Você sabe o que é PNE? Não sabe direito? Então, informe-se. Ficar por fora agora, um dia vai doer.
“Hoje de manhã, depois de um treino intenso de 25 minutos, eu me inclinei para pegar uma toalha e minhas costas “saíram”. A minha vértebra L5 deslizou um pouco para frente, pressionou o meu nervo S1 e então “foi o inferno”. Eu fiquei chateado porque, segundo um fenômeno novo e estúpido na fisioterapia conhecido como PNE, o que aconteceu com minhas costas esta manhã não é possível. Isso porque a nossa coluna vertebral seria “à prova de bombas”. Então, uma de duas, minhas costas não saíram hoje de manhã ou esses caras do PNE são uns idiotas.”1[Internet] regenexx.com. Acesse o link
O autor dessa frase é Chris Centeno, M.D., um médico especialista em medicina regenerativa que, por alguma razão, decidiu atacar ferozmente esse “… fenômeno novo e estúpido na fisioterapia conhecido como PNE”.2[Internet] regenexx.com. Acesse o link
Eu começo esse post dando destaque ao Dr. Centeno por dois motivos. Ainda que de maneira grosseira, ele representa o sentir de muita gente padecendo de dor crônica nas costas – “Eu tenho uma hérnia de disco! Eu a vi na ressonância! Só pode ser ela a causa da minha dor!” – e da dor crônica em geral – “Está doendo aqui, ó! Como admitir que essa dor está na minha cabeça?”. Ou seja, repúdio total e absoluto à ideia central da nova neurociência da dor: a de que a dor é um produto 100% do cérebro. Não é saudável brigar com a realidade – e a realidade é essa.
O segundo motivo? A tal da PNE é e será tema recorrente neste blog, suspeito que por um bom tempo. Aqui apenas me proponho a introduzir o tema.
O que é PNE, então?
Resposta: Pain Neuroscience Education, ou Educação em Neurociência da Dor.
Curto e grosso, a PNE é uma iniciativa educacional com fins terapêuticos. Em geral, consiste de várias sessões – individuais e/ou grupais – e entrega de material didático nos intervalos, descrevendo em detalhe a neurofisiologia da dor e como a dor é processada pelo sistema nervoso. O propósito é mudar a percepção que o paciente típico tem sobre a dor, suas consequências e possibilidades de recuperação. A crença de que a dor crônica necessariamente precisa ter uma lesão ou ferida por justificativa, por exemplo. Ou a de que a dor emana da pele, e não do cérebro. Ou a de que a dor crônica pode ser produto, não de uma lesão, e sim de nervos “desencapados”.
“Se nós podemos entender que a dor é um mecanismo de proteção, não uma medida do dano do tecido, se nós pudermos comunicar isso para as pessoas, então nós podemos mudar o jogo.”
O quadro mostra a cadeia de acontecimentos que, na opinião dos inventores da marca PNE, deflagra num paciente com dor crônica atribuída a sensitização central. Eu devo chamar a atenção para os passos 3 e 4. Tendo o paciente reconceitualizado a dor, novas cognições, crenças e estratégias de enfrentamento à dor (Passo 3) promovem nele(a) um reequilíbrio das forças neurais excitatórias e inibitórias que modulam a dor no Sistema Nervoso Central (Passo 4). Se antes prevaleciam as excitatórias, contribuindo à manutenção da dor, agora é a vez das inibitórias, que a aliviam. A mudança neurobiológica, note-se, não é devida a uma intervenção física, mas cognitivo-psicológica: a PNE.
Esse detalhe não pode nos escapar. A PNE é consequência de uma maneira de pensar diferente da que sustenta o modelo biomédico convencional. Este não contempla a possibilidade do paciente ser ensinado de nada. Ele(a) pode até ser informado do diagnóstico, do que será feito e do prognóstico, mas não há qualquer interesse em que aprenda neurobiofisiologia da dor. A PNE já se ajusta ao modelo biopsicossocial, onde esse último – a participação consciente, intelectual do paciente – é requisito. Ele precisa aprender.
“As únicas intervenções que a pesquisa demonstrou que fazem diferença na dor crônica são aquelas em que o fornecimento de informação é a principal intervenção.”
Enfim, qualquer campo educacional é vastíssimo e no que diz respeito a neurociência da dor, não poderia ser diferente. Num próximo post irei mostrar os principais animadores da PNE atualmente ditando cátedra no mundo ocidental, e suas propostas. Você vai se surpreender.
Voltando ao Dr. Centeno. A opinião dele merece respeito apesar do seu teor desnecessariamente desrespeituoso. A sua hérnia e sua dor ora aguda são provas concretas, palpáveis. Elas não vão sumir assistindo a aulas e lendo livros. Porém, se a sua dor for crônica e associada à sensitização central, algum alívio pode ser conseguido aprendendo sobre dor. Há provas disso e também merecem respeito. Além do que, em se tratando de dor crônica hoje ninguém tem certeza sequer de qual seja sua origem. E quanto à neurociência, nos últimos tempos tenho lido dezenas de livros, centenas de artigos científicos sobre o tema, e o caro leitor sabe quais são as duas palavras mais recorrentes neles? “May” e “Maybe”, que em inglês significam “talvez”, “pode ser”, ou coisa que o valha. Ou seja, nos dois casos, dor crônica e neurociência, mesmo com descobertas chocantes acontecendo todo dia, ainda estamos presos ao paradoxo socrático do “Só sei que nada sei”. E mesmo assim, a mais mínima educação no tema é bem-vinda. Se não acredita, pergunte a qualquer analfabeto.