O apelo dos portadores de fibromialgia por dar a essa síndrome um amparo legal que facilite o acesso a serviços de saúde e medicamentos mais baratos, licenças médicas ou aposentadoria por incapacidade etc., é “generacional”. Ou seja, se estende de geração em geração, sem ser atendido. Os primeiros apelantes devem ter sido os fenícios, ou talvez os maias, não se sabe ao certo. Eu confesso não ter absolutamente nenhuma afinidade com matérias legais – a última vez que entrei num cartório até passei mal – mas a condução do site FIBRODOR me obriga a atentar para esse lado da informação.
“Há um elemento e uma parte muito forte de mim que acredita que a dor é um microfone. Minha dor realmente não me serve de nada, a menos que eu a transforme em algo útil.”
De fato, na pesquisa que realizei recentemente entre os visitantes do site sobre as maiores dúvidas dos fibromiálgicos – 223 responderam, muito obrigado – o item: “Ter fibromialgia dá direito a ter algum benefício social” cravou o segundo lugar entre as 28 apresentadas.
Por isso, me chamou a atenção o Presidente do Chile, Gabriel Boric, ter assinado semana passada uma lei protegendo os fibromiálgicos. Se vai ser cumprida, só Deus sabe. Porém, certamente é um indicativo de progresso. Progresso que, aliás, ainda parece distante de ocorrer no país do brado retumbante.
A seguir, a lei chilena e, em seguida, algumas poucas e tímidas iniciativas para atender os fibromiálgicos em instâncias estaduais e municipais no Brasil.
Chile
“Artigo 1.- Objeto. O objetivo desta lei é promover e garantir o cuidado integral da saúde das pessoas com fibromialgia e dores crônicas não oncológicas em busca de melhorar sua qualidade de vida, independente do regime previsional ou sistema de saúde do qual fazem parte ou das ações de saúde para o alívio da dor que esses pacientes precisem.
Artigo 2.- Direitos. Toda pessoa que apresenta fibromialgia e/ou dores crônicas não oncológicas tem os seguintes direitos:
- Uma atenção preferencial e oportuna por qualquer prestador de ações de saúde, nos termos que estabelecem os artigos 5 bis e 5 ter da lei N° 20.584, que regula os direitos e deveres que têm as pessoas em relação com as ações vinculadas a sua atenção à saúde.
- A ter um diagnóstico cedo e oportuno através de uma avaliação médica precisa e acessível.
- A contar com os cuidados necessários para favorecer o resguardo de sua saúde mental e física. O Estado propiciará o acesso a medicamentos, fitofármacos, tratamentos, terapias físicas e psicológicas, reabilitação, medicamentos e fitoterapias complementares e ajudas técnicas de maneira oportuna e eficaz, considerando a idade e o diagnóstico da pessoa.
- Acessar informações fáceis e acessíveis sobre as causas, características da patologia e alternativas terapêuticas que permitem reduzir os sintomas e melhorar sua funcionalidade.
Artigo 3.- Definição. Para efeitos desta lei, você entenderá por:
a) Dor crônico no oncológico | Aquela dor de causa não neoplásica que aparece e se estende por duas semanas de duração ou mais e se manifesta através de sintomas físicos e psicológicos. |
b) Fibromialgia | Síndrome de dor crônica não oncológica, percebida em músculos e articulações de mais de três meses de duração. Esta condição se manifesta através de sintomas físicos e psicológicos, alterações do sono, alterações do estado de ânimo, entre outros; e produzem múltiplas consequências, histórias como a diminuição da qualidade de vida e limitações nas atividades da vida diária, as quais são suscetíveis de gerar incapacidade e invalidez. |
Artigo 4.- Do acesso à saúde. O Estado velará que toda pessoa com fibromialgia e/ou dores crônicas não oncológicas terá acesso livre e igualitário ao sistema previdenciário de saúde e a sua proteção adequada, independente do tratamento médico eleito para aliviar a dor.
Artigo 5.- Licencias médicas. As licenças médicas que são dadas por fibromialgia ou por dores crônicas não oncológicas não poderão ser rejeitadas somente por conta do seu diagnóstico, nem sujeitas a um procedimento especial, particular ou discriminatório que afete o processo normal de tramitação.
Artigo 6.- Protocolos. O Ministério da Saúde…, poderá ditar os protocolos necessários para o cumprimento adequado dos direitos reconhecidos nesta lei.
Neste processo de elaboração se deverá assegurar a participação de grupos de fibromialgia e de pacientes com dores crônicas não oncológicas existentes no país e se velará pela representatividade de todas as regiões, de acordo com a normativa vigente sobre a matéria.
Artigo 7.- Dos instrumentos estatísticos. No desempenho de suas funções de compilação e administração dos dados estatísticos sanitários, o Ministério da Saúde velará por incorporar uma ou mais questões destinadas a conhecer as percentagens da população que padecem ou estão em processo de diagnóstico sobre fibromialgia e/ou dores crônicas não oncológicas, com a finalidade de projetar políticas públicas inspiradas nos princípios e direitos desta lei.
Artigo 8.- Ações de promoção e capacitação. No âmbito de suas competências, o Ministério da Saúde promoverá a implementação de ações de promoção e capacitação, sobre o diagnóstico, prognóstico e alternativas terapêuticas da fibromialgia e das dores crônicas não oncológicas.
Artigo 9.- Investigação. O Estado, através do Ministério de Ciências, Tecnologia, Conhecimento e Inovação, promoverá e incentivará a investigação intersetorial tanto em ciências básicas, aspectos clínicos e terapêuticos da doença, e dará a oportunidade de concorrer e interagir, tanto a projetos de medicina tradicional como a medicina complementar que cumpre com os altos padrões definidos pelos princípios básicos da investigação em humanos, para efeitos de contribuir ao diagnóstico e tratamento da fibromialgia, conforme o estabelecido (em lei).
O Estado poderá firmar convenções de colaboração com instituições de ensino superior estatais e privadas a fim de promover a investigação sobre diagnóstico e tratamentos, farmacológicos e não farmacológicos, respeitando a fibromialgia e a dor crônica não oncológica, e fornecer informações a profissionais da área de saúde e especializações que objetivem o seu estudo.
Artigo 10.- Não discriminação e atenção preferencial. A fibromialgia não será causa de discriminação em nehum âmbito.
As pessoas que sofrem de fibromialgia e/ou dores crônicas não oncológicas podem acessar a atenção preferencial de acordo com o estabelecido na Lei Nº 20.584, que regula os direitos e deve manter as pessoas em relação com ações vinculadas à sua atenção em saúde, sempre que cumpram os requisitos estabelecidos na norma citada.
Artigo 11.- Leis aplicáveis supletivamente. Em todo o que não for regulamentado por esta lei, serão aplicáveis as disposições da lei Nº 20.584, que regula os direitos e obrigações que têm as pessoas em relação com ações vinculadas à sua atenção em saúde, assim como o estabelecido na lei Nº 20.422, que estabelece normas de igualdade de oportunidades e inclusão social de pessoas com deficiência, no que for pertinente.
Brasil
No Brasil, projeto cria Programa Nacional de Referência em Tratamento da Fibromialgia.
O Projeto de Lei 1908/22 prevê a criação de centros de referência para o tratamento da fibromialgia em todos os estados do País, os Cefibro. Segundo a proposta, os centros poderão ter estrutura própria ou funcionar dentro de instituições de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS). O texto está sendo analisado pela Câmara dos Deputados.
Parte do Programa Nacional de Referência em Tratamento da Fibromialgia, o qual é criado pelo projeto, os centros de referência serão compostos por um conselho multidisciplinar, com médico, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicólogo, enfermeiro, fonoaudiólogo, nutricionista, educador físico e assistente social. Esses profissionais atuarão nas fases de diagnóstico, tratamento e acompanhamento das pessoas assistidas.
Os Cefibro, segundo a proposta, estabelecerão ainda parcerias com instituições públicas e privadas para o desenvolvimento de estudos e pesquisas na área de fibromialgia, bem como investirão na formação e atualização permanente de seus profissionais.
Das várias iniciativas estaduais e municipais em curso eu selecione apenas alguns exemplos.
Mato Grosso
A Lei (11.554/2021) do deputado estadual Dr. João (MDB) agora obriga que os que sofrem com fibromialgia sejam consideradas pessoas com deficiência. Sendo assim, elas podem ter os mesmos direitos estabelecidos em outras leis estaduais que tratam do assunto. O texto institui a Política Estadual dos Direitos de quem sofre com esta comorbidade.
Prefeitura de Sorriso, Mato Grosso
Sofre de fibromialgia ou conhece alguém acometido por essa doença reumatológica? É ruim sentir dores e ainda ter que esperar em filas, não? E é pensando nisso que desde 2020 está em vigor a Lei Municipal n.º 3.052 de 19 de agosto de 2020 – são dois anos de lei! – que estabelece o atendimento preferencial a pessoas portadoras de fibromialgia em órgãos públicos e privados do Município, além do direito à vaga preferencial em estacionamentos.
Quando se tem fibromialgia, o segurado do INSS pode ter direito a alguns benefícios, como auxílio doença, BPC e aposentadoria por invalidez.
Paraíba
A Câmara Municipal de de João Pessoa (CMJP) aprovou, na manhã desta quinta-feira (15) o Projeto de Lei Ordinária que reconhece indivíduos com fibromialgia como pessoas com deficiência no âmbito de João Pessoa. Agora, a lei aguarda a sanção do prefeito Cícero Lucena (PP). O projeto estabelece que as pessoas que possuem fibromialgia serão consideradas possuidoras de impedimentos de longo prazo de natureza física, que podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade. Portanto, a medida assegura às pessoas com fibromialgia os mesmos direitos e garantias das pessoas com deficiência.
E para ter acesso a esse direito basta apresentar a carteira de portador da doença. Para confeccionar a carteirinha é rapidinho: é só procurar a Secretaria de Saúde e Saneamento (Semsas) em horário comercial, munido dos documentos pessoais e do laudo médico. A carteirinha é feita na hora.
São Paulo
No Estado de São Paulo, 12 de maio é considerado o Dia Estadual de Conscientização da Fibromialgia.
Alguns deputados da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo contam com projetos que incluem, assistência médica, tratamento e atendimento preferencial aos portadores da síndrome, por parte dos órgãos hospitalares do estado. Além disso, a iniciativa de compartilhar conhecimentos e informações verdadeiras sobre a fibromialgia também está inclusa nas pautas.
O deputado Teonílio Barba (PT) apresentou o Projeto de Lei 425/2021 que visa criar a política estadual de atendimento à fibromialgia. Se aprovado, o projeto também incentiva o poder público a oferecer centros especializados e preparados para atender esses pacientes.1[Internet] Al.sp.gov.br. Acesse o link.
De autoria dos deputados Rodrigo Moraes (PL) e Thiago Auricchio (PL), o Projeto de Lei 393/2019 pretende tornar obrigatório o atendimento preferencial aos portadores da síndrome. Essa ação inclui órgãos públicos, empresas públicas e instituições concessionárias de serviços.2[Internet] Al.sp.gov.br. Acesse o link.
2 respostas
Tenho 59 anos. Sofri muitos anos na polícia militar com fibromialgia sem poder pegar atestado médico, trabalhando só Deus sabe como. Aposentei com duas indicações de cirurgia na coluna cervical e ainda por cima não tenho convênio com fisioterapia, hidroterapia e Pilates, conforme indicação médica. Isso sem falar nos altos gastos com remédios. Tomo entre 4 a 6 comprimidos diários de tramadol, dipirona 1g, Pregabalina 75mg, Duloxetina 30g e outros remédios para pressão. Precisamos urgentemente da ajuda do estado! Moro em Brasília/DF.
Lamento a sua condição de saúde e entendo a sua angústia. O único que eu posso opinar – e não deve ser confundido com orientação médica em nenhum caso – é que seria uma boa ideia revisar esse seu coquetel farmacológico, que me parece algo assustador. Principalmente, se mantido há algum tempo e, vou supor, sem horizonte para desmame. Você não menciona o fator “tempo”, que é essencial, no caso. Todos esses fármacos têm efeitos colaterais importantes.