Numa linha de tempo, o conhecimento da dor se divide entre os séculos anteriores à teoria do portão do controle da dor, e as décadas posteriores à mesma. Nesse breve artigo, o Dr. Ronald Melzack, um dos dois autores da teoria, há pouco falecido, reconhece o quanto a dor depende do cérebro e lamenta o pouco que hoje a medicina sabe sobre ele. Mais importante, legitima a noção de que a dor não é apenas uma questão sensorial, e sim um fenômeno multifatorial. Depreende-se disso que a única forma de entender, diagnosticar e tratar a dor é examinando o paciente com base num enfoque biopsicossocial/espiritual. A mensagem do artigo é muito precisa. O seu entendimento por parte da medicina clínica infelizmente, nem tanto.
A contribuição mais importante da teoria do portão do controle da dor para a compreensão da dor foi sua ênfase nos mecanismos neurais centrais. A teoria forçou as ciências médicas e biológicas a aceitar o cérebro como um sistema ativo que filtra, seleciona e modula os inputs. Os chifres dorsais também não eram meramente estações de transmissão passiva, mas locais nos quais ocorriam atividades dinâmicas (inibição, excitação e modulação).
O grande desafio que temos pela frente é entender o funcionamento do cérebro. Propus, portanto, que o cérebro possui uma rede neural – a neuromatriz corporal – que integra vários inputs para produzir o padrão de saída que evoca a dor. A neuromatriz corporal compreende uma rede neural amplamente distribuída que inclui componentes somatossensorial paralelo, límbico e tálamo-cortical que servem às dimensões discriminativo-sensoriais, afetivo-motivacionais e avaliativa-cognitivas da experiência de dor.
A arquitetura sináptica da neuromatriz é determinada por influências genéticas e sensoriais. A saída da neuromatriz – padrões de impulsos nervosos de dimensões temporais e espaciais variáveis – é produzida por programas neurais geneticamente incorporados à neuromatriz e determina as qualidades particulares e outras propriedades da experiência e do comportamento da dor.
Múltiplos inputs que atuam nos programas de neuromatriz e contribuem para a saída de neurossignatura incluem:
- entradas sensoriais (cutâneos, viscerais e outros receptores somáticos);
- informações visuais e outras informações sensoriais que influenciam a interpretação cognitiva da situação;
- entradas cognitivas e emocionais fásicas e tônicas de outras áreas do cérebro;
- modulação inibitória neural intrínseca inerente a todas as funções cerebrais;
- a atividade dos sistemas de regulação do estresse do corpo, incluindo citocinas, bem como os sistemas endócrino, autônomo, imunológico e opioide.
Percorremos um longo caminho desde o conceito psicofísico que busca uma relação simples e direta entre lesão e dor. Temos agora um arcabouço teórico no qual um modelo geneticamente determinado para o corpo é modulado pelo poderoso sistema de estresse e pelas funções cognitivas do cérebro, além das entradas sensoriais tradicionais.