Feridas psicossociais podem doer mais do que as físicas. Elas são invisíveis e a mente jamais as esquece.
“Bullying e estresse geram as mesmas reações químicas que alimentam a dor crônica.”
Bullying na escola? Não, não estou falando da eventual dor do seu filho(a), ou de qualquer criança. Mas da sua eventual dor se e quando não for aceito(a) nos currais sociais que hoje a internet coloca à disposição de qualquer um.
Eis um fenômeno de nosso tempo inspirado pela necessidade humana mais antiga: a de pertencer. Ela existe desde que o primeiro primata se deparou com o segundo, eu acho. Pertencer a um grupo, onde ser mais um equivale a ser alguém.
A partir do momento que você tem que pedir para ingressar em algum grupo, seja um clube ou a página de alguém no Facebook, você fica exposto a sofrer uma rejeição: o chamado social bullying, que implica em ferir a reputação ou as relações interpessoais de outrem.Não importa se quem fecha a porta tem razão, ou direito, o cérebro do afetado interpreta isso como exclusão social e, não raro, manda a dor se instalar em algum lugar do seu corpo.
Como assim? A dor social gera dor física?
Exatamente. Ambos os tipos de dor estão intimamente relacionados porque tem o mesmo propósito: proteger o todo, o organismo, o body-self… como quiser chamar. A dor física alerta: “Cuidado com o fogo! Tira a mão daí!”; enquanto a dor emocional adverte: “Não se aproxima de Fulano(a), que é tóxico(a)”.
“Cicatrizes sociais podem ser piores que as físicas: são invisíveis e a mente nunca esquece.”
Além disso, não se engane, a dor física dói, e a dor social também dói. Dói de doer mesmo. Neurocientistas apontam que sentir-se socialmente excluído ativa as mesmas regiões neurais que a dor física – a Ínsula Anterior e o Córtex Cingulado Anterior. Até gatilhos triviais, como o de receber um olhar de desaprovação ou pensar no término de uma relação, aumenta a atividade naquelas regiões cerebrais.1[Internet] researchgate.net. Acesse o link
“Indivíduos que são mais sensitivos à dor física também são mais sensitivos à dor social – e vice-versa; e os fatores que aumentam ou diminuem um tipo de dor alteram o outro de maneira similar.”
Então a dor emocional dói tanto quanto a dor física? Não, dizem outros cientistas. Dói mais. A razão é simples: a dor física passa (se não for crônica, claro), enquanto a dor emocional pode ser revivida milhares de vezes pelo resto da vida. A dor física é tomar consciência de algo que acontece agora; a dor social possui a característica única de ser memorizada, e depois recuperada mesmo à revelia do hospedeiro.3[Internet] ncbi.nlm.nih.gov. Acesse o link
“Os humanos podem reviver e re-experimentar dor social mais facilmente e com maior dano cognitivo que com o dano físico.”
Essa última frase –“…mesmo à revelia do hospedeiro”– é crucial para entender a dor inexplicável, ou crônica, na opinião de alguns cientistas. Aquela diante da qual o médico diz que pode ser qualquer coisa, ou que a coisa está na sua cabeça, segundos antes dele(a) dar a consulta por encerrada – e que afeta a metade dos que padecem de dor crônica.
“E por que não estamos sempre sofrendo por causa de lembranças de traições e outras formas de dor social? Porque somos muito bons em manter essas memórias sepultadas”.
A suspeita, então, é a de que ao longo da vida o cérebro, ou a mente, guarda no subconsciente todas as experiências ruins já vividas no intuito de manter esse material tóxico longe da consciência. Simplesmente porque se ele vier à tona, o body-self seria aniquilado. Para evitar essa possibilidade, como distração, ele, o cérebro, manda a dor acontecer em algum lugar do corpo. (Isso, repito, no caso da dor crônica, a qual, diferente da dor aguda, não protege nem tem causa conhecida.) Ou seja, mesmo que a pessoa não queira, ela pode sofrer dor física por conta de emoções ruins acontecidas no passado. (Daí que a recolecção do ocorrido na infância ocupe um papel central na psicoterapia.)
Moral da estória: próxima vez que pedir para ser adicionado a um grupo no Whatsapp, ou no Instagram… pense duas vezes. Isso pode lhe causar uma dor de dente.