As diferenças entre homens e mulheres na percepção da dor são notórias e comprovadas pela pesquisa médica. No entanto, a medicina enquanto uma disciplina que envolve pesquisa, farmacologia, atendimento, academia etc., não leva isso devidamente em conta. Os que fizeram a sua história mormente foram homens e isso ficou impresso nas normas, valores, hierarquias… que até hoje a regem. O resultado, conforme evidências sobejamente levantadas no exterior, não é bom para a saúde física e mental das mulheres. No Brasil, porém, o tema é um não-tema, ou seja, não existe. Expondo-o talvez seja possível interessar alguém nele. É o que esse post se propõe a fazer.
“Dor crônica e diferenças de sexo: as mulheres aceitam e se mexem, enquanto os homens se sentem tristes”.
Há um ano me ocorreu realizar uma pesquisa sobre o atendimento médico recebido pela mulher com dor crônica. Recém terminara de escrever um ebook sobre as diferenças na percepção da dor entre homens e mulheres e, quase sem querer, concluíra que o principal a comentar sobre essas diferenças era o quanto permaneciam ignoradas. Ignoradas pela pesquisa médica, pela farmacologia, pelo atendimento primário, pelos congressos médicos, pelas grades curriculares das faculdades de medicina e de outras disciplinas da saúde… Era como se as diferenças de gênero em relação à percepção da dor não existissem. Ou que não importassem.
A pesquisa feita para efeitos do ebook antes mencionado – bastante extensa, por sinal, são 250 páginas bem documentadas – apontava na direção oposta.
“Porque sexo e gênero afetam uma ampla gama de funções fisiológicas, eles têm um impacto em uma ampla gama de doenças, incluindo aquelas dos sistemas cardiovascular, pulmonar e autoimune, bem como doenças envolvendo gastroenterologia, hepatologia, nefrologia, endocrinologia, hematologia e neurologia; eles também influenciam a farmacocinética e a farmacodinâmica. Essas diferenças são refletidas na literatura científica: mais de 10.000 artigos tratam das diferenças de sexo e gênero na medicina clínica, epidemiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas, resultados e manejo”.
Enfim, nem fazem falta 10.000 artigos científicos para provar que diversos fatores contribuem a percepções de dor diferentes por parte de homens e mulheres, incluindo hormônios, genes e fatores cognitivos e emocionais. As diferenças são notórias, inquestionáveis. Julgue por si mesmo(a).
# | Descrição |
1 | A chance de as mulheres desenvolverem dor crônica é 50% maior que a dos homens. |
2 | As mulheres experimentam mais sensitividade à dor que os homens. |
3 | Mulheres com dor crônica podem sofrer mais e durante mais tempo que os homens. |
4 | As diferenças quanto a sensitividade e percepção de dor entre homens e mulheres estão presentes apenas em três doenças: dor nas costas, fibromialgia e osteoartrite. |
5 | O sistema de dor não age igual em homens e mulheres. |
6 | As chances de uma mulher ser erroneamente diagnosticada e assim dispensada de um Pronto Socorro no meio de um ataque cardíaco são maiores que as de um homem. |
7 | Quatro quintos dos estudos científicos sobre dor abrangem exclusivamente homens ou camundongos. |
8 | As mulheres têm dor crônica em maior proporção que os homens, porém têm menos chance do que eles quanto a receber tratamento adequado. |
9 | As mulheres tendem a focar nos aspectos emocionais da experiência dolorosa, enquanto os homens tendem a ficar nos aspectos sensoriais. (Exemplo, um homem diz que dói; uma mulher, que dói porque não poderá cuidar bem do filho.) |
10 | A fibromialgia tem entre sete e nove vezes mais chances de ser diagnosticada em mulheres do que em homens. |
11 | Há variações marcantes na maneira como homens e mulheres respondem às drogas. (ex.: Homens e mulheres respondem diferente à anestesia e ao ibuprofeno). |
12 | As mulheres são duas vezes mais propensas a ter esclerose múltipla do que os homens. |
13 | As mulheres são duas a três vezes mais propensas a desenvolver artrite reumatoide do que os homens. |
14 | As mulheres são duas vezes mais propensas a ter síndrome da fadiga crônica do que os homens. |
15 | Como um todo, as doenças autoimunes atingem as mulheres quatro vezes mais frequentemente do que os homens. |
16 | Mulheres com infarto do miocárdio recebem menos diagnósticos baseados em diretrizes e tratamento menos invasivo do que os homens. |
17 | Mulheres com insuficiência cardíaca recebem menos procedimentos diagnósticos e tratamentos baseados em diretrizes e menos implantações e transplantes de coração. |
18 | Mulheres com fibrilação atrial recebem menos tratamento anticoagulante com varfarina. Mesmo assim, eles têm um risco maior de derrame do que os homens. |
19 | As mulheres obtêm diálise mais tarde do que os homens e passam por menos transplantes renais, tanto de doadores vivos quanto falecidos. |
20 | Há um atraso significativo no encaminhamento de pacientes do sexo feminino com artrite reumatoide para uma clínica de artrite precoce em comparação com os pacientes do sexo masculino. |
21 | Fibromialgia, osteoporose e depressão são consideradas doenças femininas. Ambas podem ser subdiagnosticadas em homens. |
Diante de evidências comprovadas e contundentes como essas, cabe se perguntar:
- Até que ponto a medicina – pesquisa, farmacologia, atendimento primário etc. – leva em conta diferenciadamente as peculiaridades femininas no contexto da dor – diagnóstico, tratamento, autogestão…?
- Até que ponto as pacientes mulheres são prejudicadas na sua saúde física e mental pelo fato de a medicina, na prática, ainda se pautar por valores, preceitos e normas essencialmente masculinas?