Você já leu “O Poder do Mito”, do inglês Robert Campbell? Um clássico. Mitos são poéticos, mas não deixam de ser fantasias, e fatos, enfim, são fatos. A dicotomia entre uns e outros se dá em todas as áreas do conhecimento humano – a da medicina, inclusive. Por exemplo, o que é mito e o que é fato em relação à popular dor nas costas? Informe-se aqui.
“Tudo o que o homem não conhece não existe para ele. Por isso, o mundo tem para cada um o tamanho que abrange o seu conhecimento”.
Na primavera de 2001, sete perguntas foram feitas por telefone a uma amostra representativa (n = 1015) da população norueguesa.1Crenças sobre lombalgia na população norueguesa: estão relacionadas as experiências de dor e profissionais de saúde? Werner SR, Ihlebaek Camilla, Skouen JS, Laerum E. Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento, Hospital de Reabilitação, Stavern, Noruega.
Os resultados:
- 41% afirmou que “se você tem um disco escorregadio, deve fazer uma cirurgia”.
- 50% acreditavam que “raios-X e exames de imagem mais recentes sempre podem identificar a causa da dor’”! e que
- “A maioria das dores na lombar é causada por lesões e trabalho pesado”.
- 60% concordaram que “todos com dor lombar devem fazer radiografia da coluna vertebral”.
- 25% acreditavam que ‘Se suas costas doem, você deve ir com calma até que a dor desapareça”;
- 20% que “a dor lombar geralmente é incapacitante”, e
- 12% afirmava que “o repouso no leito é a base da terapia (para a dor lombar)”.
O objetivo deste estudo foi testar esses sete “mitos” sobre dor nas costas, formulados em 1998 pelo médico e pesquisador americano Richard Deyo, Oregon Health & Science University (EUA), na população norueguesa. (Dois posts já foram publicados nesse blog sobre o Dr. Deyo e suas ideias desmistificadoras em relação à dor lombar).
Os dados correspondentes da população geral de 807 indivíduos (idade média 45,5, faixa 25-70) foram amostrados durante o início da primavera de 2001. Na pesquisa em pauta, quanto menor a escolaridade, maior crédito foi dado aos mitos. Um reflexo, conforme os pesquisadores, da incapacidade das autoridades de saúde da Noruega de educar em dor as camadas mais humildes da sociedade. Vira e mexe, então, o fator mais importante revelado pelo estudo foi a falta de conhecimento sobre a dor por parte da população e, por tabela, o seu efeito negativo sobre as pretensões de se “… promover o autocuidado e o tratamento adequados (para se) reduzir o risco de cronicidade da dor lombar nos grupos de baixa escolaridade”.
Note-se que em termos de educação de adolescentes (leitura, matemática e ciência) a Noruega figura consistentemente entre os primeiros 10 países num ranking de 65 países. O Brasil não entra nem nos 35 primeiros.
Em suma, em 2001, vários mitos de dor lombar ainda estavam vivos na população em geral na Noruega, e que não estavam de acordo com as diretrizes das autoridades da saúde.
“Antes de realmente começarmos a entender as doenças, o clima e coisas assim, procuramos explicações falsas para eles. Agora, a ciência preencheu parte do domínio – e não todo – que a religião costumava preencher.”
Em junho desse mesmo ano (2001), a mesma equipe de pesquisa solicitou a outra população formada por (436) clínicos gerais e (311) fisioterapeutas – todos eles experientes – que se pronunciassem sobre os 7 mitos do Dr. Deyo.
Houve diferenças significativas entre a população em geral, clínicos gerais e fisioterapeutas em todos os mitos. A maioria dos profissionais não concordava com eles, diferindo da população (de pacientes) em geral.
- Entre 50% e 60% da população de pacientes acreditava na importância e benefício de radiografias e outros exames de imagem, contra 10% dos clínicos gerais e fisioterapeutas.
- Na população de pacientes, 40% a 45% concordavam que a dor lombar é causada por ferimentos e que você precisa fazer cirurgia se tiver hérnia de disco, enquanto aproximadamente 5% ou menos dos clínicos gerais e fisioterapeutas concordavam com isso.
- Cerca de 10% dos pacientes achavam que o repouso no leito é a base da terapia para dores nas costas, enquanto apenas 1% dos profissionais pensavam igual.
- Não houve diferenças entre clínicos geral e fisioterapeutas, exceto nos mitos “radiografias e novos exames de imagem sempre podem identificar a causa da dor” e “a dor nas costas geralmente é incapacitante”, sendo os clínicos gerais menos propensos a discordar de ambos.
Conclusão: Se bem entre os clínicos gerais e fisioterapeutas noruegueses, os sete mitos de Deyo sobre a dor lombar gozavam de razoável descrédito, na população em geral, eles estavam vigentes.
E se você for um visitante típico deste blog sobre dor crônica, o que acha disso? Eu estou supondo que você, ou alguma pessoa próxima de você, sofrem com alguma dor crônica – quando mais se ela for lombar – então vou ajudá-lo a opinar.
As seguintes três perguntas lhe servirão de guia:
- Isso de que os profissionais da saúde e seus pacientes pensem diferente sobre o que realmente causa, ajuda a diagnosticar, acontece por conta, alivia etc… a dor lombar que eles sentem… influencia a sua recuperação?
- A notória diferença de entendimento entre quem trata da dor e quem é tratado quanto ao que é fato e o que é mito na dor lombar, também acontece no Brasil?
- E se a resposta ao anterior for positiva, por que essa diferença acontece? (É isso culpa dos pacientes?)
Em abril de 2002, integrantes da mesma equipe de pesquisa, focaram nas crenças sobre dor lombar em pacientes e profissionais da saúde.
No total, 1.502 pessoas selecionadas aleatoriamente foram entrevistadas por telefone, e 1.105 médicos, fisioterapeutas e quiropráticos da região responderam um questionário. Todos os entrevistados deram suas respostas em termos de grau de concordância a 6 declarações que refletiam crenças sobre dor lombar.
As experiências pessoais de dor nas costas foram importantes para as crenças sobre a dor lombar. Pessoas com histórico de dor nas costas anterior tinham mais fé nas 2 afirmações “A dor nas costas se recupera melhor por si mesma” (52,2%) e “Na maioria dos casos, a dor nas costas se recupera sozinha em algumas semanas” (32,5%) do que aquelas com dor no presente (36,9% e 20,9%, respectivamente). Ou seja, previsivelmente acredita mais numa recuperação espontânea da dor lombar quem já superou essa condição no passado.
Os mitos sobre lombalgia abandonados pelos profissionais de saúde ainda estão vivos no público. Tais mitos representam crenças para evitar a dor e estratégias passivas de enfrentamento que podem dificultar a recuperação espontânea normal de um episódio de dor lombar.