Assim que eu comecei a estudar a dor crônica, fiquei intrigado com a ausência, nesse campo do conhecimento, dos dentistas. Artigos da sua autoria não são comuns nas revistas médicas especializadas em dor, nem nas mais badaladas, como The Lancet, BMJ e outras tantas. Também não identifiquei palestras sobre doenças dentárias dolorosas – para mim, todas parecem ser – em congressos médicos sobre dor. E olha que provavelmente onde mais dor sentimos na vida foi no dentista! Por isso, quando me deparei com o post a seguir, ele chamou imediatamente a minha atenção. E fiquei pasmo, eu admito, ao descobrir que a presença a longo prazo de bactérias causadoras de doenças na gengiva e na corrente sanguínea molda nossa saúde muito além da boca. Acredite se quiser, mas dentes e gengivas têm um amplo impacto na saúde, desde o risco de Alzheimer, até diabetes e doenças cardiovasculares.
Periodontite é um nome assustador. Porém, mais assustador deve ser descobrir daqui a uns anos que você é portador(a), e que isso se deve a que você nunca criou coragem de averiguar o que era. Esta pode ser a sua última chance. Aproveite-a.
“O amor vence todas as coisas, exceto a pobreza e a dor de dente.”
Longe de ficar confinada à dor de dente e gengivas doloridas, nossa saúde bucal afeta tudo, desde nossa dieta até nosso bem-estar geral e risco de morte por qualquer causa em um determinado ano.
Isso ocorre porque as doenças da boca nem sempre ficam na boca. Uma estreita ligação está surgindo entre a saúde bucal e algumas das doenças mais prementes do mundo, incluindo doenças cardiovasculares, diabetes e Alzheimer.
Isso está sendo comprovado em relação a periodontite ou doença gengival profunda. Ela é segunda doença oral mais difundida depois das cáries, e afeta mais de 47% dos adultos com mais de 30 anos.
A periodontite começa como uma infecção na gengiva superficial. Após uma fase inicial de inflamação superficial na parte visível da gengiva (gengivite), as bactérias movem-se abaixo da linha da gengiva para bolsas na raiz do dente, onde corroem as estruturas que mantêm o dente no lugar. Devido à natureza oculta da periodontite, muitas pessoas que a têm não sabem que ela existe até seus estágios muito avançados. A doença tem um componente genético, e também é influenciada pela higiene bucal.
Para a maioria, a doença não se torna perceptível até os 40 ou 50 anos. Mas, a essa altura, danos graves já podem ter prejudicado a arquitetura do dente, arriscando a perda do dente. Enquanto isso, a infecção enviou um gotejamento constante de bactérias, como Treponema denticola e Porphyromonas gingivalis, pela corrente sanguínea. Um fluxo mantido por décadas.
É essa presença prolongada de bactérias causadoras de doenças nas gengivas e na corrente sanguínea que molda nossa saúde muito além da boca. Curto e grosso: a periodontite tem a capacidade de infectar o organismo.
Parte do perigo da periodontite é que ela não é detectada em muitos pacientes, pois geralmente não apresenta sintomas.
Imagine a corrente sanguínea como um ônibus que vai descarregando passageiros – bactérias, no caso –por toda uma cidade chamada corpo. Uns descem no cérebro, outros nas artérias, no pâncreas ou no fígado.
Aos 65 anos ou mais, 64% têm periodontite moderada ou grave. Globalmente, é a 11ª doença mais comum no mundo.
Onde há vulnerabilidades nesses órgãos, ou quando os micróbios não são eliminados efetivamente, eles causam inflamação e iniciam ou exacerbam outras doenças inflamatórias.
Periodontite e doenças transmissíveis
A relação da periodontite com doenças cardiovasculares, diabetes, Alzheimer, obesidade, vários tipos de câncer, artrite reumatoide, Parkinson, pneumonia e complicações na gravidez é de mão dupla.
Por exemplo, a periodontite pode piorar condições como a aterosclerose, o endurecimento das paredes das artérias e a presença de aterosclerose também predispõe os pacientes à periodontite. No entanto, bactérias causadoras de periodontite geralmente encontradas apenas na boca foram descobertas em placas ateroscleróticas.
De todas essas condições crônicas de saúde, o diabetes tem o vínculo mais forte com a periodontite. Pessoas com diabetes tipo 2 têm um risco três vezes maior de desenvolver periodontite do que pessoas sem. Para pessoas que têm diabetes tipo 2 e periodontite, a infecção piora a capacidade do corpo de controlar os níveis de açúcar no sangue .
A periodontite tem um elemento genético, mas o risco de desenvolver a doença pode ser minimizado com uma higiene bucal meticulosa.
Voltamos ao fluxo constante de bactérias de bolsas profundas nas gengivas para a corrente sanguínea.
Onde o sistema imunológico detecta bactérias ou outros patógenos, as células imunológicas liberam uma enxurrada de moléculas de mensagens celulares conhecidas como marcadores inflamatórios. Esses marcadores inflamatórios ajudam o sistema imunológico a atacar e matar patógenos invasores. O inchaço e a vermelhidão que aparecem em instantes ao redor de uma ferida são o resultado dessa resposta inflamatória eficiente. A curto prazo, os marcadores inflamatórios atuam como excelentes guias do sistema imunológico para o local da provável infecção. Mas quando essas sentinelas permanecem no corpo, elas causam uma série de problemas.
O gotejamento constante de bactérias de uma infecção escondida nas gengivas faz exatamente o oposto.
“A periodontite é uma das doenças inflamatórias mais comuns, se não a mais comum, do corpo humano.”
“São os mesmos mediadores inflamatórios que estão ativos em vários tipos de doenças inflamatórias – artrite reumatoide, doenças cardíacas, diabetes e assim por diante. Se você tem periodontite, terá um nível aumentado de inflamação sistêmica de baixo grau.”
A essa altura, é importante apontar que sobre a periodontite e sua relação com essas doenças inflamatórias há evidências empíricas robustas, mas não ensaios clínicos randomizados (ECR), considerados o padrão ouro da investigação médica. Em humanos, não seria ético investigar diretamente como o tratamento da periodontite pode aliviar condições como diabetes ao longo de 12, ou 24 meses. Isso, pelas mesmas razões éticas da aterosclerose: não se pode negar a um paciente o tratamento de sua doença, principalmente se ela pode piorar durante o estudo devido eventualmente a outras condições de saúde.
É muito fácil diminuir o risco de contrair periodontite ou tratá-la para reduzir a inflamação, se você já a tiver.
Pesquisas em ratos mediram a diferença na resposta do açúcar no sangue em ratos diabéticos que receberam uma condição semelhante a periodontite e em ratos diabéticos sem a periodontite. Os primeiros mostravam um aumento de 30% do açúcar no sangue após uma refeição.
A periodontite não controlada pode levar à perda do dente, que vem com sua própria coleção de riscos à saúde.
Perda de dentes e demência
A conclusão final da periodontite, se agressiva e não tratada, é a perda do dente. Além de décadas de inflamação crônica, a perda de dentes vem com um novo conjunto de riscos à saúde, incluindo declínio cognitivo e demência.
Um estudo americano abrangendo dados de 34 mil pacientes mostrou que quanto mais dentes você perde, maior o risco de declínio cognitivo e demência. Por cada dente que alguém perde, há um aumento de 1,4% no risco de comprometimento cognitivo e 1,1% no risco de demência. No geral, aqueles que perderam dentes tiveram um risco aumentado de 48% de comprometimento cognitivo e um risco aumentado de 28% de demência, em comparação com indivíduos semelhantes que conservaram todos os dentes.
É possível que a nutrição também colabore na perda dentária, e nesse caso uma boa prótese pode melhorar a ingestão de nutrientes e também a mastigação. A opção tem o potencial de aumentar o fluxo sanguíneo, o que pode ter um impacto na função cognitiva – mas isso ainda é apenas uma hipótese.
A boa notícia é que é fácil diminuir o risco de contrair periodontite e tratá-la de forma eficaz se você já a tiver. Basta com manter uma boa higiene bucal. Agora, se a doença se instalar, ela pode ser tratada inicialmente raspando os micróbios da superfície inferior do dente acima e logo abaixo da linha da gengiva. Se você tem periodontite grave, a solução pode incluir o tratamento cirúrgico, para soltar o tecido mole das gengivas e limpar as superfícies radiculares, e colocar o tecido de volta.
O problema é a detecção, devido à natureza muitas vezes assintomática da doença, juntamente com o equívoco comum de que, a menos que a sua dor de dente for intensa, não precisa ir ao dentista.
Gostou desse cartum? Quem o assina é o Xavier, um artista premiado. O blog conta com dois ebooks da sua autoria (Com Humor Dói Menos – Volume 1 e Com Humor Dói Menos – Volume 2), feitos por encomenda para médicos interessados em educar seus pacientes sobre a dor. São 64 cartuns e estão a sua disposição. Divirta-se.