Memórias tóxicas guardadas no nosso subconsciente estão por trás da fabricação da dor. Hoje qualquer neurocientista bem informado sabe disso. Porém, quem se atreveu a posicionar isso na medicina clínica e no estudo da dor crônica há meio século foi um doutorzinho de nada que tinha um diferencial sobre seus pares: enrolava pouco e curava muitos. Conheça algo dele nesse artigo e depois nos vídeos ali anunciados.
“Cada encontro com o paciente é uma excursão na vida dessa pessoa.”
Este post é uma homenagem a um sujeito que eu não conheci, mas salvou (boa parte da) minha vida. O nome dele? John Sarno, Dr. John Sarno, já falecido há dois anos. Depois de ler este post, você talvez venha a conhecê-lo. Se estiver sofrendo de uma dor crônica nas costas, ou em qualquer outro local, deveria – conhecê-lo, quero dizer.
A sua viagem pelas ideias desse médico novaiorquino com cara do avô que todos gostaríamos de ter tido – sem querer ofender os estatutários – pode começar aqui e agora, assistindo a seguir o primeiro da série de 8 vídeos que eu montei sobre ele. O material usado foi uma entrevista concedida ao jornalista Jorge Pontual, da GloboNews.
Por que o Pontual, um profissional muito viajado e cultíssimo, quis entrevistar um clínico insignificante que colegas consideravam ser um lunático, e acadêmicos nem sequer consideravam?
Simples: o Dr. Sarno curava gente com dor crônica não específica. Como? Conversando, ouvindo, educando e incentivando as pessoas a descobrirem em si próprias as causas e as soluções para a dor percebida… A ponto de centenas de seus outrora pacientes o cumprimentarem no Natal. (Pense nisso. Você cumprimenta o seu gastro ou ortopedista no Natal?)
Certa vez, o Dr Sarno mereceu o título de “O melhor médico de América”, num artigo publicado na revista Forbes, hoje talvez a mais importante dos EUA. Um clínico, veja bem. Um cara que nunca estudou na Harvard, nem tinha consultório na Mayo Clinic.
E quais eram suas ideias? Eu já as apresentei noutros posts nesse blog e não cabe aqui repeti-las. Posso apenas comentar a que a mim, ao menos, me beneficiou enormemente.
Em Healing Back Pain, o seu livro mais famoso, o Sarno me fez ver que a dor está no cérebro e não na pele. E que memórias tóxicas guardadas no nosso subconsciente estavam por trás da fabricação da dor, independentemente de o estímulo evidente ser uma facada ou um esbarrão no Metrô.
E o que isso me disse, na época? Que se o cérebro era suficientemente plástico para fazer dor, eu podia igualmente convencê-lo a desfazer dor. Por que não? Como a minha dor caíra na vala comum de “inespecífica”, o lado bom disso é que eu não lutava contra um câncer, ou qualquer falha estrutural impossível de vencer. A minha dor também não era insuportável como num estágio 4 de fibromialgia, nem a depressão que tipicamente acomete os que perambulam de um consultório médico a outro sem qualquer vislumbre de cura para suas dores.
Dito e feito, aprendi a usar a minha própria mente para me aliviar. Não, não é o que você está pensando, que eu entrei para o Hare Krishna ou me matriculei num curso de Mindfulness 1.0. Nada disso, aos trancos, eu sozinho aprendi a usar a minha própria mente para aliviar a minha dor, ponto. Digamos que foi um mindfulness made in mim mesmo. E assim eu fui conversando com meu cérebro e ele foi concordando comigo em algumas coisas, e noutras nem tanto. Mas o processo me acalmou, eu passei a sentir mais controle sobre o “eu com dor”, um mundo que eu antes delegara para médicos, fisioterapeutas, fisiatras, acupunturistas e feiticeiros.
Você também pode fazer isso, conversar com o seu cérebro para enfrentar a sua dor crônica. Apenas ignora que pode porque até agora viveu, como eu durante décadas, num mundo onde usar a mente significa tirar um doutorado ou falar coisas incompreensíveis à la juiz do STF. Então você acha que não pode. Erro seu, mas eu não quero convencê-lo disso. “Cada qual é o arquiteto o seu próprio destino”, disse o poeta.
John Sarno
À essa altura, você deve pensar que o Dr Sarno e eu por tabela, não passamos de doidos varridos. Porém, tem um pessoal lá, na Northwestern University, uma das melhores no Grande País do Norte, que nos dá um desconto. Com ajuda da última geração em ressonância magnética, os doutores cientistas da Feinberg School of Medicine de lá, descobriram que as lembranças inconscientes relacionadas ao medo podem permanecer totalmente ocultas de sua mente consciente, embora ainda tenham a capacidade de afetar drasticamente o comportamento e as emoções cotidianas. E até identificaram um mecanismo cerebral específico que tem a capacidade de esconder memórias traumáticas no cérebro – e também de recuperá-las.
Veja que simpático! Aquele velhinho tinha razão, e eu não me dei bem com a minha dor crônica apenas por acaso. Bom saber.
De fato, o Sarno previu um monte de outras coisas que a neurociência tem ido descobrindo nos anos posteriores à publicação de seus livros. Eu já escrevi aqui sobre essas premonições e qualquer dia repito a dose, até convencer o leitor, por exemplo, de que:
“Nossas partes do corpo tendem a curar muito rapidamente quando são feridas. Até o maior osso do corpo, o fêmur, leva apenas seis semanas para cicatrizar. E durante esse processo, há dor por um período muito curto. É ilógico pensar que uma lesão que ocorreu há dois meses ainda possa estar causando dor, sem mencionar um ou dois ou dez anos atrás. E, no entanto, as pessoas têm sido tão completamente doutrinadas com a ideia de lesão persistente que a aceitam sem questionar.”
“Isso dá medo, e o medo é outro equivalente importante da dor que pode ser mais eficaz do que a própria dor para atingir o objetivo da mente de distrair a atenção da raiva reprimida. O medo da dor, atividade física, lesão ou anormalidade da coluna é suficiente para perpetuar a dor crônica, mesmo na ausência de dor.”
Sarno sabia que se saber ferido dá medo, e que o medo dá dor, num círculo vicioso muito antes de o tema ser objeto de dezenas de artigos científicos, alguns já publicados aqui.
Enfim, de cara, eu convido você a assistir os 8 mini vídeos sobre a entrevista do Dr Sarno ao Pontual. Eis uma boa forma de se ajudar se você estiver com dor há tempos. E assim você talvez se anime a ler os dois primeiros capítulos de Healing Back Pain, traduzidos livremente ao português – muito livremente, aliás, porque fui eu que fiz isso – e disponíveis neste blog. E depois, quem sabe, a continuar lendo e, também quem sabe, a materializar um dos conselhos dele, e depois mais dois… e assim por diante. Até você, quem sabe, mudar sua vida, e mudar sua dor.