A dor neuropática é causada por uma lesão ou doença do sistema somatossensorial, incluindo fibras periféricas (fibras Aβ, Aδ e C) e neurônios centrais. Ela afeta muita gente – entre 7 e 10% da população global – e pode ter múltiplas causas (ex.: sinalização somatossensorial excitatória e inibitória desequilibrada, modulação da dor pelo Sistema Nervoso Central e outras) e tem séria incidência sobre a qualidade de vida. Por isso me interessei por um artigo publicado recentemente na revista da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor e que se concentra sucintamente na sua prevenção. Ou seja, na identificação precoce de fatores de risco e de recursos para aliviar a dor, por exemplo, antes de ela se tornar crônica. Didático, o artigo explica o que a dor neuropática é, e depois elenca estratégias e terapias que podem ser úteis ao seu tratamento.
INTRODUÇÃO
A dor neuropática (DN) é um sintoma que está presente em diferentes patologias e que tem uma prevalência variável. Uma revisão sistemática que considerou estudos epidemiológicos de DN demonstrou taxas de prevalência de dor crônica com característica neuropática de 3% a 17%.1Posso IP, Palmeira CC, Vieira EB. Epidemiologia da dor neuropática. Rev Dor 2016; 17(1):S11-14. Estes dados são preocupantes, pois a DN tem grande impacto econômico e pessoal, comprometendo de maneira significativa a qualidade de vida dos pacientes. A DN é muito difícil de tratar e os fármacos disponíveis para este fim, geralmente estão associados a muitos efeitos colaterais. Acredita-se que a melhor forma de lidar com a DN seja evitando o seu surgimento, o que pode ser realizado em alguns contextos, como naqueles pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos ou a quimioterapia (QT). O objetivo deste texto é discutir os mecanismos de DN e as possíveis estratégias para preveni-la.
MECANISMOS DE DN
A DN pode ser periférica ou central e tem como sintomatologia clássica dor espontânea, alodínia e hiperalgesia.2Besson JM. Lancet 1999; 353:1610-5. Os mecanismos de DN são múltiplos. Inicialmente há formação de focos ectópicos de fibras nervosas sensibilizando os neurônios da CPME; sensitização de receptores, reorganização sináptica, ativação glial e liberação de neurotransmissores excitatórios na medula espinhal, além da perda ou bloqueio dos neurônios inibitórios medulares e do sistema analgésico descendente. A soma desses fatores gera sensibilização central. Sabe-se que na medula espinhal, as células da glia estão envolvidas com o desenvolvimento, a indução e a potencialização da DN. Devido a ativação nociceptiva após lesão nervosa, a microglia se torna ativa e libera citocinas pró-inflamatórias hiperalgésicas, como TNF-α, IL-1β, IL-6, propagando a neuroinflamação através do recrutamento de astrócitos proximais a lesão. A ativação glial leva a intensificação da transmissão sináptica no nível medular e a sensibilização central, ocasionando assim uma condição de DN crônica.3Vallejo R, Tilley DM, Vogel L, Benyamin RM. Pain Pract 2010; 10:167-84. O entendimento destes mecanismos é fundamental no processo de identificação de alvos de prevenção e de terapia da DN.
PREVENÇÃO DE DOR NEUROPÁTICA (DN)
Ao se falar em DN, a preocupação principal deve ser a sua prevenção. Quando isto não for possível, propõe-se o controle da dor aguda, evitando que essa se torne crônica e incapacitante. A chave para a prevenção da DN é identificar precocemente as situações de dor e os pacientes propensos a desenvolvê-la. Um exemplo claro de dor aguda com potencial de cronificação é a dor pós-operatória (PO). Estudos experimentais e ensaios clínicos indicam que alterações neuroplásticas podem ser prevenidas através da identificação de fatores de risco e do tratamento agressivo e precoce da dor. Idade, aspectos socioeconômicos, obesidade, aspectos genéticos, histórico de cirurgias prévias, técnica cirúrgica empregada, lesão de nervos, tipo de analgesia e presença de dor prévia, são considerados fatores determinantes para o desenvolvimento de DN PO e também de DN pós-QT. É importante educar a equipe de saúde quanto a identificação destes elementos e a busca de medidas que sejam efetivas para a prevenção da dor. Diferentes estratégias têm sido propostas com este fim. Dentre elas destacam-se: analgesia preventiva, técnicas cirúrgicas menos invasivas, controle de comorbidades como diabetes mellitus e analgesia multimodal através da administração de fármacos com distintos mecanismos de ação.4Kraychete DC, Sakata RK, Lannes LOC, Bandeira ID, Sadatsune EJ. Dor crônica persistente pós-operatória: o que sabemos sobre prevenção, fatores de risco e tratamento. Rev Bras Anestesiol 2016; 66(5): 505-512.
Esquemas terapêuticos multimodais envolvem fármacos com diferentes mecanismos de ação, administrados através de diferentes técnicas de tratamento da dor. Não há consenso em relação ao melhor momento e a melhor forma de aplicação dos mesmos. Estes podem ser utilizados por diferentes vias, no período anterior ao estimulo doloroso, durante a sua aplicação ou no período que o sucede, antes de o paciente ter consciência do mesmo.
Dentre estes fármacos, destacam-se:
- Gabapentinoides – gabapentina e pregabalina são anticonvulsivantes que exercem efeito analgésico através do bloqueio dos canais de cálcio voltagem-dependente presentes nos terminais pré-sinápticos e da redução de neurotransmissores excitatórios. A gabapentina tem benefício questionado, entretanto a pregabalina, na dose de 150 mg ao dia reduziu a severidade da neuropatia sensorial induzida por oxaliplatina.
- Antidepressivos – os neurotransmissores monoaminérgicos, serotonina e noradrenalina, estão envolvidos com a analgesia supra-espinhal. Estudos sugerem que os fármacos de ação dual e os antidepressivos tricíclicos (ADT) podem representar uma efetiva estratégia na prevenção de DN. Dentre estes destacam-se a venlafaxina e a duloxetina, sendo essa última mais efetiva no tratamento do que na prevenção da DN. ADT estiveram associados a resultados controversos.
- Lidocaina – a lidocaína, ao atuar em canais de sódio, exerce efeito analgésico em pacientes portadores de DN secundária a diabetes, herpes e trauma. Entretanto, o seu papel na prevenção da DN ainda permanece incerto. A lidocaína pode ser administrada de forma tópica, parenteral ou através de bloqueios analgésicos. Em pacientes cirúrgicos, a infiltração da pele e tecido celular subcutâneo antes da incisão, é um método simples, seguro e eficaz na prevenção de dor crônica PO.
Outros adjuvantes como alfa-2 agonistas, clonidina, dexmedetomidina; antagonistas dos receptores-NMDA e magnésio tem sido utilizados com o intuito de prevenir a DN, entretanto mais estudos são necessários para definir o seu real benefício neste contexto.
2 respostas
Boa noite? Tive uma lesão no cone medular 1998 por esquistossomose! Além das as ardência igual fogo da cintura abaixo fiquei com sequelas na bexiga e intestino! Faço cateterismo vesical 6 vezes ao dia e a cada tres dias lavagem intestinal!! Faço uso canabidiol gabapentina e Rivotril! Imagina um sofrimento!
Claudecir, você tem razão. Eu nem imagino! Não sei como, mas espero que você melhore. Julio