Tecnicamente, a fibromialgia é classificada como um distúrbio inflamatório, mas evidências crescentes apontam para que seja um distúrbio do sistema nervoso central. Se você tem fibromialgia, a dor, a fadiga, a decognição, as mudanças de humor e outras anomalias fazem parte dessa doença crônica e debilitante. E deveriam assim, integrar o quadro clínico a ser traçado e tratado na primeira consulta médica. Para tanto, o médico de atenção primária consultado por um paciente apresentando sintomas de fibromialgia, ou doença crônica semelhante, deveria, por sua vez, estar cientificamente preparado e motivacionalmente disposto para tanto. E será que hoje ele(a) está?
“Sem ver todo o quadro e sem conhecer toda a história da vida de um homem, nossos julgamentos sobre ele provavelmente serão errados e injustos!”
Mais do que sentir dor
Se você visita este site com relativa frequência já conhece os sintomas da fibromialgia. E há de convir comigo que esses transtornos podem levar a problemas de saúde mental. Sempre que você está com dor, seu humor muda abruptamente na medida que a dor toma conta do seu bem-estar. E quando você está com dor o tempo todo – ou quase isso – há o risco de se chegar a adquirir ou a apoiar outras doenças crônicas como a depressão. O conjunto não só dificulta um tratamento de dor, como também pode prejudicar a saúde e a qualidade de vida por si só.
Quando você tem uma condição como a fibromialgia, a dor não é só implacável: ela é também inexplicável, o que agrega incerteza e estresse ao quadro clínico. O desgaste físico, mental e emocional é enorme, como o sistema nervoso central do paciente trabalhando horas extras em marcha forçada. Ninguém suporta isso durante meses e anos com os pensamentos em ordem.
Não é surpresa, portanto, que numerosos estudos ilustrem a relação entre dor crônica e distúrbios de saúde mental. A associação ou sobreposição é considerável.
Fibromialgia e saúde mental
Uma preocupação significativa quando se trata de fibromialgia é a ligação com o transtorno depressivo maior. Pessoas com fibromialgia são três vezes mais propensas a ter depressão quando são diagnosticadas do que aquelas que não têm a doença.
Além da depressão, a fibromialgia está ligada a vários outros problemas de saúde mental, incluindo:
- Ansiedade
- Transtorno de personalidade limítrofe
- Transtorno obsessivo-compulsivo
- Transtorno de estresse pós-traumático
Além disso, aqueles que têm fibromialgia são mais propensos a ter uma autoimagem negativa, baixa autoestima e problemas com relacionamentos sociais e íntimos.
Embora todos esses problemas possam afetar como você se sente, a regulação do humor parece fazer parte da fibromialgia. Um estudo com 47 pacientes com fibromialgia descobriu que “os pacientes tinham maiores dificuldades no processo de regulação emocional. Também, a rejeição emocional e a interferência são duas variáveis que influenciam a gravidade da dor e a incapacidade.
Em outras palavras, a regulação emocional e a fibromialgia estão conectadas, cada uma influenciando a outra.
A conclusão é que a fibromialgia pode afetar muito o humor do paciente, e é por isso que ter os especialistas certos ao seu lado é fundamental.
A minha pergunta é: por que os “especialistas” em primeira instância? Por que dizer logo a um paciente claramente angustiado pela dor que sente que: “seria bom ele ver um psicólogo?”. A essa altura e dependendo do caso, isso pode ser uma violência desnecessária que pode até agravar o quadro do paciente.
Eu acabo de ler o artigo do staff médico da Clínica Mayo antes citado. Ele conclui assim:
“Depressão, ansiedade e SUD (Substance Use Disorder) são altamente prevalentes em condições de dor crônica frequentemente encontradas na prática clínica diária. Consistente com os princípios que regem a matriz da dor, estudos de imagem funcional sugerem que mecanismos neurais compartilhados contribuem para a relação bidirecional entre dor crônica e distúrbios de saúde mental. Intervenções comportamentais estão associadas a melhorias sustentadas em uma ampla gama de parâmetros funcionais, e o uso de medicamentos analgésicos com eficácia tanto para dor quanto para distúrbios de saúde mental deve ser considerado como agente de primeira linha em pacientes com dor crônica.”
Concluindo então, não há dúvida que:
- O paciente com fibromialgia – ou com qualquer outra síndrome parecida, e há várias… – arrisca seriamente ter, ou vir a ter, um transtorno mental ou vários.
- Que a possibilidade desse risco deve NECESSSARIAMENTE integrar o quadro clínico a ser reconhecido pelo médico de atenção primária – entendendo por isto a atenção médica que o paciente primeiro acessa quando acometido pela dor – especialmente se imprevista e inexplicável.
- Que o profissional da saúde nesse nível deveria estar plenamente capacitado para acolher, entender e orientar o paciente em risco biopsicológico ANTES de, como atualmente ocorre, simplesmente encaminhá-lo a um psicólogo ou psiquiatra. Ou, pior ainda, de simplesmente fazer cara de paisagem se o paciente relatar que está sofrendo, e passar ao largo “desse-lado-psicológico-do-problema-do-qual-eu-nada-sei-porque-nada-disso-me-ensinaram-na faculdade-de-medicina”.