Será que todas as doenças crônicas apresentam o mesmo risco quando associadas ao COVID-19? E de que tipo de risco está se falando? Em cada 2 brasileiros é provável que um deles seja portador de uma ou mais doenças crônicas – principalmente se tiver acima de 60 anos. Isso deve somar milhões de pessoas. Todas elas devem ficar igualmente angustiadas ante a perspectiva de “pegar o vírus”? Veja nesse post respostas a essa pergunta que a mídia ainda não trouxe.
“’Risco’ pode significar ‘merda acontece’ ou ‘boa sorte’”.
Se você estiver em maior risco de doença grave por causa do COVID-19, seja devido a sua idade ou por ter um grave problema de saúde persistente, crônico, deve estar se perguntando: “Afinal, de que risco estamos falando?” e “Todas as doenças crônicas apresentam o mesmo risco quando associadas ao COVID 19?”.
Bem, o risco é mesmo de morte – ou “taxa de fatalidade”, ou fatality rate, no jargão cientista. Nada bom.
Quanto às doenças crônicas, elas são muitas, muitas… As mais comuns incluem artrite, asma, câncer, doença pulmonar obstrutiva crônica, diabetes e algumas doenças virais, como hepatite C e síndrome da imunodeficiência adquirida. Problemas cardiológicos e distúrbios mentais, como ansiedade e depressão também são considerados doenças crônicas. Agregue-se ao lote doenças não transmissíveis diretamente de uma pessoa para outra, como a doença de Parkinson, doenças autoimunes, derrames, a maioria das doenças cardíacas, a maioria dos cânceres, doença renal crônica, osteoartrite, osteoporose, doença de Alzheimer, catarata, hipertensão, derrame, obesidade, doenças bucais e outros. E last but not least, doenças que ainda estão para ser decifradas pela ciência médica, como a fibromialgia.
No Brasil, aliás, as doenças crônicas mais comuns seriam colesterol alto, DPOC (Doença pulmonar obstrutiva crônica), hipertensão, osteoporose, Mal de Parkinson, Doença de Alzheimer, asma, diabetes, derrame cerebral e câncer.
Ok, a leitura dos dois parágrafos anteriores é meio enfadonha, claro. Porém, eu tive que recorrer a ela para destacar que o que você já ouviu inúmeras vezes na mídia, isso de que: “O Covid-19 ataca idosos e portadores de doenças crônicas”, beira o irresponsável.
Essas doenças, somadas e muitas vezes combinadas (a tal da comorbidade, comentada em outro post) abrangem uma proporção enooooooooorme da população de um país. Para se ter uma ideia, nos Estados Unidos, quase metade (aproximadamente 45%, ou 133 milhões) de todos os americanos sofrem de pelo menos uma doença crônica, e o número está crescendo.
Por outro lado, ser portador de uma ou mais doenças crônicas é nada ameno: elas podem levar à hospitalização, incapacidade prolongada, qualidade de vida reduzida e morte – elas são responsáveis por sete em cada 10 mortes nos EUA, matando mais de 1,7 milhão de americanos a cada ano – fora o estigma que, para muitos, essas doenças representam na sociedade.
Onde eu quero chegar? A que nesses tempos nervosos em que tanto se aconselha prudência e calma, só de ouvir falar, milhões de cidadãos acima dos 60 anos atualmente podem estar perdendo o sono (de que tanto precisam para preservar a pouca imunidade que lhes resta)… à toa.
O Covid-19 tem mais chances de se firmar num organismo velho e cronicamente abalado, do que noutro mais jovem e saudável, é verdade. Contudo, pelo que se sabe até aqui um idoso sofrendo de osteartrite, Alzheimer, ou fibromialgia, que vier a “pegar o vírus” não apresenta nem de longe o mesmo risco que outro da mesma idade, portador de doença cardíaca ou hepática – este último, dito pelo Dr. Chris Whitty, Chief Medical Officer do Governo británico, ao se dirigir ao povo no dia de ontem em cadeia nacional.
Por outro lado, informações precoces da China, onde o COVID-19 começou, mostram que os que correm maior risco de ficar muito doentes com essa doença são, sim, adultos mais velhos, mas também pessoas que têm doenças cardíacas, diabetes e doença pulmonar/respiratória, principalmente. Esta opinião é endossada pelo Centers for Disease Control and Prevention, a agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, responsável pela proteção da saúde pública e da segurança da população.
OS FATORES DE RISCO SEGUNDO ESTUDOS RECENTES
De fato, um estudo abrangendo 200 pacientes hospitalizados com COVID-19 em Wuhan, China, mostrou que os fatores que aumentaram o risco de desenvolver síndrome da angústia respiratória aguda (SDRA) e morrer, incluíram:
- idade avançada,
- neutrofilia (número aumentado de granulócitos neutrófilos, um tipo de glóbulos brancos)
- níveis mais elevados de lactato desidrogenase (uma enzima que participa do processo de transformar a glicose em energia das células de animais, plantas e até de bactérias… doenças que rompem essas células liberam LDH no sangue), e
- dímero D (medida do sangue relacionada a trombose venosa profunda, que é a formação de coágulos nas veias), segundo o JAMA Estudo de Medicina Interna. Entre os pacientes com SDRA, a metilprednisolona foi associada a menor risco de morte.
Nota do blog:
A Organização Mundial da Saúde acaba de atualizar suas orientações clínicas provisórias para infecção respiratória aguda grave quando houver suspeita de COVID-19. Abrange as melhores práticas para prevenção e controle de infecções, triagem e gerenciamento de doenças.
Por fim, um artigo recém publicado de autoria de três pesquisadores portugueses da Universidade de Coimbra – “Estimation of risk factors for COVID-19 mortality – preliminary results” – também baseado em dados chineses, faz uma comparação direta entre fatores de risco e uma avaliação de sua importância para o “resultado final” (morte por causa de COVID-19).
Em síntese, pacientes idosos (acima de 60 anos) apresentam risco mais alto para COVID-19, mesmo maior do que ter qualquer comorbidade.
Nota do blog:
Alvan Feinstein, epidemiologista da The University of Chicago cunhou o termo comorbidade em 1970, definindo-o como a presença de “uma entidade clínica adicional distinta”. … Algumas comorbidades dependem de condições pré-existentes, como insuficiência cardíaca em pacientes com hipertensão.
Voltando ao estudo dos portugueses. Parece também que pacientes adultos jovens (30-39 anos) apresentam alguma proteção. Em relação às comorbidades, a doença cardiovascular parece ser a de maior risco, que é mais alto do que ter uma doença respiratória crônica.
Ah, e um detalhe: no que diz respeito ao gênero, homens estariam mais em risco.
(A abordagem adotada neste trabalho possui várias limitações. A taxa de fatalidade utilizada, por exemplo, é uma medida fraca, pois depende muito do correto número de casos diagnosticados e também do resultado final dos casos atuais.)