Em geral, as reações do paciente com dor crônica não são as melhores. Falta de movimento, consultas médicas frequentes, consumo de analgésicos além do tempo prescrito pelo médico etc. são comportamentos comuns. Comportamentos, no entanto, são reflexos da maneira de pensar sobre um assunto – dor, no caso. Portanto, o que e como esse paciente pensa sobre sua dor desempenha um papel crítico na sua experiência da dor. Indivíduos que, por exemplo, respondem às crises de dor com pensamentos que enfatizam sua capacidade de controlar a dor, ao invés de a experiência negativa da dor, relatam menos dor do que seus colegas com padrões cognitivos menos construtivos. Ao contrário, medos sobre dor e lesões motivam terapias passivas inúteis (ex.: repouso, medicação…), que podem até exacerbar a dor. Este post se refere a uma intervenção que tem como alvo esses pensamentos tóxicos, representados por cognições e crenças negativas sobre a dor e suas circunstâncias.
Nesse semestre, a Dra. Luci Mara França e eu iremos deslanchar uma intervenção inovadora para começar a tratar corretamente da dor crônica. Os termos “inovadora” e “corretamente”, não são casuais. A iniciativa é inovadora por duas razões: demora somente 3 horas, envolve um grupo limitado a 7 pacientes com dor crônica e mira na dimensão afetiva, emocional da dor crônica, ao invés de na dimensão fisiológica. Quanto a “tratar corretamente da dor crônica”, a explicação é simples: hoje é cristalino que a dor crônica seja, em grande medida, uma dor nociplástica, ora presente na International Classification of Diseases-11. Isto é, tecnicamente, uma:
“Dor que surge da nocicepção alterada, apesar de nenhuma evidência clara de dano tecidual real ou ameaçador causando a ativação de nociceptores periféricos ou evidência de doença ou lesão do sistema somatossensorial causando a dor”.
Em bom português: uma dor sem causa – ferida, lesão, dano – aparente.
E o que pode estar causando essa dor tipo Mandrake? A dimensão afetiva da dor crônica, certamente. E nada há de genial nessa afirmação; qualquer bípede bem informado do que a neurociência atualmente diz sobre a dor crônica, pode supor aquilo e mais um pouco. Esse é, enfim, o “enfoque correto da dor crônica” porque, para desconforto dos médicos, ela costuma ser nociplástica muito mais frequentemente do que se pensa.
Qual é o alvo de “CONTROLANDO A DOR CRÔNICA”, como denominamos a nossa intervenção? Pensamentos sobre a dor que os eruditos qualificam como “desadaptativos”, e que nós rotulamos de “tóxicos”. Por que a distinção?
O pensamento desadaptativo se refere a uma convicção falsa e racionalmente sem suporte – o que Albert Ellis chamou de “crença irracional”. (O psicólogo Albert Ellis é o criador da Teoria Racional-Emotiva Comportamental. O modelo de terapia de Ellis envolve a identificação das crenças irracionais e a promoção de debate com o cliente a fim de questionar suas crenças desadaptativas e alterá-las, baseado num modelo educacional em que o cliente aprende sobre o seu problema e sobre como manejá-lo.)
O pensamento “tóxico” evoca algo mais grave. E também diretamente relacionado ao manejo (em geral, equivocado) da dor crônica.
Eu preferi chamar de “tóxicos” os pensamentos negativos sobre a dor para destacar sua natureza poluente e a sua capacidade de amplificar o estresse.
- A poluição do ar envenena o organismo, o cérebro inclusive, e há estudos que mostram ela estar ligada a um risco aumentado de transtornos mentais como depressão e esquizofrenia, com danos começando já na infância. Pensamentos negativos sobre a dor, como que ela não tem solução e pode até matar, provocam o mesmo efeito. Eles podem igualmente levar um paciente fragilizado emocionalmente à loucura, de quebra arrasando família, trabalho e futuro.
- E quanto ao estresse? Evidências fornecidas por neurocientistas de ponta indicam que a cronificação da dor e do estresse se dá pelas mesmas vias neurais no cérebro e que em ambos os casos ela é propulsionada por informações emocionais negativas.
- No estresse crônico, o corpo está sobrecarregado com hormônios que alteram os neuroquímicos no cérebro afetando humor, raciocínio e comportamento. Como não chamar de “tóxicos” os pensamentos que provocam isso?
Em suma, pensamentos tóxicos não são inofensivos, nem incorpóreos. Eles destroem células e o fazem por vias bioquímicas, no sistema nervoso.
Agora, como a intenção de “CONTROLANDO A DOR CRÔNICA” é ajudar a pessoa com dor a reduzir esse risco mudando sua maneira de pensar sobre a dor é preciso definir melhor o objeto da mudança.
Cognições e crenças, no caso. São estas as formas psicológicas predominantes entre os pensamentos tóxicos.
De fato, a literatura científica mais recente sobre a dor crônica mostra que, quanto mais a terapia cognitivo-comportamental se perfila como uma opção importante no seu tratamento, maior atenção é dada às cognições e crenças relacionadas à dor.
- Uma cognição é o resultado do processo de pensar; ou seja, a interpretação que a pessoa faz do ambiente em volta e também de si mesmo para tomar as decisões acerca do próprio comportamento. Por exemplo, o paciente com dor crônica relata seu drama ao médico e diante da falta de causa aparente para a dor, este último diz que é tudo imaginação, provavelmente resultante do estresse etc. Consequentemente, o paciente sai da consulta sentindo raiva (“Ele achou que eu sou louco”); angústia (“Afinal, o que eu tenho?”); e desamparo (“Se um médico não me cura, quem pode?”)… e em seguida sai à procura de um outro médico.
- Crenças são estados mentais em que se assume que algo é verdadeiro ou provável. Crença em Deus, nos santos, na medicina, na ciência etc. “Há um ano que estou com dor no braço. Foi a vacina.” “O médico estuda anos como curar a dor. Se ele acha isso ou aquilo, quem sou eu para questionar?”
Em suma, cognição tem a ver com “Eu sei”, e crença com “Eu acredito”.
Certas cognições e crenças são adaptativas e ajudam os pacientes a lidar com a experiência da dor. A crença do paciente de que a sua dor pode ser compreendida (pelo médico, principalmente), por exemplo, tem sido associada a uma melhor adesão ao tratamento e ao uso de estratégias adaptativas de enfrentamento.1[Internet] Academic.oup.com. Acesse o link.
Contudo, nós estamos interessados nas cognições e crenças que aumentam a dor e o sofrimento afetivo, que constituem a maioria. (Entende-se aqui por “sofrimento afetivo”, o efeito emocional deletério que a dor persistente e os sintomas que a acompanham, como fadiga, sono ruim e raciocínio perturbado etc., tem sobre a psique e o humor da pessoa.) A crença de que a dor é inexplicável e misteriosa está relacionada a uma maior catastrofização, bem como ao sofrimento psicossocial.
O exercício incluído em “CONTROLANDO A DOR CRÔNICA” que ensina a lidar com pensamentos “tóxicos” visa desintoxicar a mente em relação à dor.
As etapas são três:
- A primeira etapa consiste em identificar as nossas principais cognições e crenças relacionadas à dor, adaptativas e desadaptativas. Isso pode melhorar a nossa compreensão sobre por que respondemos à dor e seus sintomas da maneira que o fazemos – por exemplo, evitando movimentos, catastrofizando e se apressando em marcar consulta médica.
- A segunda etapa requer mudar as cognições e crenças sobre a dor mais relacionadas às reações desadaptativas. Assim, é possível a pessoa melhorar suas respostas individuais à dor crônica e adotar intervenções de tratamento mais eficazes.
- Na terceira etapa é especificado o que deve mudar na sequência (ex.: comportamentos). Não adianta mudar a maneira de pensar sobre algo e continuar como se nada tivesse acontecido, certo?
“CONTROLANDO A DOR CRÔNICA” comporta vários exercícios e, portanto, a limitação de tempo (3 horas) obriga a praticar cada um deles apenas superficialmente. O objetivo possível a ser atingido em qualquer caso, é o de fornecer uma ferramenta para o participante usá-la quando quiser; isto, claro, se quiser realmente enfrentar a sua dor crônica com chances de aliviá-la.
2 respostas
Tenho uma dor crônica no nariz,não é rinite…ja fiz ultra-som do seio da face é muitos outros,nada foi descoberto.
Não sei que especialista procurar.
Passei com a neuro,até ela desistir de mim.
Disse que eu devo procurar um grupo de dor.
Estou muito mal,com muito dor…me entupido de analgésico e nada de melhora.
As vezes acho que vou enlouquecer.
Com tão pouca informação é temerário opinar qualquer coisa. Dor crônica, nariz… a consulta deveria ser com um otorrino, mas se você já fez ultrassom no seio da face, eu suponho que já passou por isso. Quanto a procurar um grupo de dor, bom seria antes descartar definitivamente dano estrutural, o que hoje parece prematuro. Enfim, o único que eu posso agregar a essas obviedades, é que embora a sua situação seja desesperadora – eu acredito que seja e respeito demais a sua angústia – é que se deixar capturar psicologicamente pela dor é a pior forma de encará-la. A menos que você se sinta capaz de remontar sozinha essa tempestade emocional, típica de pacientes com dor crônica sem solução à vista, talvez seja hora de procurar ajuda com um especialista em saúde mental. (Não, eu nem de longe quero sugerir que você esteja mal da cabeça. Apenas está num momento delicado de sua vida em que lidar com uma dor persistente é difícil para qualquer um).