Se você portar leves sintomas de depressão, eles dificilmente serão percebidos numa consulta sobre dor nas costas, quando mais merecerão atenção médica, se percebidos. E será que isso importa? Resposta: muuuito! Veja aqui o porquê.
“Priorizar a especialização sobre a inteligência é rigorosamente errado. Um especialista traz um viés inerente à própria expertise, e pode se sentir ameaçado por um novo tipo de solução que requer novos conhecimentos. Um generalista inteligente não tem preconceito, então é livre para pesquisar uma ampla gama de soluções e gravitar para o melhor.”
Não são poucos os visitantes do blog que se queixam de dor nas costas. Os relatos podem ser curtos ou extensos, alguns claros, outros nem tanto, a maioria comoventes. E com o tempo eu fui percebendo que tinham um denominador comum: o desespero, a frustração, a derrota diante do desconhecido. Essas pessoas não sofrem apenas de dor nas costas, elas também estão deprimidas. “Tecnicamente” deprimidas.
Isso é sério e nada novo. Sério porque tratar dos dois transtornos, dor nas costas e depressão, é tarefa árdua, complicada e cara. E nada novo porque há muito tempo que se sabe do conluio entre ambas.
Num outro post mostrei alguns dados sobre depressão. Apenas lembrando:
“Segundo dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), no dia 23 de fevereiro de 2017, 5,8% da população brasileira sofria de depressão, o que representava 11,5 milhões de brasileiros com a doença em números absolutos. O Brasil é o país com maior prevalência de depressão da América Latina e o segundo com maior prevalência no continente americano, ficando um pouco atrás dos Estados Unidos, que tinha 5,9% de depressivos.”
Agora, vamos a outros dados que atestam a relação dor nas costas e depressão:
- Recentemente, um estudo australiano (Universidade de Sydney) sugere que as pessoas que sofrem de depressão têm uma chance 60% maior de desenvolver dores nas costas ao longo da vida.
- Mais recentemente ainda, um outro estudo abrangendo uma amostra de 7.550 indivíduos, reportou que na população sul-coreana, a prevalência de depressão é significativamente maior em indivíduos com lombalgia (20,3%) do que naqueles sem lombalgia (4,5%).
- Estudos anteriores já tinham descoberto que em cada 100 pessoas com dor nas costas, a metade (50) apresenta sintomas de depressão.
- O panorama no Brasil pode ser extraído de uma pesquisa de adultos realizada em 43 países subdesenvolvidos cobertos pelo World Health Survey – fazem 15 anos! Foi comprovado que nessa amostra, a dor nas costas era prevalente – mais de um terço dos amostrados apresentava dor nas costas – e também que esse distúrbio – ou “incômodo”, como os pesquisadores compassivamente o intitularam – mantinha forte associação com transtornos mentais como ansiedade, problemas do sono e… depressão.
“Mas agora vem a grande descoberta: pessoas com problemas na coluna eram duas vezes mais propensas a desenvolver transtornos mentais como ansiedade, depressão e psicose. Já a parcela que padecia de dor nas costas crônica apresentou um risco três vezes maior de manifestar algum episódio depressivo e 2,6 vezes maior de ter algum evento psicótico.”
Os dados anteriores foram divulgados recentemente (2016), também no Brasil. E não parecem ter suscitado preocupação.
Deveriam. Pense comigo: você sente dor nas costas e vai se consultar com quem? Um médico ortopedista, certamente. Esse profissional é um especialista, porém, ele sabe e se sente bem examinando ossos, articulações, músculos e diagnosticando e tratando em consequência. Se ele souber alguma coisa sobre depressão é uma mosca branca. Nada disso lhe ensinaram na faculdade de medicina, e convenhamos, juntar ortopedia e psicologia “soa” como juntar espaguete com batatas fritas.
Conclusão: se você portar leves sintomas de depressão eles dificilmente serão percebidos nessa consulta, ou merecerão atenção médica, se percebidos. E se durante a anamnese você se manter com a vista perdida no horizonte enquanto rói as unhas, o médico quando mais irá lhe sugerir, polidamente e ao se despedir, você consultar um, bem, alguém com quem conversar, ajuda profissional, essas coisas… Tratar da depressão não é com ele, e por tabela, tratar da ligação entre depressão e dor nas costas, também não.
“Pressupõe-se que a especialização seja lógica, natural e desejável. Mas a ciência avançada descobriu agora que todos os casos conhecidos de extinção biológica foram causados pela superespecialização, quando a concentração em apenas genes selecionados sacrificou a adaptabilidade geral.”
Conclusão da conclusão: se houver mesmo uma forte ligação entre dor nas costas e depressão as suas chances de obter alívio para o seu primeiro problema são mínimas porque o segundo problema – que pode ser uma das causas – passou batido ou ficou para depois, quem sabe…
Patrick Wall (1925-2001), o neurocientista britânico que, junto com Robert Melzack, revolucionou o conhecimento da dor no século passado, escreveu em PAIN, a sua obra póstuma (2000): “Deveríamos examinar a possibilidade de que a dor seja uma síndrome que agrupa um conjunto de sinais e sintomas coincidentes em vez de um único fenômeno separado.” Sinais e sintomas coincidentes. Dor nas costas, um deles.
Uma resposta
Fui diagnosticada com depressão maior, e ultimamente venho sofrendo de dores nas Costas.Uma dor chata que incomoda , chega a ser aguda pois é persistente.