Na última década um grupo de doenças crônicas, as autoimunes mais a fibromialgia, tem sido associadas à hipersensibilidade do Sistema Nervoso Central e Sistema Nervoso Periférico. Grosso modo, hipersensibilidade significa que a pessoa doente sente mais dor do que sentiria se estivesse saudável. Mas o que é “sentir mais dor”? Isso tem a ver com o limiar de sensibilidade, o limiar da tolerância e a intensidade da dor da pessoa num determinado momento. Se você for portador de uma ou mais dessas doenças que provocam hipersensibilidade, e quiser conversar com o seu médico sobre isso, é imprescindível entender e diferenciar bem esses três conceitos.
“Eu posso suportar qualquer dor, desde que tenha significado.”
Eu costumo circular os posts que redijo entre algumas pessoas com e sem conhecimento na área da saúde antes de publicá-los. As observações mais produtivas quase sempre vêm dos que menos sabem do riscado. Conceitos e termos que são corriqueiros para médicos, fisioterapeutas e etc., parecem hieroglíficos aos pacientes deles.
Três desses conceitos são essenciais para o entendimento da percepção da dor: o limiar de sensibilidade, o limiar de tolerância e a intensidade da dor. A necessidade de distingui-los surgiu da descoberta de que a dor aguda intensifica a dor, reportada por pesquisadores da Universidade de Tel Aviv e exposta por mim em post publicado recentemente.
O experimento, enfim, mostrou que:
“Embora os limiares de sensibilidade à dor e de tolerância parecessem não afetados pelo estresse agudo, houve um aumento significativo na sua intensificação.”
Então, alguém comentou: “Ora, se as duas medidas de dor ficaram estáveis, como é que a dor se intensificou?”
Boa pergunta, ao menos para leigos como eu. Então, vamos comer o elefante por partes:
Limiar de dor, ou mais precisamente “limiar da sensibilidade à dor”, é o momento preciso em que a pessoa sente dor. O segundo exato em que ela grita: “Aiiiiiiiiii!!!!!!!”, após sofrer uma agressão – ou “estímulo nociceptivo”, no linguajar dos entendidos.
Limiar de tolerância à dor tem a ver com quanto a pessoa suporta a dor. Por exemplo, você decide torturar o seu cunhado enfiando alfinetes nas bochechas dele. Você enfia o primeiro e nada; o segundo alfinete traz à tona alguns palavrões dedicados à sua mãe, porém, no terceiro o dito cujo capitula. “Não aguento mais! Eu confesso!”, ele exclama. Eis o limiar de tolerância à dor. O do seu cunhado, note-se. Tanto o limiar da sensibilidade à dor, e da tolerância à dor, caem na categoria de “pessoal e intransferível”.
Na superfície, esses dois conceitos podem parecer semelhantes, mas são completamente distintos. Alguém com um limiar de sensibilidade à dor baixo pode ter um limiar de tolerância à dor alto e vice-versa.
Imagine dois irmãos gêmeos que por acaso sofrem uma mesma lesão tecidual grave ao mesmo tempo. Fulano raramente sente dor (limiar alto), e como a percepção não lhe é familiar, sua tolerância à dor é baixa. Enquanto isso, Sicrano, o irmão gêmeo, padece de fibromialgia e sente dor o tempo todo. O seu limiar de sensibilidade à dor é baixo, mas mesmo assim ele provavelmente consegue tolerar altos níveis de dor.
E agora suponha que você é o médico cirurgião que irá operar ambos. Você não deveria saber das diferenças anteriores com vistas às dores pós-operatórias que seguramente haverá?
E tem mais. Uma pessoa com um baixo limiar e baixa tolerância tende a sofrer bastante e a se sentir severamente debilitada ao sentir dor. E por isso mesmo ela pode vir a ser prejulgada como “fraca” ou “simuladora”, por outras pessoas!
E a intensificação da dor? Eu particularmente a defino como “o estado doloroso no momento”. Para encurtar a estória, basta dizer que a intensidade da dor é medida frequentemente numa escala numérica de 11 pontos (pain intensity numerical rating scale, PI-NRS), onde 0 é “nenhuma dor” e 10 é “a pior dor possível”. A diferença desse conceito com os limiares de dor comentados antes é que a sua medição é independente do exercício de um estímulo específico (ex.: calor, pressão etc.). A intensidade da dor é simplesmente a dor que em geral a pessoa diz sentir no momento da medição.
Se você chegou até aqui na leitura e ainda pensa que aquilo foi pura masturbação, por enquanto eu lhe dou razão. Afinal, falar de dor é chato, e que importância pode ter isso de distinguir entre limiares de dor e etc.? É aí… até o momento de você, deitado numa sala de operações, o anestesiologista já contando 5, 4, 3… reparar em que até esse momento ninguém lhe perguntou nada sobre seus limiares de dor.
Uma resposta
Sofro com dor crônica no meu lado esquerdo, quadril, perna, rosto e principalmente a boca. Tomar uma anestesia na boca dói demais, qualquer coisa que faço me tira o juízo…. Uso dois neuroestimuladores, um na medula e um no cérebro… Sentir dor o tempo todo não é fácil…