoterapêuticas do tipo mente-corpo e predominância mental foram sugeridas para melhorar o funcionamento físico, a dor e o humor. No entanto, devido à inconsistência no planejamento e desenho de ensaios clínicos e outros tipos de estudos, a qualidade da evidência ainda permanece baixa.110 As psicoterapias cognitivo-comportamentais podem ser benéficas na redução da intensidade da dor por até 6 meses, na melhora do humor negativo e na redução da incapacidade dos pacientes com FM. Recentemente, as diretrizes europeias mostraram que o biofeedback foi eficaz na redução da intensidade da dor, embora todos os ensaios fossem de baixa qualidade. Não houve evidência de eficácia em relação à fadiga ou sono, e a análise de subgrupos sugeriu que qualquer efeito estava limitado à eletromiografia em vez do biofeedback eletroencefalográfico.111112

As terapias cognitivo-comportamentais são importantes no tratamento da dor crônica, e no caso da síndrome da fibromialgia não é diferente. A dor crônica parece ser influenciada pelos processos de aprendizagem e memória, sugerindo que o tratamento também pode ser focado na mudança desses itens. Os métodos comportamentais e cognitivos, ou uma combinação deles, são especialmente indicados para esse fim, pois podem modular especificamente alterações na função cerebral ou na química cerebral, presentes em uma condição de dor específica, enquanto os tratamentos farmacológicos atuam de maneira mais inespecífica. O treinamento comportamental operacional visa especificamente situações em que as queixas estão associadas a altos níveis de intensidade da dor. Os objetivos do treinamento cognitivo são: diminuir os comportamentos de dor em um esforço para extinguir a dor; aumentar os níveis de atividade e comportamentos saudáveis ​​relacionados ao trabalho, lazer e família; redução e manuseio de drogas; e, para mudar o comportamento dos parceiros.113 O objetivo geral é reduzir a incapacidade, diminuindo a dor e aumentando os comportamentos considerados saudáveis. Para evitar o aprendizado por reforço negativo, a droga é trocada de um contingente de dor para um horário fixo, onde a droga é administrada em determinados momentos do dia. Melhorar a atividade e reduzir a inatividade e a deficiência será impulsionado por princípios semelhantes. Estudos têm demonstrado a eficácia desse treinamento em pacientes com FM, assim como em outras síndromes dolorosas114115116, e é especialmente eficaz na redução dos comportamentos de dor. Após o tratamento comportamental operatório na FM, foi relatada uma mudança do processamento emocional e motivacional da dor experimental para um processamento discriminativo mais sensível.117 Houve uma estreita correlação entre o efeito do treinamento e a resposta cerebral aos estímulos experimentais de dor.

O modelo cognitivo-comportamental da dor crônica enfatiza o papel dos fatores cognitivos, afetivos e comportamentais no desenvolvimento e manutenção da dor crônica.118 O treinamento cognitivo-comportamental modifica a dor e evita comportamentos, cognições e emoções para reduzir sentimentos de desamparo e descontrole, a fim de estabelecer uma sensação de controle sobre a dor. Diversas técnicas são ensinadas aos pacientes para lidar com episódios de dor, como reestruturação cognitiva, estratégias de enfrentamento e técnicas de relaxamento e de imagem. O manejo cognitivo-comportamental da dor tem se mostrado um tratamento muito eficaz para a dor crônica, incluindo FM.119 Considerando que o tratamento operatório reduz especialmente os comportamentos de dor e também sua intensidade, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem um efeito especial sobre os aspectos afetivos e cognitivos da dor.120 A TCC parece alterar o processamento cerebral encefálico por meio de conexões alteradas entre sinais de dor, emoções e cognição, o que leva a um maior acesso às regiões executivas para reavaliação da dor.121

As funções reconhecidas como cerebrais superiores podem exercer, sobre a rede neural a elas subordinada, influências que modificam aquelas de maior saliência. A percepção dolorosa surge através de uma interação entre a entrada sensorial e o conhecimento prévio. Provavelmente, pelo menos duas áreas cerebrais são necessárias para tal interação: o local onde ocorre a análise do sinal aferente e aquele que aplica o conhecimento prévio relevante. No cérebro humano, imagens funcionais demonstraram na última década do século XX que a atenção seletiva modifica a atividade em áreas de processamento visual precoce, especificamente para o recurso assistido. As áreas iniciais de processamento também são modificadas quando o conhecimento prévio permite emergir de um estímulo sem sentido. As fontes dessa modificação foram identificadas nos córtices parietal e pré-frontal. A modificação das áreas iniciais de processamento também ocorre com base no conhecimento prévio sobre os efeitos sensoriais previstos das próprias ações do sujeito. A atividade associada à imagem mental assemelha-se àquela associada à preparação da resposta (para imagens) e atenção seletiva (para imagens sensíveis), sugerindo que as imagens mentais refletem os efeitos do conhecimento prévio nas áreas de processamento sensorial na ausência de sensibilidade ortodrômica normal. Lesões nas áreas de processamento sensorial podem levar a uma forma de alucinação sensorial que parece surgir da interação de conhecimento prévio com atividade sensorial aleatória. A contraposição a essa situação ocorre nas alucinações associadas à esquizofrenia que podem surgir de uma falha de conhecimento prévio sobre as intenções motoras de modificar a atividade em áreas sensíveis relevantes. Quando funciona normalmente, esse mecanismo nos permite distinguir nossas próprias ações das ações independentes de agentes no mundo exterior.122 Utilizando mecanismos moduladores descendentes que respeitam uma hierarquia funcional de submissão com vetor neo corticofugal, conhecido em inglês como efeito “top-down”. Muitos pacientes com FM são fisicamente descondicionados e, portanto, podem obter de programas de atividade física que envolvem a ativação de condições analgésicas endógenas, aumento da sensação de bem-estar e melhora da qualidade de vida.123 Em exercícios aeróbicos e testes de resistência, observou-se melhora do treinamento em dor, função física e bem-estar.124 Exercícios terrestres ou aquáticos foram considerados igualmente eficazes, porém, em pacientes não condicionados, o exercício no meio aquático pode ser particularmente valioso.125126

A oxigenoterapia hiperbárica e a ozonioterapia podem induzir alterações neuroplásticas, permitindo que as células remanescentes após lesões isquêmicas retornem às funções antigas ou iniciem novas, permitindo o reparo de funções cerebrais cronicamente comprometidas. Eles também podem alterar o metabolismo cerebral e sua função glial para reduzir os sinais e sintomas de síndromes fibromiálgicas associadas à atividade cerebral anormal.127128129130131132

Um estudo de uma população de pacientes com FM submetidos à oxigenoterapia hiperbárica resultou em melhora de todos os sinais e sintomas, com alterações significativas na redução da dor, melhora na avaliação da função e da qualidade de vida.133 Embora encorajadoras, as publicações favoráveis ​​tanto à oxigenoterapia hiperbárica quanto à terapia com ozônio carecem de qualidade e ainda são insuficientes para fornecer evidências científicas. Ambos os métodos requerem mais e melhores estudos para reconhecê-los como um tratamento eficaz para pacientes fibromiálgicos.

Há evidências de que a estimulação magnética transcraniana é eficaz na redução da intensidade da dor em pacientes com FM, o que levou ao uso dessa abordagem de tratamento por pelo menos uma década.134 No entanto, outros estudos com o tratamento de pacientes fibromiálgicos por estimulação magnética transcraniana não conseguiram replicar os resultados benéficos obtidos por Hou, Wang e Kang135 questionando a recomendação rotineira deste método.136137

As dores difusas dos pacientes com FM são atribuídas predominantemente a fontes musculares. Baixas doses de relaxantes musculares não despolarizantes (curares) podem ser utilizadas no tratamento preventivo de dores musculares secundárias a espasmos transitórios de fibras musculares (fasciculações) observados com o despolarizante. O uso de curares em dose reduzida, administrados de forma fracionada, com monitoração da função oculomotora extrínseca e da deglutição voluntária, promoveu analgesia significativa na maioria dos fibromiálgicos. A analgesia obtida foi prolongada quando associada ao alongamento e realinhamento dos músculos envolvidos com as queixas álgicas mais frequentes.138

CONCLUSÃO

O tratamento da FM é individualizado e exclusivamente sintomático. O seu objetivo não é a cura, e sim reduzir o sofrimento de seus pacientes, melhorar a funcionalidade e, na medida do possível, a autonomia pessoal e a qualidade de vida. A maioria das condutas e recomendações adotadas e defendidas pelas diretrizes publicadas nos últimos 30 anos têm muito em comum. No entanto, não são totalmente congruentes, e têm mudado à medida que as versões se sucedem. Os resultados ainda permanecem insatisfatórios.

Fonte: “O tratamento atual da fibromialgia”, por José Oswaldo de Oliveira Júnior e Mauro Brito de Almeida, publicado no Brazilian Journal of Pain de Ju-Set 2018.

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