Apresento aqui um artigo de autoria da Dra. Beverly Thorn, ganhadora do Ronald Melzack Lecture Prize em 2020, a mais alta distinção da International Association for the Study of Pain, que procura provar que tanto a Terapia Cognitiva Comportamental como a Educação em Dor podem ter resultados melhores no gerenciamento da dor, na população de baixa renda. Porém, desde que usando uma metodologia mais simples que a tradicional – que ela descreve.
“A medicina é uma ciência da incerteza e uma arte da probabilidade.”
Possuir um blog tem suas vantagens. Você pode publicar o que bem entender, desde que respeitando a lei e os bons costumes. Por isso, desde o primeiro dia eu fiz questão de reservar uma seção destinada a publicações transcendentais no campo do conhecimento da dor. Textos teoricamente destinados a mudar crenças e práticas, e que, como ocorrido com os Dez Mandamentos, demoram 40 anos andando pelo deserto em ser entendidos.
A primeira foi de George Engel (O Modelo Psicossocial), Lorimer Moseley (A nova ciência da dor) e de Clifford Woolf (A Sensibilização Central).
A quarta inclusão será do artigo que transcreve uma palestra de autoria da Dra. Thorn, ganhadora do Ronald Melzack Award Lecture, edição 2020, a maior distinção concedida pela International Association for the Study of Pain IASP.
Não é que prêmios me impressionem. Hoje em dia eles são entregues por razões de todo tipo, às vezes sequer relacionadas ao que está escrito no respectivo diploma. Este prêmio, todavia, me pareceu ser das antigas, daqueles que apontam na direção do que todo mundo sabe ou suspeita, mas que ninguém se atreve a reconhecer em público. No caso:
A aplicação da educação em dor e a Terapia Cognitivo-Comportamental a pacientes de baixa renda e múltiplas desvantagens.
Uma ação efetiva, concreta, nesse campo é da maior importância no Brasil, um país onde a pobreza atinge mais de um quarto da população e apenas 8% das pessoas em idade de trabalhar são consideradas plenamente capazes de entender e se expressar por meio de letras e números.1[Internet] uol.com.br. Acesse o link E onde, parafraseando o Dr. Moseley (falando da Austrália), continua a se insistir em enfiar a cabeça no chão no que se refere a conscientizar e instruir a população sobre como lidar com a dor e o sofrimento que provoca.2[Internet] futuremedicine.com. Acesse o link Em geral, espera-se por uma inclusão do tema DOR no ensino universitário, a qual nunca chega. Enquanto isso, a escassa transmissão de conhecimento sobre a dor – e a dor crônica, particularmente – fica restrita a grupos de profissionais da saúde, sem conseguir transpirar um palmo além de consultórios ou salas de aula. O que, convenhamos se formos sinceros, representa mais ou menos nada vezes nada, num país continental com 210 milhões de habitantes.
Diferente de mim, a Dra. Thorn não perde tempo reclamando do sexo dos anjos. Na sua palestra ela diz:
- o que pretende (educar em dor gente simples),
- em que teoria fundamenta sua proposta (a Teoria do Controle do Portão da Dor, Modelo Biopsicossocial da Medicina),
- quais as terapias envolvidas (ex.: neuroeducação e Terapia Cognitivo-Comportamental);
- qual é o principal fator de sucesso (pedagogia/didática simplificadas), e
- em que campos do atendimento clínico ela, a proposta, é aplicável (ex.: mudança de crenças, regras etc. sobre a dor e seu autogerenciamento)
Por fim, a Dra. Thorn “mata a cobra e mostra o pau”: atesta o que alega mostrando os resultados de duas experiências concretas conduzidas por ela mesma.
Professor universitário, Engel dedicou a sua palestra sobre o modelo psicossocial da medicina, aos alunos das faculdades do ramo. Não colou. Todo mundo achou genial, porém continuou-se a tratar da doença e não da pessoa. Uma pena, porque se ela fosse considerada leitura obrigatória nesse ambiente universitário – que não é – a prática da medicina clínica hoje seria várias vezes melhor. Mas, por que não insistir? Quem sabe um dia vai. O resumo que eu fiz da palestra da Dra. Thorn então tem igual destino: jovens que, tendo o privilégio de estudar medicina, precisam entender o mais cedo possível na profissão o significado do termo “paciente”.
“Colocar a vontade de um homem contra sua doença é a suprema arte da medicina.”
Quem quiser desfrutar da palestra da Dra. Thorn na íntegra, pode vê-la na versão em inglês, ou em português aqui mesmo no blog, na seção de Artigos ou Clássicos da Dor. Ou ainda na revista PAIN, setembro de 2020 – Volume 161 – Edição – p S27-S35.
Um apanhado dos pontos-chave da palestra pode ser visto logo abaixo.
Thorn, Beverly E.
A DENÚNCIA
Os tratamentos biomédicos para a dor crônica não têm sido uniformemente eficazes e às vezes causam danos.3Jain NB, Ayers GD, Fan R, Kuhn JE, Baumgarten KM, Matzkin E, Higgins LD. Predictors of pain and functional outcomes after operative treatment for rotator cuff tears. J Shoulder Elbow Surg 2018;27:1393–400.4Kolodny A, Courtwright DT, Hwang CS, Kreiner P, Eadie JL, Clark TW, Alexander GC. The prescription opioid and heroin crisis: a public health approach to an epidemic of addiction. Annu Rev Public Health 2015;36:559–74.5Street JT, Lenehan BJ, Dipaola CP, Boyd MD, Kwon BK, Paquette SJ, Dvorak MFS, Rampersaud YR, Fisher CG. Morbidity and mortality of major adult spinal surgery. A prospective cohort analysis of 942 consecutive patients. Spine J 2012;12:22–34. Como resultado, as diretrizes internacionais proliferaram para o tratamento da dor crônica por meio de terapias biopsicossociais não farmacológicas e não invasivas.6Almeida M, Saragiotto B, Richards B, Maher CG. Primary care management of non-specific low back pain: key messages from recent clinical guidelines. Med J Aust 2018;208:272–5.7Department of Veterans Affairs, Department of Defense. Opioid therapy for chronic pain work group. VA/DoD clinical practice guideline for opioid therapy for chronic pain. 2017. Available at: www.healthquality.va.gov/guidelines/Pain/cot. Accessed August 2, 2017.8Institute of Medicine. Relieving pain in America: A blueprint for transforming prevention, care, education, and research. Washington, D.C.: National Academies Press, 2011.9Qaseem A, Wilt TJ, McLean RM, Forciea MA. Noninvasive treatments for acute, subacute, and chronic low back pain: a clinical practice guideline from the American College of Physicians. Ann Intern Med 2017;166:514–30.10Van Wambeke P, Desomer A, Ailiet L, Berquin A, Dumoulin C, Depreitere B, Dewachter J, Dolphens M, Forget P, Fraselle V, Hans G, Hoste D, Mahieu G, Michielsen J, Nielens H, Orban T, Parlevliet T, Simons E, Tobbackx Y, Van Zundert J, Vanderstraeten J, Vanschaeybroek P, Vlaeyen J, Jonckheer P. Low back pain and radicular pain: assessment and management. Brussels: KCE Report, 2017. Na prática atual, no entanto, as clínicas que oferecem intervenções biomédicas unimodais estão florescendo (e esses tratamentos são cada vez mais oferecidos, mesmo em países em desenvolvimento).11Bajracharya S, Singh M, Singh G, Shrestha B. Clinico-epidemiological study of spinal injuries in a predominantly rural population of eastern Nepal: a 10 years’ analysis. Indian J Orthop 2007;41:286–9.12Bhattarai S, Chhetri HP, Alam K, Thapa P. A study on factors affecting low back pain and safety and efficacy of nsaids in acute low back pain in a tertiary care hospital of Western Nepal. J Clin Diagn Res 2013;7:2752–8.
Muitos profissionais de saúde não estão familiarizados com as terapias biopsicossociais, como a terapia cognitivo-comportamental (TCC), e podem ver os tratamentos psicossociais como apropriados apenas para pessoas com doenças mentais. Além disso, alguns praticantes podem ter a crença errônea de que a dor crônica é uma expressão de dano mental gerado psicologicamente. Além disso, os médicos podem não saber que os tratamentos baseados em um modelo biopsicossocial têm um resultado biológico.
O ÂMAGO DA PALESTRA
Nesta revisão, que é escrita como parte do Prêmio Ronald Melzack Lecture da IASP 2020, revisito o modelo de controle da dor de Melzack e Wall13Melzack R, Wall PD. Pain mechanisms: a new theory. Science 1965;150:971–9. como um construto biopsicossocial e explora suas aplicações clínicas mais recentes em tipos específicos de educação em dor14Moseley GL. Innovative treatments for back pain. PAIN 2017;158:S2–S10.15Thorn BE. Cognitive therapy for chronic pain, second edition: a step-by-step guide. New York, NY: The Guilford Press, 2017.16Thorn BE, Eyer JC, Van Dyke BP, Torres CA, Burns JW, Kim M, Newman AK, Campbell LC, Anderson B, Block PR, Bobrow BJ, Brooks R, Burton TT, Cheavens JS, DeMonte CM, DeMonte WD, Edwards CS, Jeong M, Mulla MM, Penn T, Smith LJ, Tucker DH. Literacy-adapted cognitive behavioral therapy versus education for chronic pain at low-income clinics. Ann Intern Med 2018;168:471. e terapia cognitivo-comportamental (TCC).17Thorn BE. Cognitive therapy for chronic pain, second edition: a step-by-step guide. New York, NY: The Guilford Press, 2017.18Thorn BE, Eyer JC, Van Dyke BP, Torres CA, Burns JW, Kim M, Newman AK, Campbell LC, Anderson B, Block PR, Bobrow BJ, Brooks R, Burton TT, Cheavens JS, DeMonte CM, DeMonte WD, Edwards CS, Jeong M, Mulla MM, Penn T, Smith LJ, Tucker DH. Literacy-adapted cognitive behavioral therapy versus education for chronic pain at low-income clinics. Ann Intern Med 2018;168:471.
Eu descrevo uma pesquisa recente usando um esquema de controle de portão simplificado como uma justificativa de tratamento para a educação da dor e TCC com pacientes de baixa renda e múltiplas desvantagens,19Thorn BE, Eyer JC, Van Dyke BP, Torres CA, Burns JW, Kim M, Newman AK, Campbell LC, Anderson B, Block PR, Bobrow BJ, Brooks R, Burton TT, Cheavens JS, DeMonte CM, DeMonte WD, Edwards CS, Jeong M, Mulla MM, Penn T, Smith LJ, Tucker DH. Literacy-adapted cognitive behavioral therapy versus education for chronic pain at low-income clinics. Ann Intern Med 2018;168:471. usando o modelo de controle de portão como um ponto de partida para discutir os aspectos cognitivos da TCC (e da educação sobre a dor). Visando um modelo cognitivo de dor (pensamentos influenciam emoções e comportamento), forneço exemplos de como os profissionais de saúde psicossocial trabalham junto com os pacientes para treiná-los em habilidades para trabalhar com seus pensamentos, motivar os pacientes e ajudá-los a implementar o autogerenciamento da dor. Passando para um breve exame do mecanismo de tratamento (mediação e moderação), concluirei com o argumento de que intervenções psicossociais eficazes compartilham mais semelhanças do que às vezes se reconhece, e que esses tratamentos podem ser usados para ajudar os pacientes a autogerenciar sua dor, e talvez para mudar as culturas de saúde.
A MOLDURA TEÓRICA
Modelo de controle de portão revisitado brevemente
Agora está claro que não há uma correspondência direta entre o dano ao tecido e a dor, e que a experiência de dor de uma pessoa não indica necessariamente um dano contínuo ao tecido. Contudo, ainda existe uma quantidade alarmante de adesão a um modelo biomédico estrito de dor em uma variedade de culturas e em muitos sistemas de saúde em todo o mundo. O que foi revolucionário no modelo de controle do portão foi a ideia de que o cérebro poderia monitorar e modular a atividade dos neurônios de transmissão da medula espinhal. Especificamente implicados estavam os fatores cognitivos e afetivos mediados pelo cérebro como parte do processo neural de percepção da dor e parte do “controle central” descendente do sistema de passagem da medula espinhal.
Embora esteja agora estabelecido que os mecanismos neurais são mais complexos do que o originalmente proposto por Melzack e Wall,20Melzack R. From the gate to the neuromatrix. PAIN 1999(suppl 6):S121–6.21Melzack R, Wall PD. Pain mechanisms: a new theory. Science 1965;150:971–9.22Melzack R. Pain: past, present and future. Can J Exp Psychol 1993;47:615–29., os conceitos gerais permanecem, que um mecanismo de passagem na medula espinhal excita ou inibe o fluxo de informações para o cérebro, e que há mecanismos de controle central descendentes que aumentam ou diminuem a sensibilidade do sistema nociceptivo por meio desse mecanismo de passagem – possivelmente, por meio de várias portas e sistemas.23Braz J, Solorzano C, Wang X, Basbaum A. Transmitting pain and itch messages: a contemporary view of the spinal cord circuits that generate gate control. Neuron 2014;82:522–36.24Treede RD. Gain control mechanisms in the nociceptive system. PAIN 2016;157:1199–204. A percepção da dor é influenciada por sinais recebidos da periferia, mas impulsionada pelo que o sistema nervoso central faz com esses sinais.
DA TEORIA À PRÁTICA: A EDUCAÇÃO EM DOR DOS PACIENTES
Modelo do Portão do Controle da Dor
Educar os pacientes sobre como a dor é processada no cérebro (incluindo elementos do modelo do Portão do Controle da Dor / neuromatriz) é considerado de crescente importância, conforme refletido nas diretrizes internacionais de gerenciamento da dor e sua inclusão em muitas abordagens de tratamento biopsicossocial atuais. Lorimer Moseley e colegas promoveram educação em neurofisiologia da dor (PNE) para pacientes com dor crônica,25Butler D, Moseley GL. Explain Pain. 2nd ed. Adelaide: NOI Group Publications, 2013.26Meeus M, Nijs J, Van Oosterwijck J, Van Alsenoy V, Truijen S. Pain physiology education improves pain beliefs in patients with chronic fatigue syndrome compared with pacing and self-management education: a double-blind randomized controlled trial. Arch Phys Med Rehabil 2010;91:1153–9.27Moseley GL. Evidence for a direct relationship between cognitive and physical change during an education intervention in people with chronic low back pain. Eur J Pain 2004;8:39–45.28Moseley GL. Whole of community pain education for back pain. Why does first-line care get almost no attention and what exactly are we waiting for? Br J Sports Med 2019;53:588–9.29Moseley GL, Nicholas MK, Hodges PW. A randomized controlled trial of intensive neurophysiology education in chronic low back pain. Clin J Pain 2004;20:324–30.30Nijs J, Paul van Wilgen C, Van Oosterwijck J, van Ittersum M, Meeus M. How to explain central sensitization to patients with “unexplained” chronic musculoskeletal pain: practice guidelines. Man Ther 2011;16:413–18.31Sharma S, Jensen MP, Moseley GL, Abbott JH. Results of a feasibility randomised clinical trial on Pain Education for low back pain in Nepal: the Pain Education in Nepal-low back pain (PEN-LBP) feasibility trial. BMJ Open 2019;9:e026874. e há uma literatura crescente examinando sua eficácia. Revisões sistemáticas e ensaios clínicos recentes relatam diferentes níveis de suporte para a abordagem de “neuroeducação”, particularmente como um tratamento unimodal, mas há um forte suporte para a justificativa de explicar o processamento da dor no cérebro ao trabalhar com indivíduos com dor.32Clarke CL, Ryan CG, Martin DJ. Pain neurophysiology education for the management of individuals with chronic low back pain: a systematic review and meta-analysis. Man Ther 2011;16:544–9.33Louw A, Diener I, Butler DS, Puentedura EJ. The effect of neuroscience education on pain, disability, anxiety, and stress in chronic musculoskeletal pain. Arch Phys Med Rehabil 2011;92:2041–56.34Traeger AC, Lee H, Hübscher M, Skinner IW, Moseley GL, Nicholas MK, Henschke N, Refshauge KM, Blyth FM, Main CJ, Hush JM, Lo S, McAuley JH. Effect of intensive patient education vs placebo patient education on outcomes in patients with acute low back pain: a randomized clinical trial. JAMA Neurol 2019;76:161–9.35Watson JA, Ryan CG, Cooper L, Ellington D, Whittle R, Lavender M, Dixon J, Atkinson G, Cooper K, Martin DJ. Pain neuroscience education for adults with chronic musculoskeletal pain: a mixed-methods systematic review and meta-analysis. J Pain 2019;20:1140.e1–1140.e22.36Werner EL, Storheim K, Lochting I, Wisloff T, Grotle M. Cognitive patient education for low back pain in primary care: a cluster randomized controlled trial and cost-effectiveness analysis. Spine (Phila Pa 1976) 2016;41:455–62.
Um artigo muito recente sugere que a combinação do PNE com técnicas de entrevista motivacional pode reforçar seus efeitos.37Nijs J, Wijma AJ, Willaert W, Huysmans E, Mintken P, Smeets R, Goossens M, van Wilgen CP, van Bogaert W, Louw A, Cleland J, Donaldson M. Integrating Motivational interviewing in pain neuroscience education for people with chronic pain: a practical guide for clinicians. Phys Ther 2020:pii: pzaa021.38Rizzo RRN, Medeiros FC, Pires LG, Pimenta RM, McAuley JH, Jensen MP, Costa LOP. Hypnosis enhances the effects of pain education in patients with chronic nonspecific low back pain: a randomized controlled trial. J Pain 2018;19:1103.e1–1103.e9. Assim, o PNE pode não ser suficiente.
A educação psicossocial sobre a dor pode ser considerada uma estratégia terapêutica se for formulada para melhorar a compreensão do paciente sobre sua condição, o ajuda a reconceituar a dor e o manejo da dor como multidimensionais em vez de apenas determinados pela patologia do tecido, e fornece uma justificativa para se engajar na gestão. Um ponto-chave é que, para que a educação sobre a dor seja eficaz, ela deve fornecer a justificativa (e provavelmente a motivação) para se envolver em comportamentos de autogerenciamento da dor conhecidos. Em ambos os casos, os comportamentos devem mudar para que o autocuidado da dor seja eficaz. Por exemplo, se os pacientes aprendem sobre a importância de manter a atividade física apesar da dor crônica, a atividade física deve realmente ser implementada para reduzir efetivamente a interferência relacionada à dor nas atividades diárias.
Considerando que 49% das pessoas em nações desenvolvidas (52% nos Estados Unidos) têm habilidades de leitura básicas ou abaixo do básico (habilidades básicas se traduzem em leitura nos níveis de quarta à quinta série),39Rampey BD, Finnegan R, Goodman M, Mohadjer L, Krenzke T, Hogan J, Provasnik S. Skills of U.S. unemployed, young, and older adults in sharper focus: results from the program for the international assessment of adult competencies (PIAAC) 2012/2014. First Look. U.S. Department of Education, Washington, DC: National Center for Education Statistics, 2012. educação em dor, necessariamente, deve ser simplificada.
EDUCAÇÃO EM DOR SIMPLIFICADA E TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL: OBJETIVOS PEDAGÓGICOS E DUAS EXPERIÊNCIAS
Nossa equipe de pesquisa clínica incorporou em nossa abordagem de tratamento, uma discussão simplificada da dor como uma percepção que é filtrada pelo cérebro, enfatizando a capacidade do cérebro de “abrir” ou “fechar” uma porta de dor para processar mais ou menos sinais de dor.
Enfatizamos os seguintes pontos específicos:
- Primeiro, ao contrário do que normalmente se entende, a dor não é uma sensação, mas uma experiência perceptiva no cérebro que envolve muitos filtros.
- Em segundo lugar, o cérebro processa a sensação de dor ao filtrar os chamados sinais de dor por meio de vários locais envolvidos nos processos de memória, emoção e pensamento.
- Terceiro, o cérebro monitora os chamados sinais de dor que chegam à medula espinhal e, com base no que está acontecendo nos locais de filtragem, pode aumentar os sinais de dor recebidos (“abrir o portão”), tornando o cérebro mais sensível à dor, ou diminuir a força do sinal (“fechar o portão”). Em essência, usamos uma versão simplificada do modelo de controle do portão original, mantendo os conceitos gerais, fornecendo nossa própria ilustração simplificada,
A SIMPLIFICAÇÃO DA DIDÁTICA
Esses tratamentos foram adaptados para diminuir as demandas de alfabetização dos materiais do paciente e reduzir as demandas cognitivas das intervenções. Por exemplo, os níveis de leitura de materiais escritos do paciente foram reduzidos do 10º ano (no formato original40Thorn BE. Cognitive therapy for chronic pain: a step-by-step guide. New York, NY: Guilford Press, 2004.) para a quinta série, e as principais ilustrações foram usadas para ajudar a enfatizar certos pontos. Além disso, durante os grupos de tratamento, jargões e palavras multissilábicas foram evitados, métodos de ensino interativos foram usados e os co-terapeutas forneceram assistência individual quando parecia que os membros do grupo estavam lutando com um conceito.41Kuhajda MC, Thorn BE, Gaskins SW, Day MA, Cabbil CM. Literacy and cultural adaptations for cognitive behavioral therapy in a rural pain population. Transl Behav Med 2011;1:216–23. Tanto a TCC quanto a EDU (educação em dor) foram fornecidas em 10 sessões semanais de discussão em grupo de 90 minutos com 5 a 7 participantes. Ambos os tratamentos enfatizaram aliança terapêutica, discussão em grupo e afiliação ao grupo, e ambos os tratamentos usaram um modelo biopsicossocial para fornecer informações úteis sobre a dor, o cérebro e o autogerenciamento da dor. A TCC, adicionalmente, envolveu exercícios ativos de construção de habilidades (com lição de casa), enquanto a EDU não incluiu o treinamento de habilidades. Os resultados do estudo revelaram efeitos moderados do tratamento na intensidade da dor e interferência da dor no funcionamento diário para ambas as intervenções, sem diferenças significativas entre os tratamentos. A EDU foi melhor tolerada do que a TCC, produzindo menos desistências.
Semelhante ao estudo anterior,42Thorn BE, Day MA, Burns J, Kuhajda MC, Gaskins SW, Sweeney K, McConley R, Ward LC, Cabbil C. Randomized trial of group cognitive behavioral therapy compared with a pain education control for low-literacy rural people with chronic pain. PAIN 2011;152:2710–20. tanto a TCC quanto a EDU produziu diminuições significativas antes e depois do tratamento na intensidade média da dor e na interferência da dor, com ganhos de tratamento principalmente mantidos em 6 meses de acompanhamento.
Acreditamos que esse efeito inesperado pode ser atribuído ao esforço plurianual de nossa equipe para simplificar os materiais e o processo terapêutico de nossos pacientes de TCC, eliminando a necessidade de deveres de casa escritos e fornecendo suporte individual aprimorado dentro da estrutura do grupo para aqueles com níveis de alfabetização mais baixos. Assim, parece que aqueles com maior alfabetização e habilidades cognitivas foram capazes de pegar as informações da educação biopsicossocial sobre a dor e aplicá-las em suas vidas diárias, enquanto aqueles com menor alfabetização e função cognitiva se beneficiaram mais da estrutura e suporte fornecido pelo treinamento de habilidades específicas sem o fardo da lição de casa escrita.
DIFERENTES APLICAÇÕES CLÍNICAS DA EDUCAÇÃO EM DOR
A terapia cognitiva tradicional delineia categorias de processos de pensamento e visa cada categoria terapeuticamente. Segue uma breve descrição das categorias, com exemplos de técnicas terapêuticas utilizadas.
Julgamentos sobre estressores
Um exemplo de aplicação clínica que usa avaliações primárias é ensinar os pacientes a examinar seus julgamentos iniciais de uma situação e determinar se os estão vendo como uma ameaça, uma perda ou um desafio.43Thorn BE. Cognitive therapy for chronic pain, second edition: a step-by-step guide. New York, NY: The Guilford Press, 2017.44Thorn BE. Cognitive therapy for chronic pain: a step-by-step guide. New York, NY: Guilford Press, 2004. Focar a atenção no julgamento do estressor (e não necessariamente no estressor em si) permite que eles considerem trabalhar em sua interpretação, muitas vezes analisando aspectos que são de fato um desafio em vez de uma ameaça/perda. Outro exemplo de aplicação clínica de julgamento de dor é aquele representado pelo modelo de medo de movimento/nova lesão e a subsequente aplicação clínica de exposição in vivo para superar julgamentos de dor = dano.45Crombez G, Eccleston C, Van Damme S, Vlaeyen JWS, Karoly P. Fear-avoidance model of chronic pain: the next generation. Clin J Pain 2012;28:475–83.46Vlaeyen JWS, De Jong J, Geilen M, Heuts PHTG, Van Breukelen G. The treatment of fear of movement/(re)injury in chronic low back pain: further evidence on the effectiveness of exposure in vivo. Clin J Pain 2002;18:251–61.47Vlaeyen JWS, Linton SJ. Fear-avoidance model of chronic musculoskeletal pain: 12 years on. PAIN 2012;153:1144–7. Usando a exposição gradativa ao movimento físico, os pacientes aprendem que a atividade física com ritmo apropriado usando a mecânica corporal adequada não cria lesões ou exacerbações da dor. Assim, eles são capazes de mudar seu julgamento de que a atividade física causa danos ao corpo.
Julgamentos sobre opções de enfrentamento
Técnicas clássicas de terapia cognitiva, como exercícios de reestruturação cognitiva, têm sido frequentemente usadas para reduzir (efetivamente) a catastrofização e outros pensamentos negativos relacionados à dor.48Thorn BE. Cognitive therapy for chronic pain, second edition: a step-by-step guide. New York, NY: The Guilford Press, 2017. Na reestruturação cognitiva, os pacientes são orientados a tomar consciência dos pensamentos negativos que atuam contra eles e, então, examinar se o pensamento é verdadeiro, parcialmente verdadeiro ou parcialmente falso. Eles são então treinados como chegar a um pensamento mais realista, útil e menos negativo para “fechar o portão da dor”. É importante observar que outras técnicas não direcionadas a pensamentos catastrofizantes per se, como (mas não se limitando a) terapias baseadas em atenção plena49Day MA. Mindfulness-based cognitive therapy for chronic pain: a clinical manual and guide. Chichester: Wiley, 2017. e em aceitação e compromisso50Feliu-Soler A, Montesinos F, Gutiérrez-Martínez O, Scott W, McCracken LM, Luciano JV. Current status of acceptance and commitment therapy for chronic pain: a narrative review. J Pain Res 2018;11:2145–59., também relataram reduções na catastrofização da dor após o tratamento.51Vowles KE, McCracken LM, Eccleston C. Processes of change in treatment for chronic pain: the contributions of pain, acceptance, and catastrophizing. Eur J Pain 2007;11:779–87.
“Regras” adquiridas para si e para os outros
Exemplo de aplicação clínica potencial de uma crença adquirida envolve o conceito de injustiça percebida após uma lesão que levou à dor crônica. Um paciente pode acreditar que “O cara responsável por este acidente deve ser condenado à prisão perpétua por tirar minha vida”. Técnicas terapêuticas que diminuem a raiva, reduzem o julgamento excessivamente severo e aumentam o senso de perdão foram sugeridas como formas de reduzir a injustiça percebida.52McParland J, Hezseltine L, Serpell M, Eccleston C, Stenner P. An investigation of constructions of justice and injustice in chronic pain: a Q-methodology approach. J Health Psychol 2011;16:873–83.53Offenbaecher M, Dezutter J, Kohls N, Sigl C, Vallejo MA, Rivera J, Bauerdorf F, Schelling J, Vincent A, Hirsch JK, Sirois FM, Webb JR, Toussaint LL. Struggling with adversities of life. Clin J Pain 2017;33:528–34.54Purdie F, Morley S. Compassion and chronic pain. PAIN 2016;157:2625–7.55Sullivan MJL, Scott W, Trost Z. Perceived injustice: a risk factor for problematic pain outcomes. Clin J Pain 2012;28:484–8. Possivelmente, essas técnicas funcionam para aumentar a aceitação de que se tem uma condição crônica e a vontade de se envolver em atividades apesar da dor. A terapia de aceitação e compromisso, atenção plena e técnicas de psicologia positiva visam especificamente a redução do julgamento e aumento do perdão e também mostraram aumentar a aceitação da dor após o tratamento.56Kratz AL, Murphy J, Kalpakjian CZ, Chen P. Medicate or meditate? Greater pain acceptance is related to lower pain medication use in persons with chronic pain and spinal cord injury. Clin J Pain 2018;34:357–65.57Peters ML, Smeets E, Feijge M, Van Breukelen G, Andersson G, Buhrman M, Linton SJ. Happy despite pain: a randomized controlled trial of an 8-week internet-delivered positive psychology intervention for enhancing well-being in patients with chronic pain. Clin J Pain 2017;33:962–75.
Crenças mais profundas: identidade
Um exemplo de técnica que poderia ser usada para examinar e possivelmente mudar a autoidentidade negativa é a revelação emocional.58Pennebaker JW, Beall SK. Confronting a Traumatic Event. Toward an understanding of inhibition and disease. J Abnorm Psychol 1986;95:274–81.59Schwartz GE, Kline JP. Repression, emotional disclosure, and health: theoretical, empirical, and clinical considerations. In: Pennebaker JW, editor. Emotion, disclosure, & health. Washington, DC: American Psychological Association, 1995.
Mark Lumley e colegas expandiram a aplicação de exercícios de revelação por escrito a um programa de tratamento denominado terapia de expressão e consciência emocional (EAET).
A EAET, além das técnicas de terapia cognitiva mais tradicionais, pode ser útil para ajudar os pacientes a considerar e modificar identidades pessoais negativas.
COMPARAÇÃO DE INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS EDUCATIVAS
Colegas e eu sugerimos que o manejo psicossocial da dor pode envolver vários processos terapêuticos: mudar o que pensamos, ou seja, o conteúdo cognitivo; mudando como pensamos (ou seja, processos cognitivos), trabalhando com nossas emoções (ou seja, estados de humor); e mudar nossas ações para controlar a dor (ou seja, comportamento).60Day MA, Jensen MP, Ehde DM, Thorn BE. Toward a theoretical model for mindfulness-based pain management. J Pain 2014;15:691–703.61Day MA, Thorn BE, Ward LC, Rubin N, Hickman SD, Scogin F, Kilgo GR. Mindfulness-based cognitive therapy for the treatment of headache pain: a pilot study. Clin J Pain 2014;30:152–61.62Thorn BE, Burns JW. Common and specific treatment mechanisms in psychosocial pain interventions: the need for a new research agenda. PAIN 2011;152:705–6. Eu argumentaria que, embora a terapia cognitiva tradicional tenha sido anteriormente criticada como míope ou superficial por visar uma mudança no conteúdo do pensamento de alguém (usando as técnicas emblemáticas de terapia cognitiva referidas como reestruturação cognitiva), é possível, e até provável que as técnicas que enfatizam as cognições também mudam a forma como a pessoa pensa (ou seja, alteram o relacionamento com os pensamentos, aprendendo a observar os pensamentos em constante mutação sem ser emocionalmente superado por eles).63Day MA. Mindfulness-based cognitive therapy for chronic pain: a clinical manual and guide. Chichester: Wiley, 2017.64Thorn BE. Cognitive therapy for chronic pain, second edition: a step-by-step guide. New York, NY: The Guilford Press, 2017. De fato, é bem possível que as técnicas de terapia cognitiva, como os exercícios de reestruturação cognitiva, não requeiram uma mudança no conteúdo cognitivo, mas alertem os indivíduos sobre seu processo de pensamento. Como tal, a reestruturação cognitiva e outros exercícios de terapia classicamente “cognitivos” podem ter semelhanças importantes com as terapias às vezes chamadas de TCC da “terceira onda”: terapia de aceitação e compromisso (ACT) e terapias baseadas em atenção plena.
Dadas as poucas diferenças de resultados entre TCC e EDU em nosso estudo, pode-se concluir que EDU, que exige menos esforço cognitivo por parte do terapeuta ou paciente e requer menos recursos em sistemas de saúde com pouco dinheiro, pode ser uma opção “boa o suficiente”. Na verdade, Vlaeyen e colegas apresentaram esse argumento depois de descobrir que a educação para a dor mais terapia cognitiva em grupo, comparada com a educação para a dor mais discussão em grupo, fornecia poucas diferenças nos resultados críticos, embora a terapia cognitiva fosse mais cara de administrar.65Goossens MEJB, Rutten-van Mölken MPMH, Leidl RM, Bos SGPM, Vlaeyen JWS, Teeken-Gruben NJG. Cognitive-educational treatment of fibromyalgia: a randomized clinical trial. II. Economic evaluation. J Rheumatol 1996;23:1246–54.66Vlaeyen JW, Teeken-Gruben NJ, Goossens ME, Rutten-van Mölken MP, Pelt RA, van Eek H, Heuts PH. Cognitive-educational treatment of fibromyalgia: a randomized clinical trial. I. Clinical effects. J Rheumatol 1996;23:1237–45. É interessante notar que esses pesquisadores também especularam que baixa adesão, dificuldade em completar o dever de casa e falta de apoio individual podem ter diminuído a eficácia geral do programa de terapia cognitiva. Este último comentário pode falar sobre a importância de simplificar nossos tratamentos psicossociais.
Outra abordagem para desemaranhar os mecanismos de tratamento é ir além do exame de resultados médios entre os grupos de tratamento e examinar os moderadores da eficácia do tratamento. Por exemplo, será que as diferenças individuais entre os pacientes vaticinam quais deles obterão mais ou menos benefícios de um determinado tratamento?
A NECESSIDADE DE SIMPLIFICAR, SIMPLIFICAR, SIMPLIFICAR… PARA ATINGIR QUEM MAIS PRECISA.
Direções e conclusões futuras
Nossas descobertas sugerem que a simplificação de nossas técnicas psicossociais atingiria uma faixa mais ampla de indivíduos do que nas nações tipicamente mais privilegiadas, altamente educadas ou ricas. Além disso, a estrutura e a orientação fornecidas pelo treinamento simplificado de habilidades em TCC parecem ser uma opção melhor do que EDU, quando o nível de escolaridade e a alfabetização são limitados. Uma advertência importante é que tanto a CBT quanto a EDU, conforme fornecidas em nosso estudo, dependeram fortemente de abordagens motivacionais por meio de uma forte aliança terapêutica e coerência de grupo para fornecer um ambiente de aprendizagem colaborativo e de aceitação. Essa ênfase, incluindo uma lógica de tratamento que seja compreensível e faz sentido, provavelmente instilou uma expectativa de resultado positivo. Além disso, ambos os tratamentos envolveram várias sessões (10) durante o mesmo número de semanas com tempo adequado fornecido para aprendizagem interativa e discussão (90 minutos). Os pacientes receberam livros e CDs de áudio adaptados culturalmente e adaptados à alfabetização para facilitar a compreensão.67UQ Researchers: Dr. Melissa Day. Univ. Queensl. Available at: https://resarchers.uq.edu.au/researcher/11740. Accessed July 2, 2020. e esforços semelhantes para adaptar e simplificar tratamentos relacionados (por exemplo, educação em neuropsicologia da dor) estão sendo testados no Nepal.68Sharma S, Jensen MP, Moseley GL, Abbott JH. Results of a feasibility randomised clinical trial on Pain Education for low back pain in Nepal: the Pain Education in Nepal-low back pain (PEN-LBP) feasibility trial. BMJ Open 2019;9:e026874.
Em conclusão,
Avaliar e tratar apenas um aspecto da dor (ou seja, dano ao tecido) provavelmente levou a danos iatrogênicos e muito sofrimento. Além disso, nossos pacientes (e a sociedade em geral) foram treinados para esperar que a dor possa ser erradicada por profissionais médicos. Os pacientes tiveram pouco acesso ao treinamento de autocuidado da dor, e não receberam informações relevantes, úteis (e fáceis de usar) sobre o cérebro – a sede dessa percepção que chamamos de dor. Esta revisão destacou algumas intervenções biopsicossociais que conceituam a dor usando um modelo cognitivo, oferecendo pesquisas exclusivas que avaliam o impacto de simplificar nossa mensagem e nossos tratamentos psicossociais.