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A dor crônica e a indústria dos exames de imagem

A dor crônica e a indústria dos exames de imagem - Foto: Ars Electronica – Foter.com

Os exames de imagem hoje são, por definição, parte integrante de um exame clínico, seja o motivo simples ou complexo. Como diagnosticar dor nas costas sem ver o que há numa ressonância magnética do local? Impensável. Porém, até que ponto pode ser isso um exagero baseado na ignorância inocente do paciente?

“O desenvolvimento tecnológico das diversas modalidades de imagem oferece cada vez mais acesso a informações clínicas detalhadas, precisas e seguras, de maneira mais rápida, mais confortável e menos invasiva.”

Noticias Unimed

“Não há nada tão inútil quanto fazer eficientemente aquilo que não deveria ser feito de forma alguma.”

– Peter Drucker

Uma visitante do blog apontou que o post A Mitologia da Dor Crônica nas Costas carecia de conclusões. Grato por me lembrar disso. E também por me motivar a escrever sobre algo que há tempos, desde quando eu perambulava de médico em médico tentando descobrir a causa de uma dor crônica cervical, ficara atravessado na minha garganta.

O post em pauta, lembremos, se refere às denúncias do Dr. Deyo, ilustre epidemiologista americano, relativas a eventual inutilidade dos exames de imagem.

Eu passei a pensar em três conclusões e um epílogo melancólico. Para bem ou mal, as minhas opiniões estão contaminadas pelo que eu já percebera bem antes de ler sobre o Dr. Deyo e suas denúncias. E devo esclarecer que estou do lado de cá do balcão: eu sou um paciente portador de dor crônica.

Primeira conclusão

Existe uma indústria de exames de imagem baseada na ignorância.

Veja o meu caso. Durante anos – não, décadas – eu pensei estar condenado em vida por conta de uma dor crônica musculoesquelética baseada numa hérnia de disco. A hérnia era real, não assim a sua relação causal com a minha dor, como ficou comprovado depois. Porém, nenhum dos vários médicos e fisioterapeutas que eu consultei sequer levantou a suspeita de que eu poderia, ao invés de me entupir com analgésicos, me movimentar sem necessariamente piorar a minha condição – e assim me liberar do medo, recuperar musculatura, etc. Definhei fisicamente por não saber disso. A maldita “hérnia de disco” era apenas uma protusão, e hoje eu sei, muita gente “com hérnia de disco” não tem dor. Ninguém me disse isso.

“Eu não sou burro. Apenas manejo informação rigorosamente inútil.”

Antes de prosseguir, um esclarecimento: não estou insinuando segundas intenções por parte de laboratórios, médicos etc., apenas me intriga que tanta evidência científica denunciando que 1) os exames de imagem são confiáveis, mas não assim a sua interpretação; e 2) que eles são amiúde incorretamente dados como causa da dor crônica nas costas, em geral não venham à tona na consulta clínica. O fato inegável de a solicitação de exames de imagem a cada ano crescer bem acima do aumento populacional, com custos de todo tipo para todo mundo, é prova disso.

Existe uma indústria:

“Segundo levantamento recente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) envolvendo 35 nações e incluindo algumas das mais desenvolvidas do mundo, a média anual de ressonâncias magnéticas é de 52 por 1 mil habitantes e a média anual de tomografias computadorizadas é de 120 por 1 mil habitantes. Considerando números absolutos nacionais, somente na esfera de saúde complementar (convênios), cada uma destas modalidades é responsável por mais de 7 milhões de exames anuais no Brasil.”1

Baseada na ignorância:

Antes da virada do século, nos EUA, a Agency for Health Care Policy and Research, um braço do United States Public Health Service – o equivalente do nosso SUS – propôs políticas de contenção referentes ao uso de testes de imagem como raios X, escaneamentos e ressonâncias magnéticas.

Em 2017, na Alemanha, as políticas do German Disease Management Guideline (NDMG) sobre a dor lombar não específica, especificavam: “Se, no contato inicial de um paciente que se queixa de dor lombar com um médico, a anamnese e o exame físico não evidenciam uma anomalia patológica perigosa ou grave, nenhum outro estudo é indicado por enquanto.”

Por “…nenhum outro estudo”, entenda-se: exames de imagem.

“Não tem pior cego que aquele que não quer ver”
Ganha um pirulito quem me indicar alguma advertência parecida, feita oficialmente por uma instituição pública (ex.: SUS), ou por um colégio profissional (ex.: CRM), ou por uma faculdade universitária de ponta (USP), na pátria do brado retumbante. Por aqui, nem um miado sequer. A mídia, por sua vez, se esmera em explicar “o que é” e “o como se faz” (o exame de imagem), porém passa olimpicamente ao largo de “o por quê” e “o quando” (ele precisa mesmo ser feito).

Segunda conclusão

Os profissionais da saúde, os formadores de opinião por excelência no mundo dos pacientes leigos, em geral agem (ou deixam de agir) como se o anterior não lhes dissesse respeito.

Pergunte a 10 pessoas que recentemente se queixaram de dor nas costas pela primeira vez na vida se fizeram exames de imagem. Aposto que a maioria o fez – e em muitos casos não precisava. Se não for crônica, a dor nas costas amiúde se resolve, sozinha, em questão de semanas ou meses.

Terceira conclusão

Emana da anterior.

Por que razão os profissionais da saúde em geral supostamente não advertiriam os pacientes sobre a inconveniência ou inoportunidade de se pedir exames de imagem em determinados momentos da história clínica?

Um amigo médico culpa o próprio paciente típico, cuja definição de “exame médico confiável” inclui obrigatoriamente exames de imagem. “Sem um raio x, ou uma ressonância…” ele me disse “o cara não se convence de que não tem um tumor”. Outro exemplo: a investigação básica de mastalgia (sensibilidade mamária) compreende anamnese, exame físico e exame de imagem, preferencialmente a ultrassonografia, certo? Errado. A investigação deve ser realizada a partir de uma anamnese e exame físico completos e bem feitos. A realização de exames de imagem não traz informações importantes adicionais para a maioria dos casos. No entanto, nesse caso, que mulher se sentiria confiante SEM um exame de imagem? Pressão do mercado, chama isso.

É um ponto a considerar, porém há outras explicações. Eu penso que uma das principais razões pelas quais alguns profissionais da saúde exageram nos exames de imagem é porque ele(a)s ignoram as devastadoras consequências dos resultados desses exames na psique dos pacientes. (O caro leitor já viu um exame de imagem SEU mostrando uma anomalia – uma protusão, uma escoliose… – na sua, repetindo: na SUA, coluna vertebral? E que tal quando o facultativo depois agregou, solícito, que isso seria “uma degeneração”? Como você se sentiu?).

“Suprimir ou erradicar sintomas no nível físico pode ser extremamente importante, mas há mais na cura do que isso; lidar com questões psicológicas, emocionais e espirituais envolvidas no tratamento da doença é igualmente importante.”

– Marianne Williamson – autora, Tears to Triumph

E continuando: por que o profissional da saúde não se preocupa mormente com as nuanças psicológicas associadas à revisão dos exames de imagens? Duas razões. Uma, a psicologia da dor não fez parte da sua grade acadêmica quando estudou para ser médico, fisioterapeuta, anestesiologista etc. – ou apenas consumiu uma ou duas aulas. Duas, porque se fazer cargo das tais consequências é assunto de uma outra tribo, a dos psicoterapeutas, psicólogos, psiquiatras, e psi´s em geral. E esse pessoal opera numa comarca clínica diferente – a das coisas que os pacientes “têm na cabeça e não no corpo” – bem demarcada e ferozmente defendida pelo próprio colégio profissional. Médicos e fisioterapeutas entendem muito bem disso porque eles próprios vivem defendendo seus territórios, seja de avanços mútuos (ex.: afinal, os fisioterapeutas podem trabalhar com ondas de choque?) ou de terceiros (ex.: medicina alternativa, integral, holística…). É uma selva lá fora.

Então, pouco importa ao médico ou fisioterapeuta que a anomalia mostrada pelo exame de imagem deixe o paciente angustiado, mesmo sem haver certeza de alguma anomalia ali descoberta ser a causa da sua dor. São nuanças alheias ao script da consulta clínica. Como se crenças erradas sobre a dor não tivessem efeito sobre a doença ou a dor!

O epílogo melancólico

A situação relatada acima é universal. A eclosão de exames de imagem é alarmante na America, no Reino Unido, na Austrália… “chancelada” sempre pelo silêncio da academia, o assentimento tácito dos profissionais da saúde e a ignorância dos pacientes. Um processo sem fim. Nada a fazer, exceto contemplar.

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