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Dor física, emocional e social durante o isolamento social relacionado à pandemia da Covid-19

Dor física, emocional e social durante o isolamento social

“O distanciamento social durante o isolamento evoca a formação de sofrimento social, aumentando a intensidade do medo aprendido que as pessoas adquirem, consequentemente potencializando a dor emocional e social.” Este artigo posiciona esta afirmação no contexto da pós-pandemia. Ele se refere a herança de perturbações “psicosocioespirituais” que o atual surto viral irá deixar em pé, no Brasil, após se esvair. O seu mérito é mostrar que tais anomalias, embora não físicas, vão doer tanto quanto uma dor física. E explicar também como isso pode ser previsto com muita segurança, com ajuda da neurociência.

Autores: Priscila Medeiros12, Ana Carolina Medeiros345, Jade Pisssamiglio Cysne Coimbra6, Lucas Emmanuel Teixeira7, Carlos José Salgado8, José Aparecido da Silva9, Norberto Cysne Coimbra1011, Renato Leonardo de Freitas121314

Nota do blog:

Até o momento, o artigo foi publicado na íntegra pelo site PSYaRxIV e pode ser acessado aqui. Eu achei pertinente comentá-lo. O comentário está na seção de posts do blog e pode ser acessado aqui.

A seguir apresento apenas alguns trechos do artigo original para o leitor do comentário se situar no assunto. Vale a pena. Peço desculpas aos autores se no ensejo inadvertidamente provoquei algum estrago.

Resumo

“Experiências de isolamento social, exclusão ou perda afetiva são geralmente consideradas algumas das coisas mais ‘dolorosas’ que as pessoas enfrentam. As ameaças de desconexão social são processadas por algumas das mesmas estruturas neurais que processam ameaças básicas à sobrevivência. A falta de conexão social pode ser ‘dolorosa’ devido a uma sobreposição no circuito neural responsável pela dor física e emocional relacionada aos sentimentos de rejeição social. Na verdade, muitos de nós não medimos esforços para evitar situações que podem gerar essas experiências. Por isso, este trabalho foca em momentos de pandemia, a somatização citada acima busca a interconexão e/ou interdependência entre os sistemas neurais relacionados aos processos emocionais e cognitivos, para que a pessoa envolvida naquele ambiente social aversivo tome consciência de si mesma, dos demais , e da situação ameaçadora vivida, para evitar os efeitos psicológicos e neuropsiquiátricos diários.”

“O isolamento social causado pela quarentena relacionada à Covid-19 pode causar grave transtorno de estresse pós-traumático, não só por medo de pandemia, mas também por desemprego, perda de pais sem luto, e pelos riscos de experiências familiares traumáticas, como aquelas que se referem ao isolamento como a um potencial agressor no mesmo ambiente, coexistindo diariamente com uma situação ameaçadora impossível de escapar, da mesma.”

“Estudos sugerem que as relações sociais têm um papel importante na dor. Indivíduos com maior tamanho de grupo social autorrelatado mostraram maior tolerância à dor.15 Exclusão social induzida experimentalmente e suporte social percebido respectivamente, aumentam e reduzem a gravidade da dor experimental aguda.161718 Inversamente, relacionamentos ruins e isolamento autoimposto por longo tempo têm sido correlacionados com dor crônica.”1920

“Nas últimas décadas, a influência da ansiedade na percepção da dor tem sido amplamente investigada. A ansiedade é aceita como um dos fatores psicológicos determinantes na experiência subjetiva da dor.21 Asmundson e colaboradores22 apontaram a existência de uma ligação entre transtorno de ansiedade e dor, demonstrando que a prevalência da ansiedade é maior em pessoas que sofrem de doenças crônicas. Além disso, dor crônica e transtornos de ansiedade coexistem em 45% dos pacientes com dor crônica selecionados após uma triagem para transtorno de ansiedade.”23

“As experiências afetivas de conexões relacionadas à dor atingem as estruturas do cérebro supraespinhal através do trato paleospinotalâmico, que recruta a matéria cinza periaquedutal, o complexo amigdaloide, a área parabraquial, o hipotálamo e a ínsula.242526 As informações dessas duas vias se reúnem no ACC e no córtex insular. Assim, é a combinação de entradas nociceptivas e afetivas para essas áreas – eliciado pelo mesmo estímulo – que influencia a homeostase interoceptiva27 e priorização de resposta.2829 Portanto, ambos os tipos de informação sobre a dor contribuem para nossa experiência subjetiva e, em última análise, para nossa resposta a ela. É a partir dessa teoria que buscamos estabelecer as ligações anatômicas entre emoções e dor.”

“… a dor emocional parece imitar certos aspectos físicos da dor em termos de atividade cerebral e percepção da dor. Por exemplo, a rejeição social provoca ativação semelhante nas mesmas áreas da dor física, e maior sensibilidade à dor física ou a dor social está associada a uma maior sensibilidade à dor física. Organização social não é uma característica exclusiva do ser humano; os laços sociais são essenciais para o bem-estar e sobrevivência de mamíferos.”30

“A dor social é definida como a experiência desagradável que é associada a danos reais ou  potenciais ao senso de conexão social ou de valor social que a pessoa tem; como mostrar rejeição social, exclusão, avaliação social negativa ou perda.31 A análise de neuroimagem tem mostrado a ativação de estruturas como a parte dorsal (d) do ACC e o córtex insular anterior em indivíduos que experimentaram exclusão social.32 Essas regiões são conhecidas por desempenhar um papel na experiência angustiante da dor física. Além disso, o dACC e AI podem ter um papel modulador nas ligações entre rejeição social e ambas, atividade inflamatória e depressão. Se considerarmos os componentes da dor, o sensorial-discriminativo e o afetivo-motivacional, o último está relacionado a aspectos de emoção, excitação e programação comportamental.”33

“O isolamento social causa mudanças neurológicas que podem induzir sofrimento social. Embora estudos de neuroimagem mostrem a ativação das mesmas áreas em situações de dor física e social, há evidências de que essas mesmas áreas são ativadas em outras situações estressantes.3435 Assim, o papel dessas estruturas, córtex cingulado anterior e ínsula anterior, pode ser mais amplo como um sistema de alarme neural para a sobrevivência (Eisenberg 2012c).”36

“A retomada do gerenciamento clínico da dor terá que lidar com os requisitos biopsicossociais do período da pós-pandemia da Covid-19. Os profissionais de saúde terão que enfrentar o desafio de lidar com a sobreposição de dor física e emocional e o possível processo de dor catastrófica desencadeada ou agravada pela pandemia Covid-19.”

“Além dos desafios típicos do autogerenciamento de uma doença crônica, o gerenciamento de uma doença tornou-se significativamente mais complexo com a implementação do distanciamento, incluindo limitação de visitas de cuidados de saúde não essenciais. Isso gerou confusão quanto a como os pacientes com doenças crônicas devem equilibrar o manejo de sua doença e reduzir o risco de infecção. Esse processo adaptativo impacta diretamente os sintomas clínicos, especialmente o da dor (Michaud et al. 2020).37 A exposição da população a traumas, como testemunhar e cuidar de pessoas gravemente doentes, percepção de ameaça à vida, mortalidade e luto, mortes de profissionais da saúde, pode prejudicar a saúde mental da população e, consequentemente, aumentar os riscos de desenvolver sofrimento psicológico e progressão para psicopatologia, incluindo transtorno de estresse pós-traumático.”3839

“Além disso, sugere-se que os pacientes com infecção suspeita ou confirmada com o SARS-CoV2 podem sentir medo e ansiedade sobre as consequências da Covid-19, incluindo morte e deficiência física grave. Além disso, o tédio, a solidão e a raiva podem ser experimentados por indivíduos em quarentena. Também é sugerido que os sintomas de ansiedade e angústia podem ser agravados nessas pessoas, sintomas que também podem ocorrer em aqueles que estão em isolamento social.40 Estudos mostram que os indivíduos com doença grave ou múltiplas comorbidades têm níveis mais elevados de sintomas psicológicos em face dessa crise.”

“A intensidade percebida dos sintomas dolorosos é, portanto, exacerbada por sintomas de incapacidade, ansiedade, depressão, distúrbios do sono, baixa qualidade de vida e custos de saúde. Da mesma forma, o sofrimento psicológico foi identificado como uma forma potencial em que um episódio de dor influencia o desenvolvimento de sintomas incapacitantes persistentes.41 Assim, os profissionais de saúde podem encontrar o desafio de lidar com a aumento dos sintomas dolorosos e a dificuldade de reduzir os níveis de incapacidade física de pacientes.”

“Há evidências crescentes de que, quando a educação em neurociência da dor é fornecida para pacientes com dor musculoesquelética crônica, disso pode resultar diminuição de dor, catastrofismo e incapacidade, e melhor desempenho físico (Puentedura e Flynn 2016; Wijma et al. 2016).4243 A educação em neurociência da dor é cada vez mais usada como parte de um tratamento fisioterapêutico em pacientes com dor crônica.”

“As consultas de atendimento primário também exigem novas abordagens. Por exemplo, muitas dessas consultas poderiam ocorrer de forma não-presencial, sem a necessidade de ver o paciente pessoalmente, com a maior parte do encontro histórico ocorrendo por telefone ou videoconferência com os membros da equipe de atendimento primário.”

“Será necessário avaliar os impactos da Covid-19 em pacientes com doenças crônicas, com base em informações multidimensionais e multiprofissionais para se ter uma maneira melhor de tomar decisões e de conduzir os processos de reabilitação.”

“A dor emocional vem do possível ‘abalo’ cognitivo que a pandemia da Covid-19 pode causar, refletindo na capacidade neuroplástica do indivíduo e, consequentemente, no seu comportamento social. Neste follow-up, a relação entre neuroplasticidade e dor emocional, no momento da pandemia da Covid-19, pode ser caracterizada pelo envolvimento da saúde em seu sentido amplo: saúde física, social e saúde mental.”

Tradução livre de trechos do artigo “Physical, Emotional, and Social Pain During Covid-19 Pandemic Related Social Isolation”, publicado pelo site PSYaRxIV em 20/09/2020.

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