Tempos atrás inclui 7 cartuns no espaço do blog chamado Galeria, que hospeda imagens e textos pelos quais um profissional da saúde pode educar seu paciente na dor e seu gerenciamento. Além disso, há outras iniciativas implantadas: 4 ebooks, cada um contendo 30 cartuns sobre temas relacionados ao cotidiano de um paciente com dor, e que estão sendo agregados progressivamente ao blog. Veja o ebook 1, o ebook 2, e o ebook 3 fresquinho, publicado nesta semana. E como nada cai do céu, veja a seguir as minhas razões.
“Se o estresse e as emoções negativas podem suprimir o sistema imunológico, por que o riso e os sentimentos de confiança e esperança não promovem a cura e prolongam a vida?”
Que “um coração alegre é como remédio”, os escrivas do Antigo Testamentos já sabiam (Provérbios 17). Talvez porque naquela época já se suspeitasse que o homem descendia do macaco, e o macaco, bem, ele notoriamente ri (ainda que de uma forma diferente dos humanos).1[Internet] nytimes.com. Acesse o link
Expressões enaltecendo o humor como a de cima, ou outras parecidas – “Não há melhor remédio para curar um mal que a felicidade”, “O riso é a melhor medicina” – são corriqueiras. Elas não surpreendem ninguém… a menos que associadas a um ambiente onde a dor impera, como um hospital, ou uma clínica médica. Nesses campos elas destoam, ou até ofendem.
Por outro lado, a luta contra a dor crônica está sendo perdida. A prevalência dessa dor amiúde inexplicável, inespecífica e sem cura, vem subindo alarmantemente a cada ano, no mundo e no Brasil.
A dor crônica afeta um terço a cinquenta por cento da população. Um estudo multicêntrico realizado em 1998 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou prevalência de dor crônica em 22% da população mundial; no entanto, dados brasileiros coletados no Rio de Janeiro mostraram uma prevalência de 31%.
Não é de estranhar, portanto, que terapias distintas para tratar de dores crônicas (também distintas) pipoquem aqui e acolá, a maioria com resultados insatisfatórios ou nulos. A cada mês surgem novas opções, ou resurgem outras velhas: hipnose, neurofeeedback, balneoterapia, ozonioterapia…
Humor e dor crônica: qual é a ligação?
No Oxford English Dictionary, o humor é definido como “a qualidade da ação, fala ou escrita que excita a diversão; esquisitice, jocularidade, faceta, comicidade, diversão”. Ele é, todavia, um estado de ânimo complexo, envolvendo aspectos cognitivos, emocionais, comportamentais, psicofisiológicos e sociais.
O riso, por sua vez, é a expressão comportamental mais comum de uma experiência bem humorada. Ele é considerado uma emoção humana, semelhante à depressão, o medo, a alegria… e está comprovado científicamente que a emoção é um dos principais promotores do aprendizado.
Agora, os pacientes com dor crônica não precisam aprender sobre sua condição para assim enfrentá-la com vistas a aliviar seus sintomas?
Então veja a sequência: o humor é uma emoção que facilita o aprendizado da dor crônica, o que por sua vez pode significar alívio.
Em resumo, cogitar que os profissionais da saúde usem a carga emocional do humor não só para animar seus pacientes, mas também para motivá-los e capacitá-los a autogerenciar o próprio tratamento da dor, tem nada de descabido.
Humor e distração no controle da dor
Estratégias não farmacológicas de controle da dor vão de programas de educação e terapias cognitivas (TCC), a acupuntura, estimulação transcutânea de nervos, quiropraxia, calor, frio, massagem e relaxamento, passando por movimentos mente-corpo tipo Tai Chi e ioga.
Uma terapia do humor, ou coisa que o valha, tem mais a ver com estratégias cognitivo-comportamentais uma vez que, como várias delas, tem a distração como elemento central (ex.: hipnose, relaxamento com imagens guiadas, meditação, e até o uso social de grupos de apoio).
O Humor e a Modulação da Dor
A distração é um dos recursos mais importantes para aliviar a dor. Como ela se “encaixa” – e o humor, por consequência – no mecanismo da dor?
Isso é sugerido pela teoria do Controle do Portão, formulada por Wall e Melzack, e já comentada noutros posts. (Por isso, não irei descrevê-la aqui.) O que agora nos interessa é que há meio século essa teoria abriu o espaço na dor para outras dimensões que não apenas a sensorial. Dimensões tais como a motivacional-afetiva e a do controle cognitivo também participariam na definição final da dor.
- Em termos técnicos, a dor seria modulada por inputs aferentes vindos da periferia, por um sistema de inibição descendente e por fatores psicológicos.
- Em termos simples, o input que vai da pele ao cérebro levaria a gritar AIIIIIIII!, porém forças neurais moderadoras inibem essa reação e a amenizam – o grito fica em aiiii!
O ponto a destacar é que essas forças moderadoras podem ter origem psicológica. Conclui-se disso que a distração propiciada pelo humor pode modular/moderar a dor.
Humor e (a Minha) Intenção
Confesso que desde sempre procurei introduzir o humor nos meus projetos. O que me leva a abrir espaço para ele num blog sobre dor crônica, porém, é outra coisa. É porque este blog não é apenas sobre dor crônica apenas; ele é sobre educação em dor (crônica também).
E vamos convir que é meio idiota cogitar educação em qualquer coisa sem educador e educando interessados, um em educar e o outro em aprender.
A meu ver, aqui e agora esses dois ingredientes estão absolutamente em falta – e não é este um (triste) privilégio do Brasil, diga-se de passagem. A maioria dos pacientes querem melhorar, mas não aprender sobre dor. E a maioria dos profissionais de saúde querem curar, mas não ensinar sobre dor. Ponto.
Contudo, a teimosa missão deste blog é fornecer argumentos – informações sobre a dor – a ambos, educador e educando, de maneira tal que nenhum deles possa dizer, quando chegado o momento em que ambos porventura se declarem impotentes diante uma doença ou dor, que “não sabiam”.
Vejamos apenas 3 exemplos:
Um médico interessado em educar seu paciente artrítico nas vantagens de perder peso pode usar o cartoon a seguir:
O medo da dor pode ser abordado, entre risadas, com ajuda deste outro cartoon:
Por fim, o impacto psicológico sobre o paciente após este saber que a sua dor “não existe” pode ser explorado aqui:
Para efeitos do blog, então, recorrer ao humor não é apenas divertimento, mas principalmente uma outra forma de fortalecer a união entre o profissional da saúde e seu paciente em torno de uma ideia já arquicomprovada pela neurociência:
Quando as pessoas compartilham risadas, há uma conexão especial entre elas. Ao criar conexões emocionais e sociais positivas, o uso do humor pode diminuir as defesas e estabelecer relações, e os pacientes podem ser mais capazes de se concentrar e atender às informações apresentadas.2[Internet] semanticscholar.org. Acesse o link
Isso pode ser especialmente útil ao ensinar assuntos que os pacientes acham difíceis e, portanto, estressantes.3[Internet] tandfonline.com. Acesse o link
Concluindo, quem tem dor crônica precisa (antes de mais nada) aprender sobre essa sua condição ou nunca será capaz de autogerenciá-la pelo resto da vida. Quando usado de maneira eficaz, o humor promove a aprendizagem.
“O humor é a maneira mais rápida e fugaz de transformar a dor em alegria em um mero milissegundo.”
Uma resposta
Excelente.
Gratidão por todas as valiosas informações.
Ajudou-me muito.