A ansiedade é hoje, no Brasil e no mundo, a doença mental mais prevalente – disputando no podium com a depressão. Se não for tratada, a ansiedade geralmente funciona como um distúrbio de “porta de entrada” para situações médicas muito piores. O isolamento que ela incentiva leva ao abuso de drogas e álcool e, às vezes, à depressão. Além disso, com o passar do tempo, a ansiedade extrema fortalece doenças crônicas e dores crônicas. O seu tratamento rápido, portanto, não é mais uma recomendação médica de segunda ou terceira ordem, e sim imperativa. O principal objetivo do artigo a seguir é descrever as opções de tratamento ora disponíveis, mas há muito mais nele capaz de interessar a médicos e pacientes.
Nota do blog:
Em 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou uma pesquisa sobre as duas doenças psiquiátricas mais comuns que afetam a população mundial: os transtornos depressivos e de ansiedade.
De acordo com essa pesquisa, o Brasil liderava o mundo em prevalência de transtornos de ansiedade e ocupa o quinto lugar em taxas de depressão.
Cinco anos depois, um estudo transversal realizado com brasileiros durante a pandemia Covid-19, especifica melhor esse achado. Realizado pela internet, ele obteve 1.775 respostas, 78% de mulheres.
Nesse estudo a ansiedade cravou 4,47%. Projetando simploriamente esse dado em nível nacional, tem-se em torno de 10 milhões de portadores do transtorno. (Uma pesquisa semelhante conduzida na Itália com 2.766 participantes encontrou uma média menor, 2,89%, ainda que também expressiva do ponto de vista populacional.)
Esses dados, embora significativos, empalidecem quando comparados ao dos Estados Unidos. Nesse país, a ansiedade atualmente é a doença mental mais comum, afetando mais de 40 milhões de pessoas, a maioria adultos jovens. Muitos deles sofrendo sozinhos. A Anxiety and Depression Association of America (ADAA) estima que apenas 36,9% estão recebendo tratamento – e as consequências disso são enormes.
O relatório da Organização Mundial da Saúde afirmava:
“Qualquer que seja a extensão exata do problema no Brasil e no mundo, já é uma questão coletiva, e o fardo pessoal e financeiro da ansiedade e da depressão exige uma ação rápida e coordenada da comunidade científica e de agências governamentais.”
A síndrome de ansiedade generalizada, porém, é uma doença crônica como qualquer outra. Ela precisa de ser informada, também, em nível micro, onde deveria interessar a duas pessoas: o portador e o médico de atenção primária, aquele que é consultado em primeira mão. O artigo a seguir foi destinado ao médico, mas eu penso que não há nada nele que um paciente ansioso possa achar inútil ou difícil de entender.
O artigo “Diagnóstico e tratamento atuais dos transtornos de ansiedade”, de autoria de Alexander Bystritsky , Sahib S. Khalsa , Michael E. Cameron , e Jason Schiffman, é uma síntese atualizada e exaustiva sobre a ansiedade. A nós o tema interessa sobremaneira porque ansiedade e dor crônica andam de mãos dadas. Estudos recentes mostram que a ansiedade tem tanta probabilidade de coocorrer com condições de dor crônica quanto a depressão. O que, aliás, tem implicações no impacto e no resultado das condições de dor. Por fim, embora seja intuitivamente plausível supor que a ansiedade decorre da dor crônica, há evidências de uma relação causal reversa e fatores de risco compartilhados entre as duas condições, como por exemplo, o trauma infantil.
O artigo é bastante extenso e acessível a profissionais da saúde minimamente familiarizados com o tema central. Ele será postado em 6 partes, além da Introdução.
INTRODUÇÃO
Os transtornos de ansiedade estão presentes em até 13,3% dos indivíduos nos EUA e constituem o subgrupo mais prevalente de transtornos mentais.5Kessler RC, McGonagle KA, Zhao S, et al. Lifetime and 12-month prevalence of DSM-III-Rpsychiatric disorders in the United States: Results from the National Comorbidity Survey. Arch Gen Psychiatry. 1994;51(1):8–19. [PubMed] [Google Scholar] A extensão de sua prevalência foi revelada pela primeira vez no estudo da Área de Captação Epidemiológica há cerca de 26 anos.6Weissman MM, Merikangas KR. The epidemiology of anxiety and panic disorders: An update. J Clin Psychiatry. 1986;(47 Suppl):11–17. [PubMed] [Google Scholar] Apesar de sua ampla prevalência, esses distúrbios não receberam o mesmo reconhecimento que outras síndromes importantes, como humor e distúrbios psicóticos; além disso, o médico da atenção primária geralmente é o principal avaliador e fornecedor de tratamento.7Roy-Byrne PP, Craske MG, Stein MB, et al. A randomized effectiveness trial of cognitive–behavioral therapy and medication for primary care panic disorder. Arch Gen Psychiatry. 2005;62(3):290–298. [PMC free article][PubMed] [Google Scholar]8Stein MB, Sherbourne MG, Craske MG, et al. Quality of care for primary care patients with anxiety disorders. Am J Psychiatry. 2004;161(12):2230–2237. [PubMed] [Google Scholar] Como resultado desse ambiente de gerenciamento, pode-se dizer que os transtornos de ansiedade são responsáveis pela diminuição da produtividade, aumento das taxas de morbidade e mortalidade e crescimento do abuso de álcool e drogas em um grande segmento da população.9Leon AC, Portera L, Weissman MM. The social costs of anxiety disorders. Br J Psychiatry Suppl. 1995;(27):19–22. [PubMed] [Google Scholar]10Wittchen HU, Fehm L. Epidemiology, patterns of comorbidity, and associated disabilities of social phobia. Psychiatr Clin North Am. 2001;24(4):617–641. [PubMed] [Google Scholar]11Wittchen HU, Kessler RC, Beesdo K, et al. Generalized anxiety and depression in primar y care: Prevalence, recognition, and management. J Clin Psychiatry. 2002;63(Suppl 8):24–34. [PubMed] [Google Scholar]
Os transtornos de ansiedade atualmente incluídos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 4ª ed., Revisão de texto (DSM IV-TR) estão listados na Tabela 1.12Diagnostic and Statistical Manual for Mental Disorders (DSM-IV)Washington, D.C: American Psychiatric Association; 2000. [Google Scholar]
Tabela 1
Transtornos de Ansiedade
Transtorno do pânico (TP) | Especificador: com ou sem agorafobia.
Agorafobia: a pessoa fica ansiosa em lugares desconhecidos ou sente que não tem muito controle sobre a situação. É comum que isso aconteça junto com crises de pânico. |
Transtorno do pânico com agorafobia (TPA) | – |
Fobia social (FS) | Especificador: generalizado. |
Fobias específicas (FE) | Especificador: animal, ambiental, lesão por injeção de sangue, tipo situacional. |
Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) | Especificador: agudo versus crônico, com início tardio. |
Transtorno de estresse agudo | – |
Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) | Especificador: com pouca visão. |
Transtornos de ansiedade devido a: | Especificador: com ansiedade generalizada, com ataques de pânico, com sintomas obsessivo-compulsivos. |
Os avanços na pesquisa de ansiedade na década anterior provavelmente se refletirão nas modificações dos critérios de diagnóstico no próximo DSM-5,13Coutinho FC, Dias GP, do Nascimonto Bevilaqua MC, et al. Current concept of anxiety: Implications from Darwin to the DSM-Vfor the diagnosis of generalized anxiety disorder. Exp Rev Neurother. 2010;10(8):1307–1320. [PubMed] [Google Scholar] planejado para publicação em maio de 2013. Por exemplo, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) foram reclassificados nos domínios separados de Transtornos Relacionados ao Trauma e Estressores e Transtornos Obsessivo-Compulsivos e Relacionados, respectivamente.14Stein DJ, Fineberg NA, Bienvu J, et al. Should OCD be classified as an anxiety disorder in DSM-V?Depress Anxiety. 2010;27(6):495–506. [PubMed] [Google Scholar]15Phillips KA, Friedman MJ, Stein DJ, et al. Special DSM-Vissues on anxiety, obsessive–compulsive spectrum, posttraumatic, and dissociative disorders. Depress Anxiety. 2010;27(2):91–92. [PubMed] [Google Scholar]
Neste artigo, dividido em seis partes, comentaremos:
- os desafios para o diagnóstico de transtornos de ansiedade,
- as mudanças nos sintomas de ansiedade ao longo do tempo,
- o efeito desses transtornos sobre os sistemas de neurotransmissores e
- os papéis e a eficácia relativa dos efeitos farmacológicos e não-farmacológicos de tratamentos da ansiedade, além de outros aspectos.
Não perca as próximas 6 partes do artigo a serem publicadas semanalmente.
2 respostas
Muito bom conteúdo! Aguardo “ansiosa” pela parte 2 ?
Agradeço seu comentário. Não precisa ficar ansiosa. A parte 2 será publicada na terça-feira, 28/09.