Com a pandemia, o atendimento dos pacientes acometidos de doenças e dores crônicas foi prejudicada. A redistribuição dos recursos de saúde para unidades de terapia intensiva e outros locais dedicados da Covid-19 era, e ainda é, prioritária. A suspensão desses serviços terapêuticos ou paliativos, juntamente com modalidades de quarentena tipo-sanfona (sem lockdown) e nenhuma comunicação central confiável sobre o controle da pandemia, trouxe incerteza e estresse aos pacientes afetados, com efeitos psicológicos e impacto adicional no bem-estar.
“Existem dois problemas principais que desencadeiam a ansiedade nas pessoas – a solidão e o medo da morte.”
O estrago causado pela Covid-19 na saúde de milhões de pessoas veio por duas vias. A infecção pelo novo coronavírus, a primeira, provocou dores nos afetados – dor lombar, mialgias generalizadas, cefaleia… – além de desconfortos como cansaço extremo, perda de olfato e desorientação, que em 30% dos casos teimam em persistir. A segunda via foi mais velada, sorrateira, e seus efeitos talvez se estendam por mais tempo que a anterior. Refiro-me aos lockdowns, quarentenas, confinamentos ou fechamentos de regiões ou cidades no intuito de, quase sempre, barrar surtos de Covid-19 já fora de controle.
O artigo a seguir, de autoria de psicólogos ligados à University of Liverpool, relata a experiência colhida no Reino Unido durante o primeiro dos três lockdowns implantados na Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Duas diferenças com o realizado, na mesma linha, no Brasil: o lockdown por lá foi abrangente e rigoroso, bem fiscalizado, e conduzido por um governo central muito focado e que se comunicou bem e diuturnamente com os cidadãos. (Deu muito certo, porém depois esse mesmo governo flexibilizou velozmente demais e foi tudo para o beleléu, porém essa é outra estória.)
Pessoas com dor crônica no lockdown: dor, atividade física e efeitos psicológicos
Resumo
Países em todo o mundo impuseram restrições de lockdown durante a pandemia Covid-19. Foi proposto que as condições de lockdown, incluindo medidas de distanciamento social e físico, podem impactar desproporcionalmente aqueles que vivem com dor crônica e requerem adaptação rápida a estratégias de tratamento e cuidados.
O Método
Usando uma metodologia online, investigamos como as restrições de lockdown no Reino Unido impactaram os indivíduos com dor crônica (N = 431) em relação a um grupo de controle saudável (N = 88). Os dados foram coletados durante o período de lockdown mais rigoroso no Reino Unido (meados de abril a início de maio de 2020).
De acordo com o modelo de evitação do medo, pressupomos que aumentos relacionados ao lockdown na dor e no sofrimento psicológico, seriam mediados por níveis de catastrofismo da dor.
Os Resultados
As respostas indicaram que as pessoas com dor crônica perceberam um aumento na intensidade da dor, em comparação com a estimativa dos níveis de dor típicos antes do lockdown.
Elas também foram mais adversamente afetadas pelas condições de lockdown em comparação com indivíduos sem dor, demonstrando maiores aumentos autopercebidos na ansiedade e humor deprimido, maior solidão e níveis reduzidos de exercício físico.
O catastrofismo se revelou um fator importante relacionado à extensão dos aumentos autopercebidos na intensidade da dor durante o lockdown, e também mediou a relação entre a diminuição do humor e a dor.
As diminuições percebidas nos níveis de exercício físico também se relacionaram com as percepções de aumento da dor. Interessantemente, os níveis de intensidade da dor (medidos em dois pontos de tempo no pré e durante o lockdown) em um subgrupo (N = 85) não demonstraram uma mudança significativa. No entanto, os indivíduos neste subgrupo ainda relataram aumentos autopercebidos da dor durante o lockdown, que também foram previstos pelos níveis basais de catastrofismo da dor.
No geral, as descobertas indicam que as pessoas com dor crônica sofrem efeitos adversos por conta de um lockdown, incluindo aumentos autopercebidos em sua dor.
O fornecimento de tratamento remoto da dor para reduzir a catastrofismo da dor e aumentar comportamentos saudáveis, incluindo a atividade física, pode ser benéfico para essa população vulnerável.