Você assistiu, ou ouviu falar do filme “os oito odiados”? Bem, ele é bom, porém deixou de fora o nono… odiado. Eu vou apresentá-lo a você agora: Richard Deyo, médico, pesquisador e o primeiro em denunciar o quanto a dor crônica nas costas é exacerbada inadvertidamente pelos mitos médicos que existem sobre ela. Não perca – odeie-o à vontade.
“Um diagnóstico baseado em ressonância magnética, e na ausência de achados clínicos significativos pode não ser a causa da dor do paciente, e uma tentativa de correção operativa (leia-se cirurgia) pode ser o primeiro passo para o desastre”.
A citação acima resume a mensagem da primeira parte desse post. Um dos primeiros a expô-la em artigos e livros bem fundamentados em pesquisa e ciência foi Richard Deyo, um médico americano.
Voltemos a ele, então. No seu primeiro artigo “Low-Back Pain”, publicado em 1998 pela revista Scientific American, ele apresentava aqueles sete mitos.
E logo depois, em 2004, voltava a carga com um artigo de nome autoexplicativo: “Mitos Danosos sobre a Dor nas Costas ainda vivem”, publicado na The Back Letter.
De quebra, nesse período, dois livros de sua autoria – Hope Or Hype – The Obsession with Medical Advances and the High Cost of False Promises (2005), e Watch Your Back!: How the Back Pain Industry Is Costing Us More and Giving Us Less, And What You Can Do to Inform and Empower Yourself in Seeking Treatment (2014) – viraram best sellers.
Bem, e quem é esse Richard Deyo? Um professor de medicina, epidemiologista de fama mundial e especialista na espinha humana, cujo curriculum acadêmico-científico mede mais metros que o prontuário de El Chapo. Clique aqui para confirmar.
Confirmou? Bem, Deyo foi um dos primeiros em denunciar que o rei da dor nas costas andava por aí em pelo e embora muitos o notassem, ninguém dizia nada. E que nos EUA ao menos, a dor nas costas era uma epidemia em boa parte turbinada por diagnósticos errados, exames de imagem que distavam de ser oráculos no apontamento de suas causas, e especialistas em manobras manuais (fisioterapeutas, quiropatas, massoterapeutas) que mais lesionavam colunas do que as curavam. (Se alguém se incomoda com isso, podem processar Cathryn Jakobson Ramin, autora do afamado Crooked – Outwitting the Back Pain Industry and on the Road to Recovery. E ela que, nesse seu best seller, conta tudo isso. Com provas de arrepiar e, claro, entre as seiscentas entrevistas que ela fez, há uma com Richard Deyo, o Odiado.)
Deyo pensava que pedir exames de imagem para a dor lombar era passar ao paciente uma mensagem errada. E perigosa. Diante do scan, este ficaria “absurdamente preocupado” com a sua hérnia de disco e pronto para iniciar uma desesperada via crucis pelo circuito médico, na esperança de encontrar aquele que iria lhe facilitar a bala de prata capaz de matar de uma vez o monstro que levava montado na coluna. E tudo isso, sem ele, o paciente, saber, sequer suspeitar, que esse tal monstro, num número enorme de casos, simplesmente não existia.
Neurocientistas dizem que a dor ocorre quando o cérebro percebe uma ameaça. Basta apenas isso. Ora, para quem sofre de dor nas costas, ver uma ressonância magnética mostrando uma protusão na coluna, isso já é uma baita de uma ameaça.
Eis a denúncia feita pelo Dr. Deyo nos anos 80 e que foi parar no limbo. O clube dos clínicos americanos a ignorou, simplesmente. Até que, uma década depois, um outro pesquisador e cirurgião ortopédico especializado na espinha humana, Scott Boden, mostrou a cobra, o pau e algo mais.
Num estudo de 67 pacientes que não sofriam de dores nas costas, Boden descobriu que 90% deles possuíam discos degenerados, um terço portava hérnias de disco, e um quinto apresentava estenose espinhal.
“A lombalgia causa mais incapacidade global do que qualquer outra condição. Se estamos em uma batalha com a dor crônica, não a estamos vencendo…”
O restante é história.
Desde aquela época até o momento ocorreram três coisas:
- uma, inúmeros estudos semelhantes aos de Boden se seguiram, nos mais diversos continentes e países, confirmando a sua descoberta e a tese de Deyo, bem como publicações científicas de primeira ordem (ex.: The Lancet) os chancelaram; Deyo é no momento reconhecidamente a maior autoridade no continente americano em se tratando da espinha humana;
- duas, segundo a Organização Mundial da Saúde a dor nas costas é uma epidemia (tecnicamente falando); e
- três, no entanto o número de solicitações de ressonâncias magnéticas é hoje proporcionalmente várias vezes maior do que era então.
Vai entender.
Uma resposta
muito bom esclarecedor sobre dor na lombar um mal que afeta a maioria das pessoas