Nesse momento, no mundo deve haver uns 10 milhões de long haulers, os que vivem com sintomas da Covid-19 meses depois de ter se livrado da doença. E muitos milhões mais, que não sabem que o serão. Há 9 meses, pensava-se que fossem eles, os long haulers, apenas os sobreviventes de uma longa e sofrida hospitalização por conta da Covid. Uma pesquisa massiva, porém, acaba de revelar que a Covid Longa pega todo mundo, tenha a pessoa ficado severamente doente com ela ou não. A reação dos governos e das autoridades sanitárias dando acolhimento aos long haulers, como sempre, tardou em aparecer – se e quando apareceu. E ainda está em falta, com ajudas discretas e voluntariosas a cargo de universidades e outros. Esse post reuniu algumas dessas iniciativas atualmente em curso, fora e dentro do Brasil.
“Mentalmente, você se sente abandonado. Mesmo os médicos não sabem como ajudar.”
Semana passada, tive o prazer de entrevistar a Dra. Maria Lúcia Varellis, impulsora de uma iniciativa relacionada à recuperação de pacientes com a síndrome Pós-Covid, ou Covid Longa. Ou seja, pessoas que pegaram a doença, porém vários meses após terem testado negativo para ela, ainda não conseguem se livrar de seus sintomas. Não são poucos e a cada dia se sabe mais sobre eles. E o que se fica sabendo é nada bom. Assustador até.
A entrevista da Dra. Maria Lúcia é breve e precisa. Eu recomendo assistir porque ela responde a três questões que sempre me intrigaram em relação a pessoas que, como ela, sacrificam ganhos, descanso e paciência (usualmente com terceiros) para beneficiar desconhecidos a troco de nada. (Nesse blog eu faço o mesmo e confesso que às vezes me pergunto se não devo ter batido a cabeça em algum poste sem perceber.)
Porém, que tal deixar a entrevista para depois? Mais 3 minutos de leitura e você chega nela.
Antes disso, vejamos o que atualmente está sendo feito noutros países e no Brasil, para encarar o problema dos “sequelados”.
Covid Longa em outros países
Em outubro passado, o Dr. Anthony Komaroff, o editor-chefe da Harvard Health Letter, da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, publicou um editorial de nome assustador: The Tragedy of Long COVID.
Assustador foi também o conteúdo desse artigo – a surpresa de continuar doente após meses de se imaginar curado, os sintomas, a indefinição da Covid-19 enquanto doença por parte da ciência médica, a sua semelhança com doenças crônicas de difícil diagnóstico como a síndrome da fadiga crônica, os fatores de risco para pegar a doença, e finalmente, o alerta:
“Por essas e muitas outras razões, a pressão sobre o sistema de saúde e a economia dos Estados Unidos por causa da pandemia não terminará tão cedo.”
O único positivo resgatável no artigo do Dr. Komaroff, todavia, foi o anúncio de que duas das maiores agências encarregadas oficialmente da saúde dos americanos, o NIH e o CDC, teriam se comprometido a dar “um grande apoio à pesquisa sobre a Covid Longa. Nos Estados Unidos e em todo o mundo, o planejamento para desenvolver centros dedicados à pesquisa de sequelas e ao cuidado de quem as possui”, estariam em andamento. De fato, um workshop realizado em dezembro pelo National Institutes of Health (NIH) americano, calculou que de 10% a 30% das pessoas infectadas com o coronavírus sofrem alguns sintomas de longo prazo. E em 23 de fevereiro, o NIH anunciou que gastaria mais de US $ 1,1 bilhão em quatro anos para estudar os efeitos da Covid-19 de longo prazo.
Apenas por esporte, ou por puro sadismo, vou examinar o que na pior hipótese isso significaria no Brasil, aqui e agora. Os casos de infectados com a Covid-19 oficialmente reportados são 15,1 milhões nesse começo de maio de 2021. Trinta por cento disso dá 4,5 milhões de bípedes sequelados passando mais ou menos mal. Pense nisso.
Continuando.
Em alguns países ricos como Alemanha, tratamento para sequelados é cada vez mais oferecido pela rede do país de mais de 1.000 centros de reabilitação médica, 50 dos quais especializados em doenças pulmonares.
No Reino Unido, Elizabeth Murray, uma professora de e-saúde e atenção primária na University College London está desenvolvendo um programa digital, financiado pelo Instituto Nacional de Pesquisa em Saúde da Grã-Bretanha, para tratar os sintomas de longo prazo da Covid-19 e atingir mais pacientes mais rapidamente do que por meio de instalações de reabilitação tradicionais, para eles não se sentirem abandonados pelo sistema médico.
Na América do Norte já proliferam clínicas especializadas no atendimento da pós-Covid. A maioria procura desenvolver um conceito de “como coexistir com a COVID”, para repassá-lo aos pacientes. Todas oferecem um centro de reabilitação com recursos multidisciplinares, e uma ou outra faz pesquisas sobre o tema, no intuito de “fazer um nome” num capítulo da medicina que pode ser lucrativo.
O Departamento de Epidemiologia da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg é um caso à parte. Integrante de uma universidade de muito prestígio, ele acaba de lançar um estudo sobre por que algumas pessoas sofrem os efeitos de longo prazo da infecção por Covid-19. O estudo está aberto a indivíduos que foram diagnosticados com Covid ou que apresentaram sintomas, e inclui uma pesquisa de 10-15 minutos. A equipe espera atingir um total de 25.000 indivíduos e eles estão no bom caminho.
A abordagem da Universidade da Califórnia (Davis) é mais prática.
No seu site, qualquer pessoa pode obter respostas para as seguintes perguntas:
- Quais são os sintomas Covid-19 comuns em long haulers?
- Por que os long haulers continuam a apresentar sintomas de Covid-19?
- O que está sendo feito para ajudar os long haulers?
- Os sintomas da Covid Longa podem causar danos permanentes?
- Se eu for um long hauler, devo tomar uma vacina Covid-19?
- Sou um long hauler. A UC Davis Health pode me ajudar?
Covid Longa no Brasil
E no Brasil?
O Instituto de Reabilitação Lucy Montoro tem recebido pacientes com sequelas físicas e neurológicas deixadas pelo novo coronavírus. Eles obtêm acesso a um tratamento completo, conduzido por uma equipe multidisciplinar, composta por médicos fisiatras, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, fonoaudiólogos, educadores físicos, nutricionistas, enfermeiros e assistentes sociais.
Na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), o acompanhamento de 200 pacientes com a Covid-19 já mostrou que 64% deles ainda tinham algum sintoma depois de 6 meses sem o vírus. A clínica de fisioterapia da universidade de Ribeirão Preto está atendendo pessoas com sequelas da Covid-19. O serviço é oferecido gratuitamente. Chamado de “Atenção Fisioterapêutica a Pacientes com Sequelas Pós-Covid“, o programa reúne professores, coordenadores e alunos do último ano de fisioterapia, e segue os protocolos de segurança e higienização.
O Centro de Tratamento Pós-Covid do Grupo Leforte oferece “identificar e cuidar de possíveis sequelas provocadas pela doença” a pacientes que tiveram Covid-19 após o tratamento da fase aguda e o período de isolamento. Atende planos de saúde e consultas particulares.
Uma averiguação das sequelas mentais e físicas de long haulers a cargo de uma coalizão de hospitais de São Paulo e Porto Alegre está em curso.
Por fim, dentistas, seja individualmente ou através de organizações classistas (ex.: Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas – Regional de Santo André), organizam uma “corrente do bem” para o atendimento a ex-pacientes da Covid-19 ora com sequelas bucais. A ideia é reunir pessoas que não podem pagar pelo tratamento com cirurgiões dentistas voluntários.
E chegamos à Prof. Dra. Maria Lúcia Zarvos Varellis, cirurgiã-dentista (USP) e especialista em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais, além de outros tantos predicados e um histórico de ativismo em prol do próximo muito robusto.
Pós Covid – entrevista Dra Maria Lucia Zarvos Varellis
Nesse vídeo ela conta sobre a sua motivação para interessar colegas a cuidar voluntariamente da saúde bucal prejudicada pela experiência da Covid-19, os progressos atingidos e as aspirações a futuro. O vídeo, eu garanto, é bem mais interessante do que eu poderia escrever a respeito. Assista-o, vale a pena.
Afinal, convém se preocupar agora com o fenômeno da Covid Longa? Julgue você mesmo:
“Até seis meses após o diagnóstico, o risco de morte após um caso leve de Covid-19 existe, não é trivial e aumenta com a gravidade da doença”.
Eis a conclusão de um grande estudo envolvendo mais de 87.000 pacientes ovid-19, publicado recentemente na Nature. Os pacientes recuperados enfrentam um risco cerca de 60% maior de morte por complicações de longo prazo da doença nos seis meses após a infecção inicial em comparação com pessoas que nunca testaram positivo ou sequer foram hospitalizadas.